Opinião
Danos irreparáveis do trabalho infantil – Edson Kassanga
Era um garoto perto dos oito anos de idade (talvez um pouco mais), titular de um porte físico delgado e um tanto quanto vergastado pelo trabalho assim como responsabilidade recomendáveis para uma idade que ainda estava por chegar. Ademais, ele possuia pura brancura nos seus minúsculos olhos igualmente impotentes em ocultar a fome. A fome que, resolutamente, se mostrava ao mundo através de seus olhos. O garoto era tão pueril até no modo de andar que parecia franzino e movediço feito os sacos pretos de plástico (presos à sua mão direita) que se deixavam ondular pelo vento mais brando.
Esta é a sucinta e dilacerante descrição que pude fazer de um pobre e nobre rapaz, parte integrante de um contigente para além dos mil a nível de toda extensão do territorio nacional, que foi esforçado a correr sem ao menos saber pôr-se em pé, ou melhor, foi prematuramente obrigado a abandonar a inocência e o fascínio da infância para assumir-se como adulto, expondo-se diante circunstâncias cujas consequências podem perdurar ao longo de toda sua existência neste planeta.
Especificamente, refiro-me a um rapaz cujo nome foi tirado da minha memória pelo estresse com a cumplicidade incondicional da velhice. Fitei-o pela única vez no mercado do Mutundo (Lubango) onde ele deambulava, atento e de canto em canto desprovidos de encanto, na ânsia de achar algum cliente que necessitasse comprar sacos de plástico. Foi com esta intenção que ele veio ter comigo e foi por conta do seu jeito dócil, indefeso, inocente, porém corajoso que ele absorveu a minha absoluta atenção.
Então, de coração diluído numa solução de emoção, empreendi algum esforço para obter informações que a aparência do pequeno vendedor de sacos não podia dar-me. Fiz-lhe perguntas que me permitiram saber que ele viu-se obrigado a optar pela venda de sacos para poder ajudar a custear as dispesas da casa onde residia e também para comprar seu próprio material escolar devido ao facto de ser filho de progenitores paupérrimos. Entretanto, não obstante ao esforço que ele fazia para estudar, preferiu dizer-me que não sabia se transitaria de classe, porquanto o trabalho de venda de sacos impedia-lhe de ir à escola, por inúmeras alturas. Logo, ele já tinha certeza que reprovaria por faltas.
Este tem sido o dilema pelo qual passam imensas crianças em Angola e em outras latitudes também. Crianças prematuramente transformadas em pais de si próprias, pais de seus irmãos e, inclusive, pais de seus respectivos pais, renunciando a um rol de actividades recomendáveis e apetecíveis por todas as crianças como achar graça em quase tudo que lhe cerca, divertir-se sem prestar atenção aos possíveis perigos à volta, desejar ajudar mesmo não tendo forças, correr alegremente de um lado ao outro como se já não houvesse amanhã, sonhar em banir o sofrimento de todo mundo, sonhar, sonhar, sonhar, sonhar em mudar o mundo, etc.
Segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística), “no período 2015-2016, 25.830 crianças de ambos os sexos e com idades entre os 05 a 17 anos estavam envolvidas em trabalho infantil” e pelo incremento do custo de vida que se assiste nos dias que correm, agravado por uma avalanche de despedimentos levados a cabo por empresas públicas e privadas, não restam duvidas de que este número cresceu e cresceu bastante, considerando que o desemprego e a pobreza são apontadas como as principais causas do trabalho infantil. Ele representa um risco imponente, dado que as crianças nele envolvidas são propensas à situações cujos prejuízos podem marcar suas vidas de modo irreversível.
O dia 27 de Dezembro de 2019 é, por motivos negativos, uma data indelével para um grupo de quatro crianças angolanas directamente relaciondas com o trabalho infantil. Em conformidade com uma reportagem do Jornal de Angola, publicada no dia 25 de Janeiro deste ano, elas recolhiam, já há alguns meses, sucatas em vários pontos da cidade de Luanda para posteriormente venderem-nas numa casa de pesagem e recolha de sucatas situada no Golfe. Foi precisamente neste local e naquele dia pertecente ao ano transacto em que um dos objectos de ferro trazidos pelas crianças explodiu. A explosão provocou ferimentos a 12 crianças, destacando-se três que perderam uma das pernas e uma que perdeu um olho.
Enfim, apesar de não se tratar de um problema recente, o trabalho infantil tem estado a atingir níveis alarmantes em Angola, fazendo com que, progressivamente, muitas crianças abandonem as escolas para se dedicarem em actividades pelas quais elas consigam algum dinheiro capaz de afrouxar ou adiar a fome. No entanto, ele acarreta danos bastante dolorosos que nem o tempo pode apagá-las. Por isso, sem menosprezar o papel que o governo, as OIG (Organizações Inter Governamentais), igrejas e as ONGs têm desempenhado no combate contra o trabalho infantil, eu dirijo-me aos pais e encarregados de educação, recomendando mais responsabilidade antes e depois de gerar/adoptar uma criança. Já dizia o Totó St, cantor angolano de quem tenho todos os álbuns e com muito gosto, em uma das suas músicas que:
“Se não tem condição Não faz filho em vão Nao “.
Por: Edson Kassanga