Análise
Da retórica à estratégia: por que Angola ainda não pensa global nem age local
1. Um Mundo em Transformação e a Urgência de um Pensamento Estratégico
Vivemos um tempo em que o poder já não se mede apenas pela força militar ou pela riqueza dos recursos naturais, mas pela capacidade de pensar estrategicamente e agir de forma inteligente.
As nações que dominaram o século XX foram aquelas que aprenderam a planificar o futuro. As que dominarão o século XXI serão as que conseguirem integrar o pensamento global com a acção local, transformando conhecimento em poder e dados em decisões.
Segundo Henry Mintzberg (1994), um dos maiores teóricos da estratégia, “estratégia é uma ponte entre o pensamento e a acção, entre a intenção e o resultado”.
Essa definição aplica-se perfeitamente ao desafio de pensar global e agir local: uma nação, uma cidade ou um líder que pensa globalmente, mas age com base nas suas realidades locais, constrói pontes sólidas entre o ideal e o possível.
2. Pensar Globalmente: A Visão Sistémica da Interdependência
Pensar globalmente é compreender que o mundo funciona como um sistema interdependente, onde os problemas e soluções estão conectados por redes económicas, tecnológicas e ambientais.
O sociólogo Ulrich Beck, ao discutir a sociedade do risco, afirma que “a globalização é o motor da interdependência e do risco compartilhado”.
Isto significa que nenhuma decisão é isolada: as acções locais têm consequências globais e as dinâmicas globais afectam as realidades locais.
Pensar globalmente é, portanto, um exercício de consciência geoestratégica. Implica observar o mundo com visão de futuro, decifrar tendências e compreender as forças que movem a economia digital, a política internacional e a inovação tecnológica.
Peter Senge (1990), na sua obra A Quinta Disciplina, sustenta que “as organizações que aprendem são aquelas que pensam em sistemas e compreendem as inter-relações complexas que moldam os resultados”.
Do mesmo modo, os países que aprendem são aqueles que olham o mundo como um sistema, não como um conjunto de partes isoladas.
Em termos práticos, pensar globalmente em Angola exige:
Adopção de políticas públicas alinhadas com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS);
Leitura permanente das tendências globais em tecnologia, clima, energia e educação;
Formação de quadros capazes de pensar em redes de interdependência económica e governação inteligente.
O pensador Peter Drucker (1999) já advertia que “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”.
Portanto, pensar globalmente é mais do que observar o mundo, é projectar o lugar que queremos ocupar nele.
3. Agir Localmente: Transformar Ideias em Valor Territorial
Agir localmente é o acto de converter o pensamento global em resultados tangíveis dentro do território. Trata-se de aplicar conhecimento, inovação e participação do cidadão para resolver problemas concretos.
O geógrafo Milton Santos (2000) lembrava que “o espaço local é o teatro do global”, onde se materializam as contradições e as oportunidades da globalização.
Isso quer dizer que é nas cidades, nas autarquias locais, nas comunidades e nas pequenas empresas que o global se traduz em realidade.
Agir localmente, num sentido estratégico, requer:
Governação descentralizada e participativa, baseada na transparência e na inclusão
Políticas Públicas municipais inteligentes, que utilizem dados, tecnologia e ciência para planear
Promoção da economia local e criativa, valorizando o potencial produtivo das comunidades
Educação e literacia digital, para preparar cidadãos para a era global
Michael Porter (1990), na teoria da vantagem competitiva, demonstra que o desenvolvimento local deve basear-se naquilo que o território faz melhor, o que ele chama de clusters produtivos.
Essa abordagem é aplicável a Angola: cada província tem os seus recursos, as suas vocações e as suas competências. Quando bem coordenadas, essas singularidades tornam-se activos competitivos com impacto nacional e internacional.
Agir localmente é, portanto, uma estratégia de empoderamento territorial. Um município que cria políticas públicas baseadas em dados, promove inovação e valoriza a identidade cultural torna-se um polo de inteligência económica e social.
4. Pensar-Agir: A Integração Estratégica do Poder Inteligente
O verdadeiro desafio está em integrar o pensamento global com a acção local, e essa integração é o que designo como poder inteligente (smart power).
Segundo Joseph Nye (2004), o poder inteligente combina o poder duro (recursos e força) com o poder suave (influência, cultura e conhecimento).
Num mundo onde a força bruta já não basta, os países e as cidades precisam de estratégias baseadas em conhecimento, diplomacia e inovação.
Angola precisa de construir o seu smart power local, através de:
Lideranças formadas em pensamento estratégico;
Cidades inteligentes conectadas a redes globais;
Diplomacia económica municipal e regional;
Políticas de governança digital e sustentável.
Ao integrar tecnologia, cultura e governação, o país torna-se capaz de transformar os seus municípios em motores de competitividade global.
Essa é a essência daquilo que autores como Richard Florida (2002) chamam de economia criativa, em que o desenvolvimento é impulsionado pelo conhecimento, talento e inovação local.
5. Da Localidade à Glocalidade: O Nascimento da Inteligência Competitiva Urbana
O sociólogo Roland Robertson (1992) cunhou o termo glocalização para descrever a interdependência entre o global e o local.
A glocalização é o novo paradigma do desenvolvimento: o global inspira, o local transforma.
Nesta era, o município deve deixar de ser visto como uma unidade administrativa e passar a ser um sistema inteligente de governação territorial.
É neste contexto que surge o conceito de Inteligência Competitiva Urbana, que propõe a recolha e análise de dados para melhorar a tomada de decisões públicas e privadas.
Segundo Sun Tzu, em A Arte da Guerra, “a victória é alcançada por aqueles que conhecem o terreno e sabem adaptar-se às circunstâncias”.
Em termos modernos, o terreno é o território municipal, e o conhecimento é a informação que o gestor recolhe para planear com base em evidências.
Ao aplicar esta visão em Angola, as administrações locais podem tornar-se centros de planeamento estratégico, conectados a um sistema nacional de informação e inovação, capaz de antecipar riscos e aproveitar oportunidades.
6. Angola e o Desafio da Soberania Estratégica
Angola encontra-se num ponto de inflexão.
Os desafios do desenvolvimento, desemprego, desigualdade, dependência de importações, não se resolvem apenas com políticas públicas reactivas.
Precisamos de um planeamento estratégico de longo prazo, baseado no conhecimento, na inteligência territorial e na coordenação entre o nível nacional e o local.
O economista Amartya Sen (1999) ensina que “o desenvolvimento é liberdade”, liberdade de agir, de pensar e de escolher o destino colectivo.
Pensar e agir global e local é, nesse sentido, um acto de libertação estratégica: é a passagem de uma economia dependente para uma economia pensante e produtiva.
Angola pode e deve afirmar-se como uma nação de pensamento estratégico africano, capaz de gerar modelos próprios de governação urbana, inovação social e gestão sustentável de recursos.
7. Conclusão: O Futuro é de Quem Pensa Global e Age Local
O futuro já não pertence aos que têm mais petróleo, mas aos que têm mais inteligência aplicada.
O mundo está a mudar rapidamente, e o verdadeiro poder está nas ideias, na inovação e na capacidade de execução.
Pensar global e agir local é, pois, o novo paradigma de soberania.
É reconhecer que a grandeza de uma nação começa nos seus municípios, nas suas escolas, nos seus empreendedores e nos seus cidadãos conscientes.
O filósofo Peter Drucker resumiu bem esta visão quando disse:
“Não há nada tão inútil quanto fazer de forma eficiente algo que não deveria ser feito.”
Precisamos, portanto, de pensar certo e agir com propósito, não apenas para responder à globalização, mas para liderar a nossa própria história dentro dela.
“Quem não pensa estrategicamente, acaba por agir sob o comando do pensamento alheio.”