Opinião
CRÓNICAS DA KIANDA
NAMBUANGONGO
Quarta-Feira, 31 de Abril 2014, 12:42
Estava a dar as últimas garfadas de uma funjada com molho de tomate, ovo e chouriço, quando bateram a porta.
Fui ver. Surpresa:
– Sampaio por aqui?
– Ya. A chefe me mandou vir aqui com urgência
– A chefe? O que se o passa? – Perguntei.
– Parece que temos que viajar de emergência por causa dum salo que temos que ir fazer no consulado de Angola em Nova York.
– O quê? Nova York?
– Ya meu. Ela me mandou vir buscar o teu passaporte e as fotos.
– Ta fixe. Deixa ver no quarto se tenho fotos.
Sampaio era o operador de camera destacado para as minhas reportagens. Recebeu os meus documentos e saiu as pressas. Me deixando a sonhar com Nova York a tal grande cidade norte americana que não dorme.
Até aquela altura, o mais longe que tinha ido era Nambuangongo. Uma viagem traumatizante, onde em 3 dias de trabalho as refeições não passavam de banana pão, ginguba, mandioca e as vezes um pouco de molho sujo. Estava eu naquele instante a preparar viagem para uma terra que via apenas nos filmes. Liguei para a namorada.
– Oi. – cumprimentei-a, assim que atendeu.
– Oi. — Respondeu ela, sem muito interesse. — O que é que há?
– Acho que amanhã vou viajar novamente.
– Aié? Vais novamente a Nambuangongo?
– Não. Acho que vão nos mandar para Nova York.
– Fala sério mor?
– Ya. Esteve aqui o Sampaio e levou os meus documentos para a embaixada americana agora.
– Estou a vir aí. Não sai.
Apareceu trinta minutos depois com uma extensa lista de coisas para trazer-lhe de presente. Maldita hora que liguei, pensei.
No dia seguinte estávamos nós a aterrar no aeroporto internacional de Heathrow, Londres em trânsito para Nova York. Logo no desembarque, comecei a notar um comportamento algo estranho das pessoas, falei com o Sampaio:
– Meu, não acha estranho as pessoas aqui não se empurrarem quando descem do avião?
– Meu, aqui é terra dos pulas. Esses gajos são organizados. E é melhor não falarmos muito se não ainda vão desconfiar de nós.
– Hum! Desconfiar de quê? Nós estamos legais, meu. A propósito, você fala bem inglês?
– Nada, nem um coxito. Você é o repórter vais ter que se virar.
O meu inglês era básico, muito básico. E nós precisávamos chegar até a porta de embarque para o próximo voo. O problema é que aquele aeroporto parecia uma cidade. Entrei em pânico por alguns minutos. Mas então, vi um guarda e arrisquei.
– Exquiuze-mi. — era eu a tentar falar ao guarda — keni yu elpi me?
– Yes?
– Niu yorqui, Niu York — indiquei o bilhete ao mesmo tempo que falava.
O guarda pareceu não entender nada. Pegou apenas no meu bilhete, leu por alguns instantes e de seguida pediu-nos para acompanha-lo.
– Follow-me.
Repeti a mesma palavra para o Sampaio que estava bem a minha atrás, expectante:
– Folo-mi.
Seguimos o guarda e com ajuda dele localizamos a porta de embarque para viagem a Nova York, que afinal, só teria que acontecer em mais ou menos 12 horas.
– Outra maka mais — Falou o Sampaio desapontado — E agora vamos fazer o quê aqui?
– Vamos andar por aí. Fazer umas compras e se calhar comer alguma coisa.
– Compras? Não podemos comprar nada agora, isso tudo tem de ser quando voltarmos.
– Então vamos comer qualquer coisa e ver se bebemos umas birras.
Fomos a área dos restaurantes. Eram muitos e todos bastante atractivos. Então ficamos a olhar, a olhar, a olhar, passando um a um, até que vimos um restaurante onde havia um barman negro e nos aproximamos. Solidariedade racial, pensei.
– Yes? — Veio ele com aquela educação inglesa.
– Uani birra — era eu a apontar para cerveja.
Ele ficou a olhar para mim com aquela cara de barman. Percebi que o meu nigga não tinha entendido nada e refiz o pedido, desta vez acompanhado com um gesto explicito que indicava que queríamos beber cerveja.
– Tuo birra plize.
– oh! Ok, ok.
Aí eu percebi que ele tinha entendido. E nos serviu a primeira, a segunda e na terceira rodada já estávamos a falar com ele mesmo com o nosso inglês de se coçar, como se fossemos grandes amigos. Ficamos o tempo necessário e então embarcamos para Nova York.
O aeroporto Internacional John Kenedy em Nova York, é justamente aquilo que via nos filmes. Pessoas de todas as raças e nacionalidades convergiam aí num entra e sai frenético. Era uma infra-estrutura gigantesca, com serviços e espaços tão modernos que pensei que já estávamos dentro da cidade de Nova York.
À porta do aeroporto, esperava-nos um funcionário do consulado que nos pôs num carro diplomático e levou-nos para o hotel onde ficaríamos durante o tempo de trabalho. Depois de tratarmos a papelada no hotel, um hospedeiro, conduziu-nos para os quartos. Quando entrei para o meu, lembrei que há muito precisava usar a casa de banho. Entrei e fiquei boquiaberto com tanta luxuria numa casa de banho. Foi quando me preparava para usar a sanita que senti um puxão no ombro.
– Xé Samaria, tas a fazer o quê?
Olhei para trás e de repente tudo tinha desaparecido. Acordei sobressaltado. Observei a minha volta e percebi que não estava em nenhum hotel de luxo, em nenhuma cidade moderna.
– Hum! Sampaio, estamos aonde?
– Estamos em Nambuangongo bró — o meu colega pôs-se a rir — tas a sonhar ó quê?
– Caramba pá. Sonhei que estávamos em Nova York.
– kkkkkk…Nova York, kkkkkk… é melhor ires lá fora. Estavas quase a fazer xixi na parede.
Maldito sonho.