Opinião
COVID-19 e a deficiência de saneamento básico em Angola
Não é segredo que as constantes intervenções do ser humano no meio ambiente têm uma profunda influência nas alterações das características físicas, químicas e biológicas da natureza, resultando em sérios problemas ambientais e riscos à saúde do ser humano. Em países como o nosso onde o sistema de saneamento apresenta uma precariedade, os riscos à saúde se agudizam de maneira radical. Uma das soluções seria a construção de sistemas funcionais que possibilitariam escoamento dos resíduos das cidades, com sistemas de coleta de resíduos sólidos, tratamento de água, drenagem de água e sistemas de rede de esgoto sanitário.
Com uma estrutura funcional de saneamento básico podemos facilmente evitar o desenvolvimento de diversas doenças em nosso País. Decerto, muitas doenças que afetam a nossa população são oriundas da precariedade do nosso sistema de saneamento básico. Muito mais que efetuar campanhas de combate a malária, paludismo, etc.; é necessário apostar na construção de um sistema básico de saneamento; é desse modo que conseguiremos minimizar doenças como estas, por estarem amplamente ligadas ao saneamento.
É importante ressaltar que contaminação da água por microrganismos, na maioria dos casos devido à falta de tratamento de esgoto, tem gerado problemas indesejados para saúde pública; consequentemente, temos visto um aumento de diversas doenças, aumento do índice de mortalidade infantil e custos hospitalares, bem como a redução da expectativa de vida dos angolanos. Tudo isso evidencia como os serviços de saneamento básico são de extrema importância para o controle da transmissão de diversos agentes patogénicos.
Os índices de saneamento actuais são baixíssimos – de acordo com o censo populacional de 2014, na questão do esgotamento sanitário, somente 8% dos esgotos são recolhidos pela rede pública e não existem dados sobre o tratamento dos 8% que são recolhidos. Quase 60% dos resíduos sólidos ainda são depositados ao ar livre, e também não existem dados sobre drenagem urbana.
Sabemos que em tempos de combate ao COVID-19, medidas como lavar as mãos com água e sabão, recomendas pela Organização Mundial da Saúde, são fundamentais ao combate à proliferação da pandemia. No entanto é chocante e doloroso saber que uma simples medida como essa não poderá ter efeito em nossas comunidades, pois muitas delas têm falhas constantes no abastecimento de água, sem dizer que, em algumas comunidades, sequer existe água potável. Um outro problema que deve ser levado em conta é a ineficiência da recolha dos resíduos sólidos nos sistemas de abastecimentos de água.
Neste momento de combate ao COVID-19, é de extrema importância a combinação de medidas de prevenção, manutenção e operacionalização do sistema de saneamento; ora, com o sistema de saneamento inoperante, aumenta-se a probabilidade do alastramento da pandemia, como também o agudizar de doenças já existentes em nossa realidade. Portanto, urge a necessidade de investir em saneamento, para que se economize os gastos em saúde pública. Todavia a história nos ensina que projectos de grande escala perdem eficiência e responsabilidade quando deixados somente nas mãos do governo, sem a participação activa do cidadão. É também responsabilidade nossa como indivíduos agir, criar consenso, fiscalizar e trabalhar em conjunto as decisões tomadas pelo governo, fazendo o sacrifício necessário para o bem das futuras gerações.
Trazemos aqui à memória das palavras do filosofo inglês Roger Scruton proferidas em seu monumental livro Filosofia Verde, onde acertadamente propõe que as questões ambientais e sanitárias “sejam enfrentadas por todos, na esfera das circunstâncias diárias, para que não sejam confiscadas pelo Estado. A solução será possível se as pessoas estiverem motivadas, e a tarefa do governo é justamente criar essas condições graças às quais a motivação adequada possa surgir e prosperar”. Ou seja, se consideramos o nosso bairro, a nossa rua, como um lar e nutrirmos amor por ele, não ficaremos apáticos esperando apenas pelas ações do governo para propor melhorias; pelo contrario seremos os primeiros a trabalhar para que isso aconteça. Precisamos apenas de pequenas ações, como levar o lixo no contentor mais próximo ao invés de deixá-lo espalhado na rua ou jogar o mesmo na corrente das águas da chuva.
*Texto escrito em co-autoria Por Tomás Camba (professor de Filosofia, Escritor e Ensaísta) e José Alexandre Palanca (Engenheiro Ambiental e Sanitarista).