Opinião
COVID-19: A economia ganhou a “partida” contra a vida?
*Opinião de António Soares Gonga
Desde que o novo coronavírus surgiu, em Dezembro do ano passado, e espalhou-se pelo mundo, ceifando milhares de vidas humanas e pondo em risco outras milhões, os governos dos países em todo o planeta estão a ser desafiados a assumirem-se “árbitros” de uma “guerra” entre as economias destes Estados e a protecção da vida dos seus cidadãos.
O confinamento social é uma das principais medidas encontradas pelos Estados para impedir a propagação do vírus através do corte da cadeia de contágio e para proporcionar maior controlo da situação às autoridades sanitárias e aos governos centrais. Mas a esta medida são associadas consequências não veneráveis pelos sistemas e estruturas orgânicas dos próprios países.
Essa contraposição entre o imperativo de fazer funcionar as economias dos Estados, para garantir a produção de bens e serviços a fim de servir as necessidades dos cidadãos, cumprir com outras obrigações como o pagamento de dívidas públicas, sobretudo externas, e o dever constitucional e “moral” de proteger a vida das pessoas em território nacional obrigaram (e continuam a obrigar) os Executivos, os árbitros da contenda, a tomarem decisões parciais que, obviamente, como em muitas situações da experiência humana, para qualquer uma delas, alguém tem de perder para o outro ganhar.
A vida das pessoas está em jogo, mas como disse o francês François Perroux, nos remotos anos de 1981, ao reflectir sobre a Filosofia do Novo Desenvolvimento, “aceitar ou não a morte de outrem é uma questão moral”. E a economia, como é certo, configura-se fundamentalmente como uma questão material. E entre o moral e o material, nesta disputa provocada pela Covid-19, alguém terá de vencer.
Ao aproximar-se o fim do mês de Março, o Estado angolano avançou, por precaução, para a decretação do Estado de Emergência, com a medida de cartaz: o confinamento social para todas os cidadãos, interditando os direitos ao trabalho e a livre circulação de pessoas, salvo alguns profissionais de saúde no exercício da suas funções e comerciantes de bens de primeira necessidade. Estes últimos que também não escaparam a limitação das vendas e dias e horários reduzidos.
Dois casos positivos importados registados, em Luanda, foram suficientes para aconselharem o titular do poder executivo a agir na defensiva, com vista à protecção das vidas dos seus legitimantes, o Povo. Mas, o gráfico matemático de casos no país foi subindo no correr dos dias do Estado de Emergência, chegando mesmo, semanais depois, a serem registados casos de transmissão local. Tendo sido forçada a colocação de cercas sanitárias em determinadas zonas de Luanda, como é o caso do Futungo e do Hoji-a-Henda.
Só um parenteses… Para muitos, como eu, não é prudente nem inteligente afirmar que ainda não temos casos de transmissão comunitária do vírus no país, embora ainda não sejam divulgados oficialmente. Reforçam as minhas suspeitas as alegações recentes do Estado português de que tenham casos positivos importados de Angola, um assunto sobre que a ministra da saúde, Sílvia Lutucuta, como porta-voz da comissão interministerial contra a covid-19, confessou ontem, 26 de Maio, ainda não possuírem dados pessoais destes para o devido rastreio das pessoas com quem tiveram contactos por cá. Quem são estas pessoas? Onde vivem? Como contraíram o vírus? Com quem tiveram contactos? Quem são os contactos dos seus contactos? Onde pegam, circulam, o que usam? O que fazem por ora? Estas são apenas algumas questões que deveriam merecer respostas urgentes, e não as tendo, agudizam as minhas suspeitas de que o vírus pode ter “ganhado vida própria” e anda a circular por aí.
Voltando à “partida” inicial, o árbitro desta contenda em Angola decidiu jogar em favor do imperativo económico, porque estava a ser asfixiado e ameaçado pelos diferentes interesses de adeptos: pela incapacidade de suportar um país parado, de gerar riquezas para pagar as dívidas internas e externas, de garantir que pobres tenham o mínimo necessário para sobreviver, já que não pode sair para buscar o “pão nosso de cada dia” sem ser intimidado pelo ou vírus ou pelo agente da polícia.
“Mudança de paradigma, ensaiemos o Estado de Calamidade” – mandou o árbitro – “novas medidas têm de ser impostas”.
O decisor da partida não foi tão injusto, atribuiu uma série de regras à festa da economia para que a vida fosse, de alguma forma, preservada, no mínimo das possibilidades sanitárias e educacionais da nação.
Hoje, estamos no segundo dia do Estado de Calamidade, que, entre outras decisões, retribui os direitos ao trabalho e à livre circulação aos cidadãos, aconselhando-as a saberem conviver com o vírus e cumprirem certas medidas: usar as máscaras em locais como mercados, espaços fechados com frequência de pessoas; lavar as mãos com água e sabão várias vezes ao dia; manter o distanciamento físico necessário; não abraçar nem dar mãos as pessoas…
O que é certo é que nem a vida nem economia devem ser desatendidas. Pois um colapso económico também tem implicações muito profundas na vida dos cidadãos, como já temos vindo a assistir e a sentir na pele desde o início da famigerada crise, em 2015. Por isso, auguramos que estas novas medidas do executivo com o Estado de Calamidade Pública sejam capazes de livrar Angola da Covid-19 e, em simultâneo, os angolanos de uma economia mais fragilizada ainda mais do que já está.
*Jornalista