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Opinião

Corrupção em Angola: o sistema está corrompido ou somos todos cúmplices?

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A corrupção é um dos maiores desafios enfrentados pelas sociedades contemporâneas, especialmente em países em desenvolvimento como Angola. Trata-se de um fenómeno estrutural que compromete a coesão social, enfraquece a governação e impede o desenvolvimento sustentável. Para além dos impactos económicos directos, como o desvio de recursos públicos e o desperdício de fundos destinados ao bem-estar social, a corrupção corrói a confiança dos cidadãos nas instituições e perpetua ciclos de desigualdade e injustiça.

Como afirma Paulo Sérgio Pinheiro (2013), “a corrupção mina a credibilidade das instituições públicas, enfraquece a democracia e intensifica desigualdades sociais”. No caso angolano, onde os desafios do desenvolvimento exigem um esforço colectivo para a construção de uma economia mais diversificada e de uma sociedade mais equitativa, a corrupção representa um entrave significativo. A apropriação indevida de recursos públicos reduz a capacidade do Estado de fornecer serviços essenciais, como saúde, educação e infra-estruturas, prejudicando directamente a população mais vulnerável.

Corrupção na Administração Pública

Na administração pública, a corrupção manifesta-se de diversas formas, desde o nepotismo e o clientelismo até ao desvio de fundos e à falta de transparência nos contratos públicos. A ineficiência burocrática e a ausência de uma cultura de prestação de contas agravam o problema, permitindo que gestores e servidores públicos tomem decisões baseadas em interesses pessoais, em vez do bem comum. Como destacam Acemoglu e Robinson (2012), em Por que as nações fracassam, “as instituições extractivas, ao invés de promoverem inclusão e crescimento económico, favorecem elites corruptas que perpetuam a exploração da sociedade”.

Em Angola, o sector público tem sido marcado por escândalos de corrupção que afectam directamente a qualidade dos serviços prestados à população. Recursos destinados à construção de hospitais, escolas e infra-estruturas são frequentemente desviados, comprometendo o desenvolvimento do país. Para combater esta realidade, é fundamental fortalecer os mecanismos de fiscalização e responsabilização, garantindo que os agentes públicos sejam submetidos a um controlo rigoroso e que a gestão dos bens do Estado seja transparente e eficiente.

Corrupção na Administração Privada

Embora a corrupção seja frequentemente associada ao sector público, a administração privada também é permeável a práticas corruptas que prejudicam o ambiente de negócios e a competitividade económica. No sector empresarial, a corrupção pode assumir a forma de suborno, manipulação da concorrência, evasão fiscal e favorecimento ilícito em contratos públicos e privados. Como alerta Bo Rothstein (2011), em The quality of government, “a luta contra a corrupção não pode basear-se apenas em punições individuais, mas deve transformar as normas sociais e institucionais, promovendo uma cultura de governação ética e prestação de contas”.

Em Angola, a falta de transparência nas transacções comerciais e a conivência entre empresários e agentes públicos dificultam a criação de um ambiente económico saudável e competitivo. Empresas que não se submetem a práticas corruptas acabam, muitas vezes, por ser excluídas do mercado, enquanto aquelas que mantêm ligações privilegiadas com o poder beneficiam de contratos e isenções fiscais indevidas. Para reverter esse quadro, é essencial fortalecer a ética empresarial, promover a transparência nos negócios e criar mecanismos que garantam a integridade e a responsabilidade corporativa.

Corrupção nas Organizações da Sociedade Civil

As organizações da sociedade civil (OSC) desempenham um papel fundamental na defesa dos direitos humanos, no desenvolvimento comunitário e na fiscalização da administração pública. No entanto, elas não estão imunes à corrupção. Em muitos casos, fundos destinados a projectos sociais são desviados, relatórios financeiros são manipulados e o favorecimento político contamina a actuação de certas organizações. Como observa Robert Klitgaard (1998), “corrupção é igual a monopólio mais discricionariedade menos accountability”.

Em Angola, algumas OSC têm sido acusadas de falta de transparência na gestão de recursos, colocando em risco a sua credibilidade perante a sociedade. Quando a corrupção penetra nas organizações que deveriam fiscalizar o poder público, o efeito é duplamente prejudicial: por um lado, enfraquece a capacidade de pressão social contra a corrupção e, por outro, reduz a confiança dos cidadãos na sociedade civil como agente de mudança. Para evitar esse cenário, é necessário que as OSC adoptem práticas de governação mais rigorosas, garantindo a transparência na utilização de fundos e a prestação de contas perante os seus beneficiários e financiadores.

Corrupção nas Igrejas

As igrejas, enquanto instituições de influência moral e social, deveriam ser referências na promoção da ética, da justiça e da solidariedade. No entanto, também têm sido alvo de denúncias relacionadas com práticas corruptas. A instrumentalização da fé para obtenção de benefícios financeiros, o desvio de donativos e a falta de transparência na gestão de recursos são algumas das questões que enfraquecem a credibilidade de determinadas instituições religiosas.

Muitos líderes religiosos, em vez de cumprirem o seu papel de guias espirituais e sociais, envolvem-se em esquemas de enriquecimento ilícito, explorando a fé dos fiéis para obtenção de vantagens pessoais. Como alerta Max Weber (1922), em A ética protestante e o espírito do capitalismo, “a religião deve ser uma força de transformação social e não um meio de dominação e exploração”.

Corrupção na Academia

A academia, enquanto espaço de produção de conhecimento e formação de futuros líderes, também não está imune à corrupção. Em Angola, práticas como o plágio, a venda de notas, o favorecimento de estudantes por relações pessoais e a manipulação de concursos públicos para acesso a cargos docentes enfraquecem a qualidade do ensino superior. Como argumenta Pierre Bourdieu (1984), “o capital cultural deve ser adquirido pelo mérito, e não por mecanismos ilegítimos de reprodução social e favorecimento”.

A corrupção no meio académico compromete a credibilidade das instituições de ensino, prejudica o desenvolvimento intelectual dos estudantes e perpetua um sistema onde a meritocracia é substituída pelo tráfico de influências. A ausência de rigor na fiscalização de práticas ilícitas na educação superior resulta na formação de profissionais pouco qualificados, o que, por sua vez, impacta negativamente o desenvolvimento do país. Para combater esse fenómeno, é essencial fortalecer os mecanismos de transparência e avaliação dentro das universidades, promovendo uma cultura de integridade e excelência académica.

Caminhos para a Transformação Social

A luta contra a corrupção não pode limitar-se à punição de infractores individuais, mas deve passar por uma reforma profunda das normas sociais e institucionais. A educação cívica desempenha um papel fundamental nesse processo. Se queremos uma sociedade mais justa e menos corrupta, é essencial que, desde cedo, os cidadãos sejam formados para compreender a importância da ética, da transparência e da participação activa nos assuntos públicos.

A participação da sociedade civil também é crucial. Em Angola, a população deve ser incentivada a exercer um papel mais activo na exigência de transparência e prestação de contas por parte dos governantes, das empresas, das organizações religiosas e da academia. Isso pode ser feito através da denúncia de irregularidades, da promoção de debates públicos e do apoio a iniciativas que fortaleçam a democracia participativa.

Finalmente, é necessário encarar a corrupção em Angola não apenas um problema de indivíduos desonestos, mas um fenómeno sistémico que compromete o desenvolvimento do país e a qualidade de vida dos cidadãos. Como vimos, ela infiltra-se em todas as esferas da sociedade, desde a administração pública e privada até às organizações da sociedade civil, igrejas e academia. O seu impacto vai além das perdas económicas; mina a confiança social, descredibiliza instituições e perpetua ciclos de injustiça e desigualdade.

No entanto, a corrupção não pode ser vista como um destino inevitável. Como enfatiza Daron Acemoglu (2012), “as instituições são a chave para o sucesso ou fracasso das nações”. Isso significa que, para transformar a realidade angolana, é necessário investir no fortalecimento das instituições, na transparência dos processos e na promoção de uma cultura de responsabilidade e prestação de contas.

A mudança passa também pela educação cívica e pelo envolvimento activo da sociedade na fiscalização da coisa pública. Os cidadãos devem ser protagonistas na luta contra a corrupção, exigindo mais ética, responsabilidade e justiça na gestão do país. Além disso, é essencial que as autoridades adoptem medidas concretas para coibir práticas ilícitas, aplicando a lei de forma imparcial e garantindo que a impunidade não seja a norma.

Se queremos um futuro melhor para Angola, devemos repensar o nosso modelo de convivência social e reforçar valores como integridade, honestidade e solidariedade. O combate à corrupção não é apenas um dever do Estado, mas um compromisso colectivo que exige a participação de todos. Só assim poderemos construir uma nação mais justa, equitativa e próspera para as futuras gerações.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.




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