Opinião
Corpo no estrangeiro alma em Angola: o paradoxo dos nossos emigrantes
A “fuga” de quadros angolanos para o exterior do país é uma realidade que remonta do tempo em que Angola era uma província ultramarina de Portugal, essencialmente antes do início da luta de libertação nacional.
Hoje, decorridos mais de 50 anos, o processo continua, com motivações, aparentemente, diferentes, pelo que urge fazer comparações e, por conseguinte, percebermos os contornos dos dois processos:
1. No processo que antecedeu o início oficial da luta de libertação nacional (clandestinidade) os quadros angolanos que abandonaram o país tinham como propósito encontrar um ambiente que os permitisse desenvolver estratégias anti-coloniais, lutando contra o jugo colonial português, como forma de ajudar o país a libertar-se da opressão.
É assim que os territórios da actual RDC, Congo Brazzaville, Etiópia, República Centro Africana, Camarões, Zâmbia, Zimbabwe e outros serviram de refúgio para esta luta.
No estrangeiro, e considerando o propósito da emigração, os angolanos, por via de músicas, literatura, teatro, diplomacia e política partidária, tudo faziam para que a mensagem chegasse ao regime ditatorial do governo português. Portanto, era este o propósito comum dos angolanos que procuraram no estrangeiro espaço para a luta.
2. Hoje, como disse, mais de cinquenta anos depois, há muitos angolanos que abandonam o país e se espalham pelo mundo.
No entanto, contrariamente ao tempo da luta de libertação nacional, nos dias de hoje os angolanos emigram com um outro motivo. – frustração com a situação socioeconómica do país que faz com que procurem lá fora melhores condições de vida para si e os seus familiares.
Procuram paz de espírito, melhor sistema de saúde, educação, previdência social, segurança e oportunidades de emprego para si e seus familiares (esposa e filhos).
Paz de espírito no sentido de que saindo de Angola têm as liberdades mais garantidas e, desta feita, evitam o “estresse”, resultante de debates fúteis sobre os assuntos nacionais;
Paz de espírito no sentido de que saindo de Angola deixam de participar de processos eleitorais não transparentes, quer votando ou mesmo debatendo sobre os mesmos ou ouvindo , lendo e assistindo debates a respeito;
Paz de espírito no sentido de que deixam de ouvir, acompanhar uma “média” pública, excessivamente partidarizada;
Paz de espírito no sentido de que evitam assistir e viver perante uma Assembleia Nacional inoperante ou mesmo uma oposição moribunda e um tipo de política partidária que não os agrada, sem olvidar todo um conjunto de situações sociais que emerge a cada dia que passa e que entra no rol das suas reclamações e motivos do abandono do país!
Até aqui, nada contra, até porque a mobilidade dos angolanos, quer a nível interno quer externo, é uma garantia constitucional. Portanto, pode ir ou vir, desde que observe a legislação migratória.
O que já não pode ser entendido – a não ser que nos digam que piscaram à direita e foram para à esquerda – o que é punível nos termos do Código de Estrada, é ver que os mesmos que abandonaram o país com argumentos diferentes dos que o fizeram na luta de libertação nacional, ou seja, saíram do país para evitar “estresse”, e viver sem a “vergonha” das instituições do país e aproveitar a paz que encontraram lá fora, são os que todos os dias mostram-se mais “frustrados” do que aqueles que continuam na “lama” como diziam e dizem.
São os mesmos que, dia e noite, espalham nas redes sociais textos contra aquilo que decidiram evitar.
São os mesmos que, a partir de lá fora, criaram portais, perfis (muitos deles falsos), gravam vídeos, espalhando veneno aqui e acolá.
Em muitos casos são mais atentos com o que ocorre nos corredores das escolas, ministérios, governos provinciais, nas igrejas e mesmo nas ruas das cidades do país do que nós que, segundo eles, continuamos nesta vergonha que mata de coração!
Como se justifica que tenham fugido a “poeira, foram além mar em busca de um asfalto limpo e competentemente tratado e agora estejam sempre com as mentes na poeira ao invés de aproveitar o asfalto?
Que inimizade criaram com a boa vida que procuraram?
Custa deixar que os que preferem ficar na “lama” cuidem da sua “lama”? Qual é o gosto que sentem vivendo na lama mesmo longe dela?
Ou o objectivo da fuga não é a procura de melhores condições de vida?
Assumam-se, senhores emigrantes. Digam que o propósito é igual ao dos anos 50, 60 e ali ficamos todos conscientes, sob pena de percebermos – como já sabemos – que, de facto, nós temos muitos concidadãos que têm os “CORPOS NO ESTRANGEIRO E AS ALMAS EM ANGOLA, COMO PARADOXO DOS IMIGRANTES.
PS. O texto não vincula a instituição em que o seu autor está ligado