Análise
Contabilidade em Angola: rigor sim, humilhação não
A recente divulgação da Administração Geral Tributária (AGT), com a lista dos contabilistas seleccionados para análise das declarações em Agosto de 2025, representa uma medida que visa reforçar a credibilidade do sistema fiscal e financeiro angolano. Todavia, para além do valor simbólico da iniciativa, levanta igualmente um debate necessário sobre os métodos de fiscalização e o impacto reputacional que tais publicações podem acarretar para os profissionais envolvidos.
Segundo Hendriksen e Van Breda (1999), as demonstrações contabilísticas são instrumentos de prestação de contas, devendo reflectir, com fidedignidade, a realidade económica e financeira das organizações. Nesse sentido, a qualidade da informação contabilística depende não apenas do cumprimento das normas técnicas, mas também da integridade e da responsabilidade dos profissionais. A selecção de contabilistas pela AGT é, sem dúvida, um passo para assegurar maior rigor, mas a forma de execução desse processo precisa de ser repensada.
1. O diálogo institucional como caminho necessário
Em sociedades democráticas e modernas, o diálogo entre instituições reguladoras e ordens profissionais constitui um mecanismo fundamental para garantir que a fiscalização seja eficaz sem desrespeitar a dignidade dos profissionais. No caso em apreço, seria recomendável que a AGT estabelecesse uma cooperação estruturada com a Ordem dos Contabilistas e Peritos, criando canais de auditoria conjunta, formação contínua e acompanhamento técnico.
A publicação de listas de contabilistas seleccionados, ainda que bem-intencionada, pode gerar percepções negativas, sugerindo, erradamente, que os nomes divulgados estão associados a práticas suspeitas ou a irregularidades. Como sublinha Lopes de Sá (2002), “a ética profissional é também a preservação da honra e da reputação dos contabilistas, valores sem os quais a confiança social no sistema se deteriora”.
Dessa forma, em vez de tornar pública uma lista que expõe profissionais específicos, seria mais prudente a realização de análises internas conjuntas entre a AGT e a Ordem, preservando a imagem da classe e evitando interpretações distorcidas. O que deve ser evidenciado ao público não são nomes, mas sim relatórios consolidados sobre o estado da qualidade da contabilidade em Angola, apontando avanços, fragilidades e recomendações.
2. A importância da reputação no exercício contabilístico
A reputação constitui um dos activos mais valiosos na carreira de um contabilista. Um nome associado a suspeitas ou a processos de fiscalização pode sofrer impactos duradouros, mesmo que não haja qualquer irregularidade comprovada. Para Iudícibus (2017), a confiança na informação contabilística é inseparável da confiança no profissional que a assina. Assim, qualquer medida que afecte a percepção pública sobre os técnicos precisa de ser cuidadosamente ponderada.
3. Caminhos conciliatórios
Para alcançar uma fiscalização mais eficaz e, ao mesmo tempo, proteger a classe, alguns passos podem ser considerados:
1. Reforço do diálogo entre a AGT e a Ordem dos Contabilistas e Peritos, criando comissões mistas de análise.
2. Divulgação de relatórios globais, em vez de listas nominais, que assegurem transparência sem expor individualmente os técnicos.
3. Implementação de auditorias pedagógicas, que orientem e corrijam falhas antes de sancionar.
4. Formação contínua conjunta, promovida pela AGT e pela Ordem, alinhada com as normas internacionais de contabilidade (IFRS).
5. Defesa pública da reputação profissional, garantindo que qualquer procedimento de fiscalização seja acompanhado de salvaguardas éticas e jurídicas.
Finalmente, é importante referir que a iniciativa da AGT de fiscalizar e reforçar a qualidade das demonstrações contabilísticas é necessária e deve ser aplaudida. No entanto, a forma como esta fiscalização é comunicada pode determinar se o processo fortalece ou fragiliza a confiança no sistema. Publicar listas nominais de contabilistas, sem um enquadramento adequado, corre o risco de violar a reputação de profissionais competentes, transformando um processo técnico em um estigma social.
Assim, mais do que listas públicas, o caminho certo passa pelo diálogo institucional entre a AGT e a Ordem dos Contabilistas e Peritos, numa lógica de cooperação, ética e responsabilidade partilhada. Só dessa forma será possível construir um sistema contabilístico e fiscal que seja simultaneamente rigoroso, transparente e justo, capaz de servir tanto o Estado como a sociedade, sem sacrificar a honra dos profissionais que dele fazem parte.