Opinião
Comunicação pública ou ilusão de massa?
Nos últimos anos, Angola tem experimentado uma evolução significativa na forma como as instituições públicas comunicam com os cidadãos. Com a orientação política lançada pelo Presidente da República, João Lourenço — “trabalhar mais e comunicar melhor” —, foi criado um ambiente de grande expectativa quanto à transparência e à proximidade entre o Estado e a sociedade. Todavia, na prática, o que se tem observado é uma deturpação dessa directiva, com muitas instituições a reduzirem a comunicação pública à construção de imagem e à promoção de feitos que, muitas vezes, não correspondem à realidade vivida pelas comunidades.
O fenómeno da “comunicação de aparências” vem crescendo no seio da máquina administrativa angolana. Ministerialmente e nos órgãos desconcentrados, assiste-se à proliferação de páginas oficiais nas redes sociais, à produção de vídeos promocionais, discursos ensaiados, poses institucionais e inaugurações transformadas em verdadeiros palcos de propaganda. Esta prática, embora moderna na forma, carece de conteúdo e de sentido público quando não representa resultados reais na vida das populações. É aqui onde se levanta a reflexão: comunicar para quem? Comunicar o quê? E com que resultados?
O Papel Social Da Comunicação Institucional
A comunicação institucional pública é, antes de tudo, um instrumento de cidadania e de construção democrática. O seu objectivo primordial é garantir que o cidadão esteja bem informado sobre as políticas, acções, programas e serviços públicos. Mais do que apresentar feitos, a comunicação deve promover o diálogo, garantir transparência e abrir espaço para a participação popular.
De acordo com Pierre Zémor (1995), um dos mais respeitados teóricos da comunicação pública, “a comunicação institucional deve ser centrada no interesse geral e deve promover uma relação de confiança entre o cidadão e a administração pública”. Quando esta relação é substituída por uma lógica de autopromoção e narcisismo institucional, corre-se o risco de banalizar o papel social do Estado.
Neste contexto, importa frisar que a comunicação pública não pode ser confundida com marketing político ou com simples estratégias de gestão de imagem. A diferença é crucial: enquanto o marketing visa promover uma marca ou um produto (neste caso, a instituição ou o governante), a comunicação pública deve servir à comunidade, produzindo sentido colectivo e reforçando a cultura democrática.
A Ilusão Da Comunicação Digital E O “Influencerismo Institucional”
Vivemos numa era digital em que a presença nas redes sociais tornou-se quase obrigatória para todos os actores políticos e institucionais. Em Angola, não é diferente. Hoje, quase todos os ministérios, governos provinciais, administrações municipais e instituições autónomas possuem perfis nas redes sociais, publicam regularmente imagens de actividades e utilizam linguagens que procuram aproximar-se da juventude e da opinião pública.
Contudo, esta presença digital, quando não acompanhada de verdade, prestação de contas e impacto real, torna-se perigosa. Cria-se uma bolha digital, uma realidade paralela onde tudo parece estar a funcionar, mas fora das telas, a realidade permanece dura: escolas sem carteiras, hospitais sem medicamentos, bairros sem energia eléctrica ou água canalizada, estradas esburacadas, jovens desempregados, populações desesperançadas.
Como afirma Manuel Castells (2009), “a comunicação é a arena onde o poder se exerce e se contesta”. Se as instituições angolanas limitam-se a comunicar apenas o que é favorável à sua imagem, então estão a utilizar a comunicação como instrumento de poder simbólico e não como plataforma de construção colectiva. E é justamente esta prática que contribui para a descredibilização das instituições públicas, alimentando o descontentamento social e o cinismo político.
A Constituição E O Direito À Comunicação Verdadeira
A Constituição da República de Angola consagra no artigo 44.º o direito de todos os cidadãos à informação. Esse direito impõe obrigações ao Estado e às suas instituições: informar com veracidade, actualizar dados com regularidade, garantir a acessibilidade da linguagem e, sobretudo, comunicar resultados concretos. O direito à informação não é apenas o direito de saber o que o Governo quer mostrar, mas o direito de conhecer a realidade toda, com os sucessos e as limitações.
Infelizmente, a comunicação institucional em Angola tem violado este direito ao transmitir apenas imagens cuidadosamente seleccionadas, estatísticas inflacionadas e narrativas eufóricas que não dialogam com o quotidiano dos cidadãos. O que deveria ser um espelho da realidade tornou-se um filtro.
Da Comunicação De Aparência Para A Comunicação De Resultados
Para que a comunicação pública recupere a sua credibilidade e cumpra o seu papel social, é necessário um novo paradigma: comunicar com base em evidências, com foco em resultados e com sensibilidade social. Isso exige:
1. Transparência na divulgação dos dados: orçamentos executados, projectos em curso, metas atingidas e falhas registadas;
2. Criação de canais de escuta activa da população, com destaque para conselhos locais, plataformas digitais interactivas e fóruns comunitários;
3. Formação dos técnicos de comunicação institucional em ética, deontologia e metodologias de comunicação pública;
4. Integração das universidades e da sociedade civil nos processos de monitoria e avaliação da comunicação governativa;
5. Promoção de uma cultura de prestação de contas real, onde se reconhece que comunicar é um acto de responsabilidade e não de vaidade.
Considerações Finais: Mais Verdade, Menos Filtro
A orientação do Presidente João Lourenço — “trabalhar mais e comunicar melhor” — não deve ser interpretada como um apelo à comunicação decorativa, mas como um desafio à eficiência governativa e à responsabilidade institucional. Comunicar melhor é, antes de tudo, comunicar com verdade, com clareza e com consciência social.
Angola precisa de uma comunicação institucional que deixe de ser um palco de teatralização do poder e se torne numa ponte entre o Estado e os cidadãos. Uma comunicação que inspire confiança, convide à participação, informe com rigor e contribua para a construção de uma governação mais transparente, inclusiva e eficaz.
O povo angolano merece mais do que imagens bonitas; merece resultados. E comunicar esses resultados, com verdade e responsabilidade, é o mínimo que se espera de uma instituição pública num Estado democrático.