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Opinião

Combate à corrupção em Angola: punir ou restaurar?

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A corrupção é um dos principais entraves ao desenvolvimento socioeconómico de Angola. Tradicionalmente, o combate à corrupção tem sido abordado por meio de um modelo punitivo, que enfatiza a repressão e a penalização dos infractores. No entanto, a aplicação do modelo restaurativo pode oferecer uma alternativa mais eficaz e sustentável, focando na reparação dos danos, na reinserção dos envolvidos e na promoção de uma cultura de integridade. Este artigo analisa como a abordagem restaurativa pode ser aplicada no contexto angolano e quais benefícios ela pode trazer para a sociedade. Segundo Braithwaite (2002), a justiça restaurativa promove maior engajamento comunitário e efectividade na prevenção de crimes de corrupção.

A corrupção afecta negativamente a governação, a economia e a confiança pública nas instituições. O modelo punitivo tem sido a abordagem predominante no combate à corrupção, resultando em julgamentos, penas de prisão e confisco de bens. No entanto, essa estratégia tem demonstrado limitações, como a reincidência e a sobrecarga do sistema judicial. O modelo restaurativo surge como uma alternativa que busca não apenas punir, mas também reabilitar os envolvidos e recuperar os danos causados à sociedade. De acordo com Zehr (2005), a justiça restaurativa enfatiza a reparação dos danos e a reintegração social, ao invés da mera punição.

1. O Modelo Punitivo e os seus Limites: O modelo punitivo é baseado na aplicação rigorosa da lei, com a criminalização de práticas corruptas e a imposição de sanções severas. Embora essa abordagem seja necessária para desincentivar a corrupção, apresenta desafios como:

● Morosidade e ineficiência do sistema judicial (Becker, 1968);

● Encarceramento sem reabilitação dos infractores (Garland, 2001);

● Dificuldade em recuperar os recursos desviados (Rose-Ackerman, 1999);

● Desgaste das relações institucionais e sociais (Pinto, 2019).

2. O Modelo Restaurativo e a sua Aplicabilidade em Angola: O modelo restaurativo foca na reparação do dano, na reinserção dos infractores e na transformação social. Em vez de apenas punir, busca-se a restituição dos recursos desviados, a reabilitação dos envolvidos e a participação activa da sociedade na prevenção da corrupção. Algumas medidas deste modelo incluem:

■ Acordos de leniência para que infractores colaborem com investigações e devolvam bens ilícitos (Sutherland, 1949);

■ Programas de reeducação e ética para funcionários públicos e agentes do sector privado (Tyler, 2006);

■ Mecanismos de mediação entre o Estado e infractores para reparação dos danos (Johnstone & Van Ness, 2007);

■ Criação de incentivos para delação premiada e medidas anticorrupção preventivas (Klitgaard, 1998).

3. Benefícios da Abordagem Restaurativa: A adopção de um modelo restaurativo no combate à corrupção em Angola pode trazer diversas vantagens, tais como:

● Maior recuperação dos recursos desviados (Rose-Ackerman, 2016);

● Redução da reincidência por meio da reintegração social dos infractores (Bazemore & Schiff, 2001);

● Desafogamento do sistema judicial (Zehr, 2005);

● Promoção de uma cultura de transparência e responsabilidade colectiva (Braithwaite, 2002);

● Estímulo à colaboração entre o sector público e privado no combate à corrupção (Klitgaard, 1991).

4. Desafios e Recomendações: Apesar das vantagens, a implementação do modelo restaurativo enfrenta desafios como resistência política, falta de regulamentação adequada e necessidade de mudança cultural. Para superar essas barreiras, recomenda-se:

■ Reformulação das políticas anticorrupção para incluir mecanismos restaurativos (Becker, 1968);

■ Criação de órgãos independentes para monitorizar e avaliar programas restaurativos (Pinto, 2019);

■ Sensibilização e engajamento da sociedade na cultura da integridade (Tyler, 2006);

■ Formação de agentes públicos e privados em práticas de governação ética (Garland, 2001).

Finalmente, o combate à corrupção em Angola pode beneficiar-se significativamente da adopção do modelo restaurativo, que enfatiza a recuperação de recursos, a reintegração social e a prevenção. Embora o modelo punitivo seja essencial para garantir a responsabilização, ele deve ser complementado por estratégias restaurativas para garantir um impacto duradouro.

A construção de um ambiente institucional mais transparente e ético depende da implementação de mecanismos que promovam tanto a justiça como a reparação dos danos causados à sociedade. A abordagem restaurativa permite não apenas recuperar os prejuízos financeiros decorrentes da corrupção, mas também fortalecer a confiança nas instituições públicas e privadas, além de promover mudanças estruturais no comportamento dos agentes envolvidos. Como destaca Zehr (2005), a justiça restaurativa tem o potencial de reconstruir relacionamentos sociais e institucionais corroídos pela corrupção.

A adopção de práticas restaurativas exige um compromisso colectivo do Estado, da sociedade civil e do sector privado. Somente com uma abordagem holística e integrada será possível reduzir a incidência de corrupção e garantir que Angola avance no caminho da transparência e da governação ética. Dessa forma, é fundamental que o país implemente mecanismos eficientes de reparação, reintegração e prevenção, fortalecendo a cultura de integridade e responsabilidade social. Como ressaltam Johnstone & Van Ness (2007), uma justiça restaurativa eficaz não apenas resolve crimes, mas transforma sociedades e estabelece novas bases para a convivência democrática e justa.

Portanto, a justiça restaurativa deve ser vista como uma ferramenta essencial para a modernização da luta contra a corrupção em Angola. O seu sucesso dependerá da vontade política, da cooperação entre os diferentes sectores e do envolvimento da população na criação de uma sociedade mais justa e equitativa. Como argumenta Braithwaite (2002), a efectividade do combate à corrupção não reside apenas na severidade das penas, mas na capacidade de recuperar valores, promover educação ética e restaurar a confiança da população no sistema.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.




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