Análise
CFM em greve: salários de fome para muitos, privilégios para poucos?
As empresas públicas, quando bem estruturadas, são instrumentos poderosos para impulsionar o desenvolvimento económico, social e institucional de uma nação. Todavia, em muitos países africanos, como é o caso de Angola, a sua má gestão, a politização dos cargos e a ausência de uma política salarial equitativa têm contribuído para uma crise de confiança e de desempenho organizacional. Neste contexto, torna-se essencial reflectir sobre as experiências internacionais de sucesso, visando adaptá-las de forma crítica ao cenário nacional.
Segundo Drucker (1999), “a eficiência de uma organização depende da clareza dos seus objectivos e da motivação das pessoas que a compõem”. Isto exige uma abordagem estratégica nas empresas públicas que promova, entre outros factores, a valorização dos seus recursos humanos por meio de uma política salarial justa, transparente e sustentável.
1. O Caso do CFM: Quando a Injustiça Leva à Greve
A mais recente greve anunciada pelos trabalhadores do Caminho de Ferro de Moçâmedes (CFM), com início previsto para o dia 28 de Julho de 2025, é um exemplo vivo das consequências da negligência institucional e do desrespeito pelas obrigações patronais. Conforme noticiado pelo Correio da Kianda, os funcionários decidiram paralisar por duas semanas, reivindicando melhorias salariais, pagamento de subsídios em atraso, progressão na carreira, equipamentos de segurança e seguro de saúde, promessas não cumpridas desde há dois anos.
A Comissão Sindical do CFM afirma que o caderno reivindicativo foi entregue em Outubro de 2023, mas até agora não houve respostas concretas por parte do Conselho de Administração. Esta greve afectará todas as linhas de circulação, incluindo os comboios Lubango/Menongue, Lubango/Tchamutete e Namibe, afectando milhares de utentes e expondo uma ferida aberta na gestão das empresas públicas angolanas.
Tal como alerta Stiglitz (2002), Prémio Nobel da Economia, “a má estrutura salarial no sector público desincentiva o talento, encoraja o favoritismo e mina a eficácia dos serviços essenciais”.
2. Empresas Públicas: Lições Internacionais
Em países como a Noruega, empresas públicas como a Equinor demonstram que é possível conjugar eficiência, transparência e responsabilidade social. Já Singapura gere os seus activos públicos através da holding Temasek, com metas claras e gestores escolhidos por mérito.
No Brasil, apesar dos desafios, empresas como a Petrobras e a Caixa adoptam sistemas de bonificação por desempenho. Bresser Pereira (2006) defende uma administração pública gerencial, em que a eficácia e a valorização do servidor são pilares da reforma do Estado.
Estes modelos contrastam com a realidade angolana, onde funcionários mal pagos e sem protecção laboral são muitas vezes os primeiros sacrificados em nome de uma austeridade mal administrada.
3. Política Salarial em Angola: O Vazio Estratégico
Angola ainda carece de um Estatuto Nacional das Empresas Públicas que regulamente com justiça a política de remuneração, benefícios e progressão. O caso do CFM expõe essa falha: sem critérios claros de promoção, sem diálogo efectivo, e com atraso de compromissos básicos como salários e subsídios.
Segundo Robbins (2005), “a motivação dos colaboradores está directamente relacionada à percepção de justiça no sistema de recompensas”. Ignorar isso é comprometer a estabilidade e o funcionamento dos serviços públicos.
4. Propostas para Reformar a Política Salarial Pública
Com base em experiências internacionais e estudos técnicos, propõe-se:
1. Criação urgente de um Estatuto das Empresas Públicas, com regras uniformes e fiscalizáveis.
2. Estruturação de faixas salariais, ajustadas por função, experiência, responsabilidade e essencialmente pela capacidade financeira da empresa.
3. Contratos de desempenho com metas claras, especialmente em cargos de chefia.
4. Valorização do trabalhador de base, garantindo subsídios e direitos fundamentais.
5. Formação contínua e certificada, integrando gestão moderna e ética pública.
6. Reforço dos sindicatos como interlocutores legítimos dos trabalhadores.
Pelo que, é necessário criar uma política salarial justa é um instrumento poderoso de justiça social, coesão interna e eficiência empresarial. Como dizia Peter Drucker (1999), “não há empresa pública ou privada que consiga sobreviver ignorando o capital humano”. O que se exige agora é coragem política para implementar reformas profundas, e respeito pela dignidade de quem, todos os dias, move os trilhos da economia real do país.
5. Conclusão: Salários Justos, Empresas Eficientes, Estado Moderno
O caso da greve no CFM deve ser encarado não como um problema isolado, mas como sintoma de um sistema doente. A repetição deste tipo de conflito enfraquece os serviços públicos, prejudica a população e compromete a imagem do próprio Estado.
Adoptar uma política salarial moderna e sustentável é um passo decisivo para transformar empresas públicas em instituições ao serviço do bem comum. Como afirmou Chiavenato (2004), “as pessoas são o activo mais valioso de uma organização, desde que sejam bem remuneradas, bem treinadas e bem lideradas”.
O desafio está lançado: ou valorizamos os trabalhadores públicos com justiça e dignidade, ou continuaremos a ver as linhas dos comboios pararem, as luzes apagarem e os cidadãos a perderem a fé no serviço público.