Opinião
Censo 2024: Governo está pronto para usar os dados ou será apenas mais um relatório esquecido?
A eficiência da Administração Pública depende, em grande medida, da qualidade das decisões tomadas pelos gestores públicos. Para que essas decisões sejam eficazes e atendam às reais necessidades da sociedade, é fundamental que sejam baseadas em dados concretos, permitindo uma gestão mais estratégica, transparente e eficiente. Em Angola, a realização do Censo Geral da População e Habitação de 2024 representa um marco histórico na recolha de informações essenciais para o planeamento do desenvolvimento nacional e local.
Governos que fundamentam as suas decisões em dados objectivos são mais capazes de promover o desenvolvimento sustentável e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Segundo Thomas Davenport e Jeanne Harris (2007), no livro Competing on Analytics, organizações – sejam elas públicas ou privadas – que utilizam a análise de dados para a tomada de decisão obtêm vantagem competitiva significativa, uma vez que reduzem a incerteza e aprimoram as suas estratégias de gestão.
O Uso de Dados como Pilar da Boa Governação
A boa governação é fortemente dependente da capacidade dos líderes públicos em interpretar e aplicar dados de forma inteligente. Como destaca Herbert Simon (1977), Prémio Nobel da Economia, a tomada de decisão racional deve seguir um processo sistemático de identificação de problemas, recolha e análise de informações, e definição da melhor alternativa com base em evidências. No contexto da Administração Pública, essa abordagem é essencial para optimizar políticas públicas e assegurar que os recursos sejam alocados de maneira eficaz.
O Censo Geral da População e Habitação de 2024 fornece informações detalhadas sobre:
Distribuição demográfica para permitir que o governo compreenda melhor o crescimento populacional e a necessidade de expansão de serviços públicos.
Condições de habitação, essenciais para o planeamento urbano e programas habitacionais.
Acesso a serviços essenciais, como saúde, educação e saneamento básico para ajudar a definir prioridades de investimento.
Padrões de migração interna e externa para fornecer subsídios para estratégias de desenvolvimento regional.
Estrutura socioeconómica, contribuindo para a formulação de políticas de combate à pobreza e desigualdade.
Com base nesses dados, os gestores públicos podem planear melhor a construção de escolas e hospitais, definir políticas de mobilidade urbana, ajustar o orçamento público e aprimorar estratégias de inclusão social.
O Censo como Instrumento para o Desenvolvimento Sustentável
O censo não é apenas uma ferramenta estatística, mas um instrumento essencial para o desenvolvimento sustentável e inclusivo. De acordo com Amartya Sen (1999), no livro Desenvolvimento como Liberdade, o desenvolvimento deve ser visto como a ampliação das liberdades dos cidadãos, e isso só é possível quando o Estado compreende as reais condições de vida da população e actua para melhorá-las.
Ao fornecer um retrato actualizado da realidade angolana, o governo poderá monitorizar indicadores-chave para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, incluindo:
Erradicação da pobreza (ODS 1): Com dados sobre o rendimento das famílias e condições de vida, é possível criar políticas de assistência social mais eficazes.
Saúde e bem-estar (ODS 3): A identificação de regiões com menor acesso a serviços de saúde permite uma melhor distribuição de hospitais e clínicas.
Educação de qualidade (ODS 4): O mapeamento da população estudantil facilita a alocação de professores e a construção de escolas onde há maior demanda.
Cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11): O planeamento urbano pode ser aprimorado para garantir infra-estruturas adequadas e habitações dignas.
Além disso, a fiabilidade dos dados censitários facilita investimentos nacionais e internacionais para oferecer um panorama mais preciso sobre o potencial de crescimento e as necessidades do país.
Desafios e Oportunidades na Utilização de Dados
Embora a realização do Censo de 2024 seja um avanço significativo para Angola, a utilização dos seus dados na formulação de políticas públicas enfrenta desafios. Um dos principais é a necessidade de capacitação dos gestores públicos para interpretar e aplicar os dados de forma estratégica. Como destaca Donald Kettl (2017), em The Politics of the Administrative Process, a eficácia da Administração Pública depende não apenas da disponibilidade de informações, mas da capacidade das instituições de usá-las para promover mudanças reais.
Outro desafio é garantir que os dados recolhidos sejam acessíveis, transparentes e actualizados regularmente. A digitalização dos processos administrativos e o uso de tecnologias de Big Data e Inteligência Artificial podem potencializar a análise dos dados censitários, permitindo previsões mais precisas e uma gestão pública mais dinâmica e eficiente.
Por outro lado, há uma grande oportunidade de transformar a Administração Pública angolana, tornando-a mais baseada em evidências e menos dependente de decisões intuitivas. Segundo Marr (2015), em Big Data: Using Smart Big Data, Analytics and Metrics to Make Better Decisions and Improve Performance, organizações que estruturam as suas decisões com base em dados aumentam a sua eficiência e tornam-se mais resilientes a crises e desafios inesperados.
Finalmente, é importante referir que o Censo Geral da População e Habitação de 2024 é um divisor de águas para a Administração Pública angolana. Os seus dados oferecem a oportunidade de desenvolver políticas mais eficazes, promover a justiça social e impulsionar o desenvolvimento sustentável.
A tomada de decisão baseada em dados é uma tendência global que fortalece a boa governação, melhora a transparência e gera impactos reais na vida dos cidadãos. Para que Angola aproveite ao máximo essa ferramenta, é essencial que os gestores públicos se comprometam com o uso estratégico das informações, garantindo que o conhecimento gerado pelo Censo de 2024 se traduza em acções concretas para um futuro mais próspero e equitativo.
Se os dados forem bem utilizados, a Administração Pública angolana poderá dar um salto qualitativo significativo, consolidando-se como um modelo de eficiência e inovação na governação africana.