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Opinião

Carnaval em Angola: entre a euforia popular e o fracasso económico?

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O Carnaval angolano é uma das manifestações culturais mais ricas e autênticas do país, representando uma celebração da identidade nacional, da criatividade e da resistência popular. No entanto, para além da sua dimensão lúdica, o Carnaval tem um significado sociopolítico profundo. Trata-se de uma subversão temporária autorizada, um momento em que as estruturas sociais são desafiadas e as vozes populares encontram espaço para se expressar livremente. Durante este período, as críticas sociais, políticas e económicas emergem de forma satírica e irreverente, permitindo que o povo, por meio da música, da dança e das máscaras, questione a ordem estabelecida sem receio de represálias.

O teórico Mikhail Bakhtin (1987) define o Carnaval como um evento em que “as normas são temporariamente suspensas e o riso se torna uma arma contra o poder”. Essa lógica é visível em Angola, onde os desfiles e as músicas carnavalescas frequentemente abordam temas sensíveis da sociedade, como corrupção, desigualdade e ineficiência governativa. No entanto, ao contrário de outros países onde o Carnaval se tornou um pilar económico e turístico, em Angola a prática carnavalesca ainda enfrenta desafios que limitam o seu desenvolvimento e impacto na economia nacional.

A Mundialização do Carnaval e a Competitividade no Turismo

A mundialização do Carnaval transformou essa celebração num grande diferencial competitivo no sector do turismo global. Eventos como o Carnaval do Brasil, de Veneza, de Nova Orleães e de Barranquilla transcenderam as suas fronteiras e tornaram-se referências culturais internacionais para atrair milhões de turistas e consolida à imagem dos seus países no mercado turístico. Segundo Pierre Bourdieu (1992), a cultura é um capital simbólico que pode ser explorado economicamente, e os países que compreenderam essa dinâmica transformaram as suas festividades em verdadeiros ativos turísticos.

Angola pode e deve aprender com esses exemplos para posicionar o seu Carnaval como um evento único no contexto africano. A diversidade cultural angolana, com as suas influências bantu, portuguesa e afro-brasileira, pode ser um grande atrativo para um público internacional interessado na autenticidade das tradições locais. A adopção de uma estratégia de internacionalização do Carnaval, com campanhas de promoção turística, intercâmbios culturais e parcerias com grandes eventos carnavalescos, pode diferenciar Angola e aumentar a sua competitividade no turismo.

O Impacto Económico do Carnaval e o Turismo como Pilar de Desenvolvimento

O Carnaval é um fenómeno que movimenta milhões de dólares em várias partes do mundo, sendo um motor essencial para o turismo e para a economia criativa. Em países como o Brasil, a festa não só atrai milhões de turistas, como também gera empregos, fomenta o comércio local e fortalece a imagem do país no exterior. O mesmo acontece em destinos como Cabo Verde e Trinidad e Tobago, onde o Carnaval se consolidou como um atrativo turístico de grande impacto económico.

Em Angola, o Carnaval tem potencial para desempenhar um papel semelhante para dinamizar a economia e promover o país como um destino de turismo cultural. No entanto, a falta de um plano estruturado de investimento e promoção do evento impede que este atinja a sua verdadeira dimensão. Eis alguns dos impactos económicos que um Carnaval bem organizado pode trazer para Angola:

1. Atração de Turistas e Geração de Receita

O turismo cultural é um dos segmentos que mais cresce no sector turístico global, e o Carnaval pode ser um dos maiores atrativos de Angola nesse contexto. Se bem estruturado e promovido, o evento pode atrair turistas internacionais, gerando receitas para sectores como a hotelaria, a restauração, o transporte e o artesanato. De acordo com Hall e Page (2014), “o turismo cultural pode revitalizar economias locais, criando um ciclo virtuoso de crescimento e desenvolvimento”. O Brasil, por exemplo, arrecada anualmente mais de 1,5 mil milhões de dólares apenas com o turismo do Carnaval, segundo dados do Ministério do Turismo brasileiro. Embora Angola ainda esteja longe desses números, um investimento estratégico poderia transformar a festa num evento de referência em África.

2. Geração de Empregos e Estímulo à Economia Criativa

O Carnaval cria milhares de empregos temporários e impulsiona a economia informal. Costureiros, aderecistas, músicos, dançarinos, vendedores ambulantes e muitos outros profissionais encontram no evento uma oportunidade de rendimento. Além disso, a economia criativa, que engloba a produção de fantasias, a composição musical e a organização dos desfiles, pode ser fortalecida com incentivos adequados.

Clifford Geertz (1973) enfatiza que os rituais coletivos, como o Carnaval, são essenciais na construção do imaginário social e no fortalecimento da identidade cultural. Quando bem aproveitados, esses rituais podem transformar-se em indústrias culturais altamente lucrativas. Angola, com a sua riqueza cultural e diversidade étnica, tem condições para explorar melhor essa vertente e transformar o Carnaval numa marca nacional.

3. Estímulo ao Comércio Local e ao Sector de Serviços

Durante o Carnaval, o aumento da circulação de pessoas beneficia diretamente o comércio local. Pequenos comerciantes, restaurantes, mercados informais e redes de transporte veem a sua procura aumentar significativamente. Além disso, o evento pode incentivar o crescimento de setores como a moda e o design, uma vez que a produção de trajes e acessórios carnavalescos torna-se uma necessidade constante. Segundo Richard Florida (2002), “a criatividade é o motor das economias modernas”, e o Carnaval, como expoente máximo da criatividade, pode ser um factor dinamizador da economia angolana.

4. Internacionalização da Cultura Angolana

O Carnaval pode ser um dos elementos de promoção internacional da cultura angolana. Através de parcerias com organizações de turismo e cultura, o evento pode ser divulgado em feiras internacionais para atrair visitantes estrangeiros e fortalecer a imagem de Angola no exterior. Países como Cabo Verde já demonstraram que um evento cultural bem organizado pode tornar-se um símbolo nacional e um atrativo turístico global.

Desafios e Propostas para a Melhoria do Carnaval em Angola

Para que o Carnaval angolano atinja todo o seu potencial económico e cultural, é essencial superar alguns desafios estruturais e implementar estratégias eficazes de valorização. Entre as principais medidas que podem ser adotadas, destacam-se:

1. Criação de um Circuito Oficial de Carnaval – com infraestrutura adequada para os desfiles.

2. Incentivo à Profissionalização e Financiamento da Cultura Carnavalesca – promover capacitação e financiamento para os grupos.

3. Promoção do Carnaval no Exterior – inserir o evento no calendário turístico internacional.

4. Maior Envolvimento das Escolas e da Comunidade – integrar o Carnaval na educação e na formação cultural.

5. Criação de um Plano Estratégico de Sustentabilidade – garantir viabilidade a longo prazo.

Finalmente, é importante referir que o Carnaval em Angola não deve ser visto apenas como uma festividade passageira, mas sim como uma plataforma de expressão social e um motor económico subestimado. Como afirma Edgar Morin (1997), “as festas populares são uma manifestação essencial da cultura e um espelho das tensões e aspirações da sociedade”. Com um investimento adequado e uma gestão eficiente, o evento pode transformar-se num pilar do turismo e da economia criativa angolana, gerando empregos para promover a cultura e fortalecer a identidade nacional.

Enquanto houver Carnaval, haverá festa, mas também haverá crítica, resistência e oportunidades. A questão que se coloca é: Angola está pronta para aproveitar esse potencial?

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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