Análise
Capital humano em Angola: entre a desvalorização e a necessária valorização
O desabafo de Avelino Messias Chississo Tchimuku, conhecido como Profmotoqueiro, trouxe à tona um debate fundamental para Angola: a valorização do capital humano. Ao afirmar sentir “vergonha do professor e orgulho do motoqueiro”, Tchimuku denuncia uma realidade preocupante que vai muito além do sector educacional e que coloca em risco o desenvolvimento sustentável do país. Este episódio é um reflexo de um problema estrutural que envolve reconhecimento social, políticas públicas, salários e condições de trabalho.
1. O Capital Humano e o Desenvolvimento Nacional
O capital humano é definido como o conjunto de competências, conhecimentos, habilidades e experiências que os indivíduos acumulam e que podem gerar valor económico e social. Segundo Becker (1993), investir no capital humano é crucial para aumentar a produtividade e promover a inovação, sendo um determinante central do crescimento económico. Schultz (1961) reforça que a educação não é apenas uma ferramenta de ascensão social, mas um investimento estratégico no futuro do país.
Em Angola, contudo, profissionais estratégicos como os professores enfrentam uma realidade adversa: salários baixos, falta de materiais pedagógicos essenciais — computadores, internet de qualidade, bibliotecas e projetores — e ausência de incentivos institucionais que reconheçam o seu papel crítico no desenvolvimento da sociedade. Enquanto isso, outras profissões, como os motoqueiros ou trabalhadores do setor privado em empresas de destaque, recebem reconhecimento e benefícios corporativos, como o gesto da UNITEL ao distribuir capacetes de protecção.
Esta disparidade evidencia um problema estrutural na valorização do capital humano, que compromete a formação de gerações e o futuro do país. Como observa Mankiw (2014), sociedades que desvalorizam a educação e os profissionais qualificados enfrentam sérias limitações na sua competitividade e capacidade de inovação.
2. O Papel do Professor na Formação do Futuro
Os professores são agentes centrais na formação do capital humano. Mincer (1974) argumenta que investimentos em educação têm retorno directo na produtividade e no crescimento económico, e negligenciar este setor é comprometer o desenvolvimento estratégico de uma nação. O provérbio bíblico citado por Tchimuku ilustra a dimensão social e ética desta responsabilidade:
“Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele.” (Provérbio 22:6)
Em Angola, a escassez de materiais, a sobrecarga de turmas e a falta de incentivos dificultam o exercício pleno da profissão docente. Dados do Ministério da Educação apontam que, em algumas províncias, a proporção aluno/professor pode chegar a 60:1, tornando quase impossível uma atenção individualizada que garanta aprendizagem de qualidade.
O Presidente João Lourenço, em vários discursos, tem sublinhado a necessidade de investir no capital humano como eixo central do desenvolvimento sustentável. Em declarações recentes, Lourenço afirmou:
“O futuro de Angola depende do nosso investimento nas pessoas. Só uma sociedade que valoriza os seus profissionais, especialmente os que formam e educam, poderá alcançar o progresso que todos desejamos.”
Estas palavras refletem a urgência de transformar a desvalorização do professor em reconhecimento institucional e social, não apenas como medida simbólica, mas como estratégia de Estado.
3. Estratégias de Valorização do Capital Humano
Para reverter este cenário, Angola precisa de implementar políticas e estratégias consistentes de valorização do capital humano, com impacto directo na economia, na inovação e na coesão social:
3.1 Melhoria das Condições de Trabalho
Disponibilizar materiais pedagógicos, computadores, internet de qualidade, bibliotecas e projetores é essencial. Drucker (1999) destaca que o conhecimento é o recurso central da sociedade moderna e, sem ferramentas adequadas, os profissionais não conseguem gerar valor. Em Angola, escolas em zonas rurais carecem de infraestruturas básicas, evidenciando desigualdades que perpetuam o atraso no desenvolvimento regional.
3.2 Incentivos Salariais e Benefícios Sociais
Salários compatíveis com a responsabilidade de formar gerações, planos de saúde, seguros e apoio habitacional são determinantes. Segundo o World Bank (2018), políticas salariais justas são cruciais para motivar e reter profissionais qualificados. Em países que investiram nestas áreas, como Finlândia e Coreia do Sul, a valorização do professor contribuiu directamente para elevados índices de desempenho educativo e inovação económica.
3.3 Formação Contínua e Capacitação
Investimentos em cursos de atualização, workshops e programas de especialização permitem que os profissionais se mantenham competitivos. Becker (1993) argumenta que o conhecimento acumulado aumenta a produtividade e contribui para a inovação. Em Angola, a criação de programas de formação contínua para professores e técnicos é uma lacuna que deve ser preenchida com urgência, alinhando-se às tendências globais de educação e tecnologia.
3.4 Reconhecimento Público e Social
Campanhas de valorização do professor e de outros profissionais estratégicos ajudam a reforçar a sua importância na sociedade. Herzberg (1966) demonstra que o reconhecimento social é uma motivação essencial para a performance profissional. O destaque dado a profissões estratégicas em meios de comunicação social e a inclusão de prémios de mérito são exemplos de políticas que aumentam o prestígio social e incentivam a dedicação.
3.5 Planeamento Estratégico do Capital Humano
Criar um quadro institucional que avalie competências, identifique lacunas e premie a excelência profissional é fundamental. Conforme OECD (2019), o planeamento estratégico garante eficiência no investimento em educação e capacitação. Em Angola, um sistema nacional de avaliação e certificação de competências profissionais poderia reduzir desigualdades regionais e melhorar a alocação de recursos humanos para áreas críticas.
4. O Impacto da Desvalorização no Desenvolvimento do País
A falta de valorização do capital humano compromete a produtividade, a inovação e a competitividade de Angola. Quando os professores e outros profissionais estratégicos não são reconhecidos, o país perde oportunidades de desenvolvimento económico e social. A escassez de profissionais qualificados aumenta a dependência de consultores estrangeiros, limita a inovação tecnológica e reduz a eficiência na prestação de serviços essenciais.
Como enfatizou o Presidente João Lourenço:
“O desenvolvimento sustentável não se constrói apenas com infraestruturas; constrói-se com pessoas, com o conhecimento e o talento que elas possuem. É preciso valorizar quem transforma a sociedade todos os dias.”
Investir no professor é investir no futuro de Angola. Ignorar esta realidade é hipotecar a capacidade do país de competir e prosperar num mundo cada vez mais global e digital.
Finalmente, é pertinente referir que a declaração do Profmotoqueiro não é apenas um desabafo pessoal; é um sinal de alerta nacional. Angola enfrenta um desafio estrutural: transformar a vergonha sentida pelos profissionais mais estratégicos em orgulho colectivo. Para isso, é necessário investimento, reconhecimento e políticas públicas eficazes que coloquem o capital humano no centro do desenvolvimento nacional.
Só assim o país poderá construir uma sociedade mais justa, produtiva e competitiva, onde professores, médicos, técnicos e demais profissionais estratégicos sejam devidamente valorizados e respeitados.