Politica
Cabindas desconhecem plano político-administrativo e jurídico da FLEC, além do poder
Estatuto do movimento que reivindica de armas na mão pela independência da província mais ao norte de Angola, que se encontra disponível na internet, cita a palavra democracia por duas vezes em 28 artigos. E não aborda, para além do desejo de emancipação territorial face ao Governo angolano, as suas ideias que se esperam inovadoras para boa governação que alegadamente busca.
O Governo angolano acumula nota negativa na forma como gere a província de Cabinda e demais circunscrições do País, o que, nalguns casos, tem sido utilizado como razão da crescente tendência de independência de certas localidades repletas de recursos petrolíferos e minerais, precisamente a província mais ao norte do País e a Lunda Norte.
O caso de Cabinda é o mais tenso e complexo, tendo em conta o movimento político e militar que ali se constituiu, a Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC).
A FLEC, cujo suporte é garantido pelo seu braço militar, as Forças Armadas de Cabinda (FAC), já demonstrou resiliência, face ao tempo que perdura, mas além da comprovada vontade de independência, pouco se sabe sobre as perspectivas de futuro que essa organização tem para a província e seus concidadãos.
E essa ausência de perspectiva político-administrativa começa a ser uma preocupação para diferentes segmentos da sociedade nacional, não só face à sua postura belicista, como também a ausência de indícios que denotem um compromisso real para com a democracia.
É certo que o espírito independentista tomou conta de boa parte dos cabindenses, independentemente de estarem em Luanda ou noutras geografias, ou ainda estarem ou não ligados aos órgãos de defesa e segurança e/ou partidos políticos, ou grupos de associações cívicas. Porém, há também divergências marcantes, quer na forma de luta, quer na perspectiva e visão política.
Escapa da memória qualquer discurso da FLEC virado para o futuro político e jurídico de Cabinda. Para além do desejo de independência, nada mais se conhece, o que levanta vários questionamentos sobre o que viria a ser de Cabinda caso as autoridades angolanas viessem, um dia destes, a ceder à pressão pela independência. E a aparente perspectiva de nepotismo na liderança do movimento contribui ainda mais para as suspeições.
A FLEC, por exemplo, foi liderada por largos anos por Nzita Tiago, um destacado político, admirado inclusive pelo mundo ocidental. Entretanto, após a sua morte, quando tinha já 89 anos de idade, o seu filho o substituiu à frente da organização.
Embora se diga que foi uma escolha do Alto Comando Militar e do Bureau Político da organização, não deixa de ser um facto que Emmanuel Nzita, filho de Nzita Tiago, já era o secretário-geral da FLEC quando o pai era o presidente.
Além de Emmanuel Nzita, fontes indicam haver mais familiares em posto de destaque.
Acordo de paz para Cabinda
O Governo angolano tem sido acusado de fugir ao diálogo para o alcance de uma solução para Cabinda, mas não foi sempre assim. Em 2006, as autoridades angolanas chegaram a celebrar um Memorando de Entendimento para a paz com o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD).
Uma nota final do encontro referiu que o Memorando de Entendimento consubstanciou-se na aprovação de uma lei de amnistia, cessação das hostilidades e desmilitarização das forças militares sob autoridade do FCD.
A adequação do dispositivo militar das Forças Armadas Angolanas (FAA) na região militar de Cabinda e a adopção de um Estatuto Especial para a província foram outros dos pontos incluídos no memorando.
O documento determinou ainda a reintegração condigna do pessoal proveniente do FCD na vida nacional, nomeadamente no desempenho de cargos nas FAA, Polícia Nacional e no Governo de Unidade e Reconciliação nacional (GURN), além do Governo da província de Cabinda, missões diplomáticas e empresas públicas.
As divergências
Muitas organizações de Cabinda, entre as quais a FLEC, bem como cidadãos de forma singular, têm referido que jamais se reviram no memorando do FCD, acusando António Bembe, líder da entidade, de ter celebrado o acordo sem o mandato dos cabindas. Entretanto, vale referir que muitas organizações de Cabinda e cidadãos em particular, que acusam o Governo de fugir ao diálogo, são eles próprios que desprezam uma conversação, tendo em conta que nada mais desejam ouvir senão a independência, o que dificulta qualquer negociação.
Por exemplo, durante as eleições de Agosto de 2022, a UNITA, maior partido na oposição, prometeu, caso vencesse as eleições, que promoveria uma alteração constitucional visando conceder uma autonomia administrativa e financeira a Cabinda. A proposta foi liminarmente rejeitada pela FLEC e por boa parte dos cabindenses.
Num comunicado em que desvaloriza totalmente a organização liderada por Adalberto Costa Júnior, a FLEC a proposta como um “posicionamento irrealista”.
“A direcção política da FLEC-FAC lamenta o posicionamento irrealista do líder político angolano Adalberto Costa Júnior quando no seu anúncio disse que poderia conceder uma autonomia”, referiu a o grupo político-militar de Cabinda, tendo ainda acrescentado: “os cabindas não mendigam por um estatuto político a ser demagogicamente presenteado como uma esmola de políticos angolanos numa busca desesperada de votos num território que recusa a ocupação por Angola”, tendo igualmente defendido que “os cabindas exigem o direito de decidirem sobre o futuro político de Cabinda e o seu direito à autodeterminação através de um referendo que contemple a independência”.
Ou seja, a FLEC não abre espaço para nada mais, vale somente a sua vontade intransigente, o que acaba por não dar outra alternativa ao Governo angolano, senão a posição que se conhece no momento.