Opinião
Bons planos, mas má execução?: o grande mito da administração pública em Angola
No debate sobre a qualidade da gestão pública em Angola, é recorrente ouvir a afirmação de que “o governo tem bons planos, programas e projectos, mas falha na execução”. Essa ideia, amplamente difundida, tenta separar a formulação das políticas públicas da sua implementação, como se fossem processos independentes. No entanto, essa visão ignora um princípio essencial da administração estratégica: um plano que não se concretiza não pode ser considerado eficaz. A sua validade depende, necessariamente, da capacidade de transformar directrizes em acções reais e impactantes.
A realidade angolana evidencia os desafios dessa desconexão entre planeamento e execução. Desde a aprovação de estratégias como o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) e o Programa de Combate à Pobreza, verifica-se que muitos dos objectivos propostos não são alcançados ou demoram anos para serem implementados. Essa lacuna entre intenção e resultado tem sido atribuída a dificuldades operacionais, constrangimentos financeiros e falta de capacidade institucional. No entanto, se a implementação falha sistematicamente, isso não é apenas um problema de execução, mas sim um sintoma de fragilidades no próprio desenho dos planos.
Como defende Mintzberg (1994), “estratégia não é apenas um plano para o futuro, mas um padrão de acção que se concretiza na prática”. Ou seja, um plano sem execução é, desde a sua concepção, um plano falhado. Na gestão pública angolana, isso é particularmente relevante porque a existência de estratégias bem elaboradas em documentos não se traduz automaticamente em melhorias concretas na vida dos cidadãos.
A seguir, analisamos como a interdependência entre planeamento e execução define a eficácia das políticas públicas em Angola e por que a falha na implementação revela, na verdade, a existência de planos deficientes desde a sua formulação.
A Interdependência entre Planeamento e Execução
A governação eficaz exige que os planos, programas e projectos sejam concebidos com uma abordagem sistémica, considerando não apenas a formulação das políticas, mas também os meios e capacidades necessários para a sua materialização. Em Angola, frequentemente verifica-se que os documentos estratégicos são ambiciosos, mas pecam pela falta de viabilidade operacional.
Drucker (1999) alerta que “planos são apenas boas intenções, a menos que se transformem em trabalho árduo”. Ou seja, um bom plano pressupõe uma abordagem realista que leve em consideração a sua viabilidade e execução. Se um plano fracassa na implementação, isso pode indicar falhas na formulação, tais como:
1. Objectivos mal definidos: Em Angola, vários planos governamentais estabelecem metas ambiciosas sem especificidade clara sobre os meios para atingi-las. Para Kotler e Keller (2012), a definição de objectivos deve ser “SMART” (específicos, mensuráveis, atingíveis, relevantes e temporais). Se um plano não cumpre esses critérios, já nasce com falhas.
2. Inconsistências estruturais: Muitos projectos anunciados em Angola carecem de viabilidade técnica e financeira. Como destaca Gray e Larson (2008), “um projecto bem-sucedido depende tanto do seu desenho inicial quanto da sua capacidade de adaptação e resposta aos desafios da implementação”. O caso da habitação social no país, onde projectos como as centralidades foram iniciados, mas enfrentaram atrasos significativos, ilustra essa lacuna.
3. Falta de capacidade institucional: A execução eficaz de planos e programas exige mecanismos de monitoria e avaliação contínua. Segundo Osborne e Gaebler (1992), governos eficazes operam com base em resultados, e a ausência de mecanismos de controlo reflecte um erro de concepção na gestão pública. Em Angola, a ausência de uma cultura de prestação de contas agrava esse cenário, dificultando a medição do impacto real das políticas implementadas.
A Execução como Elemento Essencial do Planeamento
A eficácia do planeamento governamental não se mede apenas pela formulação de boas estratégias, mas pela sua capacidade de gerar mudanças concretas na sociedade. Como argumenta Bryson (2018), “estratégia é um processo contínuo, e a sua implementação faz parte da sua definição”. O erro está em separar artificialmente a fase do planeamento da execução, como se fossem estágios independentes. Na realidade, um plano que não pode ser executado é, em si mesmo, um plano falhado.
No contexto angolano, esta desconexão entre planeamento e implementação reflecte-se em diversas áreas, desde a diversificação da economia até ao combate ao desemprego. Programas como o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações) e o PIIM (Plano Integrado de Intervenção nos Municípios) foram criados para impulsionar o desenvolvimento local, mas enfrentam desafios na materialização dos seus objectivos. Como defende Michael Barber (2007) no conceito de “deliverology”, a verdadeira competência governativa está na entrega de resultados tangíveis, e não apenas na produção de relatórios e discursos bem elaborados.
Finalmente, dizer que “o governo tem bons planos, mas falha na execução” é uma afirmação contraditória e conceptualmente equivocada. Se um plano não é implementado, isso significa que já possuía falhas na sua formulação, seja por falta de realismo, de estruturação adequada ou de um alinhamento concreto com as capacidades institucionais. O verdadeiro desafio da administração pública em Angola não está apenas na criação de estratégias bem-intencionadas, mas em garantir que todas as fases – concepção, implementação, monitoria e avaliação – sejam cumpridas de forma integrada e eficiente.
A separação artificial entre planeamento e execução compromete a eficácia das políticas públicas e cria uma falsa percepção de que a simples existência de um documento estratégico já é um avanço na gestão. Como destaca Henry Mintzberg (1994), “estratégia não é um plano idealista, mas sim um caminho testado pela prática”.
Em Angola, a qualidade da governação não pode ser avaliada apenas pela quantidade de planos e programas anunciados, mas pela sua materialização em resultados concretos para os cidadãos. A diversificação da economia, o combate ao desemprego e a melhoria das infra-estruturas não dependem apenas de documentos estratégicos, mas de uma abordagem governativa que garanta que cada etapa do processo seja cumprida com rigor e transparência. A boa governação mede-se pela capacidade de transformar promessas em realidades, pois, como afirma Drucker (1999), “o que não pode ser medido, não pode ser gerido”.