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Opinião

Bolsas de estudo em Angola: investimento ou privilégio para poucos?

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A educação é um dos principais motores para o desenvolvimento de uma nação. Segundo Amartya Sen (1999), Prémio Nobel da Economia, a educação não só capacita os indivíduos, como também impulsiona o crescimento económico sustentável e reduz desigualdades sociais. Em Angola, a concessão de bolsas de estudo representa uma estratégia essencial para democratizar o acesso ao ensino superior e qualificar profissionais para sectores estratégicos. No entanto, o actual modelo de gestão, conduzido pelo Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo (INAGBE), enfrenta desafios que comprometem a sua eficácia, tais como falta de transparência, dependência exclusiva do financiamento estatal, ausência de um sistema de reembolso sustentável e fraca conexão com as demandas do mercado de trabalho.

Diante desse cenário, é imperativo reformular o modelo de bolsas de estudo em Angola, incorporando boas práticas de países que alcançaram sucesso na implementação de sistemas eficientes e sustentáveis. A análise de modelos internacionais e africanos pode fornecer uma base sólida para a criação de um sistema mais transparente, equitativo e alinhado às necessidades do desenvolvimento nacional.

1. O Estado Actual da Gestão de Bolsas de Estudo em Angola

Em Angola, as bolsas de estudo são geridas pelo INAGBE, que concede bolsas para instituições nacionais e internacionais. Segundo o Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (2023), o sistema enfrenta problemas estruturais que incluem:

Falta de transparência e meritocracia no processo de selecção, levando a questionamentos sobre a credibilidade do programa.

Forte dependência do orçamento do Estado, tornando o programa vulnerável a crises económicas e cortes orçamentais.

Ausência de um mecanismo sustentável de reembolso, dificultando a ampliação do número de beneficiários.

Fraca articulação com o mercado de trabalho, resultando numa formação académica desalinhada das necessidades económicas do país.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2022) recomenda que os países em desenvolvimento adoptem modelos híbridos de financiamento educacional, combinando investimento público, apoio do sector privado e mecanismos de reembolso ajustados à realidade socioeconómica dos estudantes. Essa abordagem poderia ser um caminho para Angola.

2. Lições dos Melhores Modelos Internacionais

Diferentes países implementaram estratégias bem-sucedidas para a gestão de bolsas de estudo, combinando sustentabilidade financeira, transparência e conexão com o mercado de trabalho.

2.1. África do Sul – Modelo de Empréstimos e Subsídios Inteligentes (NSFAS)

A África do Sul adopta o National Student Financial Aid Scheme (NSFAS), um modelo híbrido no qual as bolsas são parcialmente financiadas pelo governo e complementadas por um sistema de empréstimos reembolsáveis. De acordo com Cloete et al. (2018), os estudantes só começam a pagar após a graduação e quando atingem um determinado nível de rendimento, evitando o endividamento excessivo.

🔹 Lição para Angola: Criar um fundo de financiamento estudantil que permita reembolso apenas quando o graduado atingir um nível de rendimento sustentável.

2.2. Alemanha – Educação Gratuita e Bolsas de Mérito (DAAD)

A Alemanha combina um sistema de ensino superior público gratuito com bolsas de estudo administradas pelo DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst), que financia pesquisas e intercâmbios internacionais. Segundo Müller et al. (2020), esse modelo fortalece a competitividade académica e garante a formação de profissionais altamente qualificados.

🔹 Lição para Angola: Expandir parcerias internacionais e estimular investimentos em pesquisa e inovação, garantindo formação qualificada em sectores estratégicos.

2.3. Canadá – Envolvimento do Sector Privado e Incentivos Fiscais

No Canadá, o financiamento de bolsas é descentralizado, e o sector privado desempenha um papel fundamental. Empresas e fundações investem na formação de talentos, alinhando a educação superior às demandas do mercado de trabalho (OECD, 2021).

🔹 Lição para Angola: Criar incentivos fiscais para que empresas financiem bolsas de estudo vinculadas às necessidades do mercado de trabalho.

3. Modelos Africanos que Podem Inspirar Angola

Além das experiências internacionais, há bons exemplos no continente africano:

3.1. Ruanda – Digitalização e Transparência no Processo de Selecção

Ruanda implementou um sistema de selecção de bolsas baseado em inteligência artificial e análise de dados. O sistema reduz interferências políticas e garante que os candidatos sejam escolhidos com base no mérito e na necessidade financeira (Twagirumukiza, 2022).

🔹 Lição para Angola: Implementar um sistema digital de selecção para garantir maior transparência e eficiência no processo.

3.2. Gana – Fundo Educacional Sustentável (GETFund)

Gana financia bolsas por meio do Ghana Education Trust Fund (GETFund), que é alimentado por impostos sobre sectores estratégicos. Esse modelo garante a continuidade do programa sem depender exclusivamente do orçamento do governo (Adomako, 2021).

🔹 Lição para Angola: Criar um fundo de educação financiado por impostos sobre sectores como petróleo e telecomunicações.

4. Proposta de Melhoria para Angola

Com base nas melhores práticas analisadas, propõe-se um modelo híbrido e sustentável para Angola:

1 – Criação de um Fundo Nacional de Bolsas

Financiado pelo governo, sector privado e impostos estratégicos (inspirado no GETFund de Gana).

Transparência na gestão dos recursos, com auditorias anuais e prestação de contas pública.

2 – Implementação de um Sistema de Empréstimos Sustentáveis

Reembolso somente quando o beneficiário atingir um patamar de rendimento adequado (modelo sul-africano).

Parcelamento de longo prazo, evitando o endividamento excessivo dos estudantes.

3 – Parcerias com o Sector Privado

Incentivos fiscais para empresas que financiem bolsas de estudo (modelo canadiano).

Bolsas vinculadas a áreas estratégicas, garantindo empregabilidade aos graduados.

4 – Digitalização e Transparência no Processo de Selecção

Uso de plataformas digitais para candidatura e avaliação (modelo de Ruanda).

Redução da interferência política na concessão das bolsas.

5 – Expansão de Bolsas Internacionais e Fortalecimento da Pesquisa

Parcerias com universidades estrangeiras para formação em sectores prioritários (modelo alemão).

Investimento em pesquisa e inovação para reduzir a dependência de profissionais estrangeiros.

Finalmente, a melhoria da gestão das bolsas de estudo em Angola é essencial para garantir acesso à educação superior de forma sustentável e eficiente. Modelos internacionais e africanos demonstram que um sistema eficiente deve ser sustentável, transparente e alinhado às necessidades do país.

Ao adoptar um Fundo Nacional de Bolsas, um sistema de reembolso baseado no rendimento, parcerias com o sector privado e a digitalização do processo de selecção, Angola poderá modernizar a sua política educacional e preparar melhor os seus jovens para os desafios do futuro.

Como afirmam Hanushek & Woessmann (2020), investir em educação é investir na prosperidade do país. Portanto, reformar o sistema de bolsas não é apenas uma necessidade, mas um passo essencial para garantir um futuro mais justo e promissor para Angola.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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