Opinião
Bairros de Luanda: o abandono político que ninguém quer resolver
A organização territorial de uma cidade reflecte-se directamente na qualidade de vida da população e na eficiência da gestão pública. Em muitas cidades, a divisão política e administrativa dos bairros não acompanha o crescimento urbano, tornando-se obsoleta diante das novas demandas sociais, económicas e urbanísticas. Isso levanta a necessidade de um novo modelo de estruturação dos bairros, alinhado a uma tipologia mais moderna e funcional, que permita a implementação eficaz de políticas públicas e o desenvolvimento sustentável das áreas urbanas.
Ao longo da história, a urbanização tem sido um desafio constante para os gestores públicos. Segundo Milton Santos, a cidade é um espaço dinâmico, transformado pela relação entre o espaço geográfico e as necessidades sociais. No entanto, a falta de planeamento urbano adequado leva a problemas estruturais e sociais, como exclusão territorial, desigualdade no acesso a serviços básicos e desordem espacial.
O Conceito e a Configuração dos Bairros
Os bairros sempre foram unidades fundamentais na organização espacial das cidades. São definidos por critérios geográficos, históricos e sociais, podendo ser oficialmente reconhecidos pelo poder público ou informalmente delimitados pelos próprios moradores. Cada bairro apresenta uma configuração específica, composta por infra-estruturas urbanas, usos do solo diversificados (residencial, comercial, industrial e misto), equipamentos públicos e identidade cultural própria.
De acordo com Henri Lefebvre, o espaço urbano resulta da interacção entre a sociedade e a produção do espaço. Assim, um bairro não deve ser apenas um local de moradia, mas um espaço de convivência, serviços e oportunidades para os seus habitantes. No entanto, quando a divisão territorial não acompanha as mudanças demográficas e socioeconómicas, surgem desafios como a falta de representatividade política, dificuldades na prestação de serviços públicos e desorganização territorial.
O Caso da província de Luanda: Uma Cidade com 153 Problemas
A província de Luanda, a capital de Angola, possuia aproximadamente 153 bairros formais e um número considerável de bairros informais, que surgiram sem qualquer planeamento urbano adequado. Na divisão actual, os bairros estão organizados da seguinte forma:
1. Cacuaco – 58 bairros e 4 comunas
2. Cazenga – 20 bairros e 3 comunas
3. Ingombota – 16 bairros e 5 comunas
4. Kilamba Kiaxi – 31 bairros e 6 comunas
5. Maianga – 19 bairros e 4 comunas
6. Rangel – 9 bairros e 3 comunas
Apesar dessa estrutura, muitos bairros carecem de infra-estruturas básicas, como estradas, redes de distribuição de água, saneamento básico, serviços públicos e um comércio ordenado. Em outras palavras, a cidade enfrenta 153 problemas estruturais, agravados pela ausência de uma estratégia política eficaz para os resolver.
David Harvey argumenta que o urbanismo neoliberal leva à segregação socioespacial, onde algumas áreas recebem investimentos enquanto outras são negligenciadas. Isso reflecte-se na desigualdade entre os bairros de Luanda, onde algumas zonas possuem infra-estruturas modernas e outras vivem em condições precárias. O problema, no entanto, parece ser evitado nos debates públicos, como se fosse um segredo de família que ninguém ousa discutir.
Para mudar esse cenário, os bairros de Luanda necessitam de um plano estratégico simples e viável de implementação, focado na requalificação, regeneração e reconversão urbana. Sem isso, a cidade continuará a crescer de forma desordenada, aprofundando as desigualdades e comprometendo o desenvolvimento sustentável.
A Urgência de uma Nova Divisão Política e Administrativa
Diante dos desafios urbanos da actualidade, a redefinição da divisão política e administrativa dos bairros torna-se essencial. Um modelo actualizado permitiria:
1. Melhor distribuição dos serviços públicos – Alguns bairros possuem infra-estruturas sobrecarregadas, enquanto outros carecem de serviços básicos. Uma nova divisão garantiria equilíbrio na oferta de saúde, educação, segurança e transporte.
2. Maior participação do cidadão – Com divisões mais funcionais, a representatividade política da comunidade seria fortalecida, dando voz às necessidades locais e promovendo uma gestão mais participativa.
3. Optimização da arrecadação e investimento público – A redefinição dos bairros contribuiria para uma distribuição mais justa dos recursos municipais, evitando desigualdades entre regiões.
4. Melhoria na mobilidade urbana – Uma nova estruturação favoreceria a criação de vias mais eficientes, integração com o transporte público e melhor planeamento do tráfego.
A abordagem de Manuel Castells sobre a “Cidade Informacional” sugere que a gestão urbana deve estar alinhada com as novas tecnologias para promover um desenvolvimento mais equilibrado e inteligente. Uma nova divisão territorial poderia incorporar esses conceitos, facilitando a digitalização dos serviços públicos e a melhoria da comunicação entre os cidadãos e o governo.
Nova Tipologia para os Bairros: Um Modelo Funcional
Além da reestruturação político-administrativa, é necessário estabelecer uma nova tipologia para os bairros, baseada na sua funcionalidade dentro da cidade. Algumas categorias possíveis incluem:
Bairros Residenciais – Focados na moradia, com infra-estruturas que garantam a qualidade de vida dos moradores, incluindo escolas, praças e serviços básicos.
Bairros Comerciais – Áreas que concentram actividades económicas, mercados, escritórios e serviços financeiros.
Bairros Industriais – Espaços destinados a fábricas e centros logísticos, garantindo que a actividade industrial não afecte negativamente a vida urbana.
Bairros Mistos – Regiões que combinam habitação, comércio e serviços, promovendo um desenvolvimento equilibrado.
Bairros Históricos e Culturais – Locais preservados pelo seu valor patrimonial e turístico, com incentivos à cultura e ao turismo sustentável.
Essa nova categorização auxiliaria na formulação de políticas públicas mais específicas e eficientes para cada tipo de bairro, assegurando um crescimento urbano mais planeado e sustentável. Segundo Jane Jacobs, a diversidade dos bairros é fundamental para o dinamismo económico e social das cidades. Assim, ao reorganizar Luanda com base nesses princípios, será possível criar uma cidade mais inclusiva e funcional.
Finalmente, a redefinição da divisão política e administrativa dos bairros é um passo fundamental para tornar as cidades mais organizadas, eficientes e inclusivas. O caso de Luanda demonstra como a desorganização territorial impacta negativamente o desenvolvimento urbano, criando uma série de problemas estruturais que o governo ainda não conseguiu resolver de maneira eficaz.
Aliada a uma nova tipologia baseada na funcionalidade e na necessidade social, essa mudança garantirá melhor distribuição de serviços, maior representatividade da população e um planeamento urbano mais coerente com os desafios do século XXI. Cabe aos gestores públicos, urbanistas e à própria sociedade civil debater e promover essas reformas, assegurando que as cidades cresçam de maneira harmoniosa e equilibrada. Afinal, ignorar a situação dos bairros de Luanda significa perpetuar um problema que compromete o futuro da cidade e da sua população.