Análise

Autarquias locais versus centralização do Estado: quem realmente governa melhor?

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1. Introdução: um país grande demais para ser centralizado e pequeno demais para continuar assim

A discussão sobre as autarquias locais em Angola tem sido marcada por uma tensão permanente entre a expectativa popular, a cautela política e a imaturidade institucional. Infelizmente, este debate tem sido excessivamente politizado, quando deveria ser essencialmente técnico. A verdade inconveniente, porém inescapável, é simples: Angola é grande demais para continuar a ser administrada quase exclusivamente a partir de Luanda.

Max Weber advertia que “quanto maior a estrutura territorial, mais distante se torna o Estado da vida concreta das pessoas”. O nosso país, vasto e profundamente desigual na sua distribuição populacional, enfrenta exactamente este problema: municípios enormes, muitos deles equivalentes ao tamanho de países europeus, incapazes de responder rapidamente às necessidades das comunidades.

A centralização administrativa angolana tornou-se, no plano prático, um obstáculo ao desenvolvimento local, à participação cidadã e à própria ideia de democracia territorial. Por isso, a institucionalização das autarquias não é uma opção ideológica. É um imperativo civilizacional.

2. A proporcionalidade territorial: o que os números realmente dizem

A comparação internacional revela a dimensão do desafio.
Angola: 1 246 700 quilómetros quadrados e 326 municípios.
Brasil: 8 510 345 quilómetros quadrados e 5 568 municípios.

Embora o Brasil seja seis vírgula oito vezes maior, possui duas vírgula cinco vezes mais municípios por quilómetro quadrado do que Angola. Em termos estritamente proporcionais:

Angola possui um município para cada três mil oitocentos e vinte quilómetros quadrados.
O Brasil possui um município para cada mil quinhentos e trinta quilómetros quadrados.

Se aplicasse a densidade municipal brasileira, Angola precisaria de oitocentos e quinze municípios, quase três vezes mais do que actualmente.

Robert Dahl afirmava que “a democracia local exige unidades territoriais manejáveis e próximas das comunidades”. O nosso problema não é falta de território. É falta de pontos efectivos de governação dentro dele.

Este défice não é apenas estatístico. É político e administrativo.
Angola está subadministrada.

3. O falso dilema do gradualismo na implementação das autarquias locais: político ou técnico?

O gradualismo em Angola tem sido frequentemente interpretado como uma hesitação política, quando na realidade deveria assumir-se como uma metodologia de governação adaptativa.

Charles Lindblom, no clássico A Ciência de Avançar aos Poucos, ensina que “as reformas bem sucedidas avançam por pequenos passos, testando, corrigindo e ampliando soluções”. Este é precisamente o princípio do gradualismo geográfico experimental, o único modelo compatível com a nossa realidade territorial e institucional.

O gradualismo não deve ser visto como atraso, mas como um laboratório territorial controlado, que permite observar, corrigir, aprender e expandir.

3.1. O gradualismo geográfico e experimental como consenso nacional possível

Na prática política e académica, torna-se cada vez mais evidente que a solução mais realista para Angola será a adopção de um gradualismo geográfico e experimental, negociado entre as forças políticas, acompanhado pela sociedade civil e rigorosamente monitorado pela Academia.

Este modelo permite testar o sistema autárquico em municípios piloto, avaliar o impacto institucional, medir a capacidade administrativa local e corrigir falhas antes da expansão nacional.

O gradualismo experimental permite que as primeiras autarquias funcionem como protótipos territoriais, onde o país aprende e consolida competências antes de assumir a reforma completa.

Friedmann reforça este raciocínio ao afirmar que a aprendizagem social territorial é o elemento fundamental para a maturação das reformas institucionais. É disso que Angola precisa: aprender fazendo.

4. Por que Angola precisa de um modelo científico

As autarquias angolanas vão nascer num ambiente estruturalmente frágil. Entre os principais problemas destacam-se:

1. Municípios demasiado extensos e geograficamente dispersos.

2. Baixa capacidade administrativa e financeira.

3. Ausência de cadastro territorial funcional.

4. Cultura limitada de participação cidadã.

5. Forte dependência do erário central.

Elinor Ostrom lembra que “quanto mais próximos os centros de decisão estiverem dos cidadãos, maior é a eficiência e a responsabilidade pública”.

A autonomia territorial não nasce espontaneamente. Ela constrói-se.

5. O método PDCA como solução estratégica nacional

Criar autarquias não é um acto político. É uma engenharia institucional complexa.
Deming sustentava que “os sistemas só evoluem quando avaliados e corrigidos continuamente”.

Assim, as autarquias devem seguir o ciclo PDCA:
Planear, Executar, Verificar e Agir.

Este é o único método capaz de garantir melhoria contínua na governação local.

6. Planear: diagnosticar, conhecer e escolher com critérios

Crozier advertia que “não se reforma aquilo que não se conhece”.
Angola não pode escolher municípios piloto por conveniência política.

É necessário estabelecer critérios técnicos claros, como:

viabilidade financeira mínima,
densidade populacional equilibrada,
capacidade institucional local,
níveis mínimos de serviços básicos,
estabilidade social,
potencial económico.

Denhardt lembra que “governar é servir”, e não controlar.
Este princípio deve orientar a criação de modelos autárquicos experimentais simples, eficientes e realistas.

7. Executar: instalar, formar e educar

Habermas afirma que “a democracia nasce no espaço público”.
As autarquias piloto devem tornar-se esse espaço onde o país testa a sua democracia local.

A execução implica:

eleições locais,
transferência faseada de competências,
formação intensiva de quadros,
educação territorial das populações,
fortalecimento da cidadania fiscal e participativa.

Sem cidadania preparada, a autonomia colapsa.

8. Verificar: medir o que funciona e expor o que não funciona

Norberto Bobbio afirmava que “a transparência é a alma da democracia”.
A fase de verificação exige:

auditorias financeiras,
relatórios de execução orçamental,
indicadores de desempenho organizacional,
avaliação da qualidade dos serviços,
monitorização da participação cidadã.

A verdade dos números é inegociável.

9. Agir: melhorar, corrigir e expandir

A expansão autárquica deve ocorrer por ondas de maturidade:

Primeira onda: municípios piloto.
Segunda onda: municípios com condições mínimas.
Terceira onda: municípios de baixa densidade e fraca capacidade.

Minogue lembra que reformas fracassam quando se transplantam modelos ideais ignorando a capacidade real existente.
O método PDCA impede que Angola cometa esse erro.

10. Conclusão: autarquias não são um evento. São uma reforma civilizacional

A institucionalização das autarquias é a maior reforma administrativa desde mil novecentos e setenta e cinco.
Requer ciência, método, coragem e lucidez.

Como Denis Rezende afirma no conceito de Cidade Digital Estratégica, “não existe desenvolvimento local sem inteligência territorial e sem cidadania activa”.

Angola precisa exactamente disso:
inteligência territorial, cidadania consciente, autonomia responsável e um modelo experimental, gradual e científico suportado pelo método PDCA.

Não é apenas um processo técnico.
É um salto civilizacional.

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