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Opinião

As prestações suplementares no financiamento dos projectos à luz da Lei do Investimento Privado

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Por: Moses Caiaia*

O investimento privado em Angola é caracterizado pelo princípio da liberdade de financiamento, cabendo aos candidatos ao estatuto de investidor decidirem entre capitais próprios e alheios como será financiado  um determinado projecto.

Como já referimos no nosso artigo em que abordamos os “suprimentos no financiamento aos projectos de investimento privado à luz da LIP”, ambos os tipos de capitais distinguem-se, tradicionalmente, de acordo com três critérios, designadamente, a proveniência, a natureza definitiva ou transitória e a função.

As prestações suplementares constituem capitais próprios na medida em que configuram uma contribuição dos sócios para a sociedade tal como as entradas, as prestações acessórias e os suprimentos.

No direito societário angolano há registo de que as prestações suplementares vieram previstas pela primeira vez na Lei das Sociedades por Quotas de 1901 (adiante designada, abreviadamente, por “LSQ”), diploma que foi revogado pela Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro – Das Sociedades Comerciais (mais adiante denominada “LSC”). Na verdade a LSU regulava as Sociedades por Quotas em Portugal e nas colónias, como foi o caso de Angola.  Mesmo depois do alcance da independência não se procedeu, imediatamente, à revogação do citado diploma.

As prestações sobre a qual nos referimos, também denominadas por prestações suplementares de capital, foram legalmente consagradas pela primeira vez, em 1892, no GmbHG (abreviação da lei alemã sobre sociedades de responsabilidade limitada) e transpostas para a LSU.

Na base da sua consagração estava a necessidade de se encontrar uma forma flexível para o financiamento com capitais próprios, por parte das sociedades, sendo que a exigibilidade e restituição não se poderiam submeter à rigidez dos preceitos referentes ao aumento e à redução do capital social, permitindo assim às sociedades que a lei regulava adaptarem-se às diferentes variáveis de capital. O alcance deste objectivo falhou na medida em que o recurso aos suprimentos veio mostrar-se mais favorável.

Na LSC, que como referimos revogou a LSU, as prestações suplementares são reguladas no art.º 231 e seguintes. As referidas obrigações originam uma situação passiva eventual dos sócios, que consiste na entrega não remunerada de quantias monetárias à sociedade.

A  Lei n.º 14/15, 11 de Agosto – Do Investimento Privado (adiante designada, abreviadamente, por LIP), que consagra em relação a algumas situações da vida societária normas especiais em relação ao regime geral previsto na LSC e em outros diplomas legais, admite que os projectos de investimento privado sejam financiados com através de prestações suplementares. É o que dispõe a al o) do art.º 13 e al k) do art.º 15 ao considerarem-nas como operações de investimento interno e externo, respectivamente.

Ora, com excepção das referências que aludimos, a LIP nada mais dispõe acerca das prestações suplementares, o que obriga o intérprete aplicador a recorrer, para melhor apreciação sobre a referida forma de financiamento de projectos de investimento, ao regime geral fazendo as adaptações necessárias. Antes deste exercício, deve referir-se que em termos gerais elas funcionam como suplemento do capital social a que os sócios se obrigam no momento da constituição da sociedade, prevendo a eventual necessidade de reforço dos capitais próprios sem recurso ao aumento de capital social e devem estar previstas no contrato de sociedade, conforme dispõe o art.º 231 da LSC.

Nasce daqui o primeiro problema para a análise em sede do investimento privado, porquanto pode, por hipótese, não estar prevista no contrato de sociedade a obrigação de prestações suplementares, porém, estar prevista no contrato de investimento. A questão que se coloca é: Pode exigir-se de um investidor – que seja também sócio da sociedade executora do projecto – que cumpra a sua obrigação prevista no contrato de investimento sem que esteja previsto no contrato de sociedade?

A nossa resposta é sim, porquanto o contrato de investimento é celebrado com o Estado, não se impondo ao mesmo qualquer limitação resultante do referido contrato de sociedade. Ademais,  o processo de aprovação dos projectos de investimento até a celebração do contrato obedece a um conjunto de momentos e procedimentos, conforme regula o Decreto Presidencial n.º 182/15, de 30 de Setembro (que aprova o Regulamento do Procedimento para a Realização do Investimento Privado realizado ao abrigo da LIP), alterado parcialmente pelo Decreto Presidencial n.º 226/15, de 29 de Dezembro, entre os quais se destacam os momentos da avaliação e de negociação das propostas de investimento. É nos referidos momentos em que se formam as vontades das partes e se conforma  as mesmas à lei.

O que referimos também afasta qualquer obrigatoriedade, em sede do investimento privado, dos sócios deliberarem – diferente do que acontece no regime geral – para que as prestações suplementares se tornem exigíveis aos investidores (considerados similarmente, para estes efeitos, sócios). As razões que fundam a cumprimento deste requisito, no regime geral, tem a ver com a necessidade de constituir o direito de crédito correspondente, na medida em que até a deliberação a sociedade tem apenas um direito potestativo de constituir uma obrigação de prestações suplementares.

Se o incumprimento definitivo no âmbito das sociedades tem como consequência a exclusão do sócio, conforme dispõe o art.º 234 da LSC, no âmbito do investimento privado estaremos diante de uma situação que pode levar à não execução do projecto dentro do prazo fixado na autorização, o que constitui transgressão punível com a revogação da autorização de investimento nos termos do n.º 1 al c) e n.º 2 do art.º 59 da LIP.

O segundo problema resulta do facto da obrigação de prestações suplementares ser uma figura privativa das Sociedades por Quotas, o que coloca a questão de saber, em termos gerais, se o regime da mesma pode ser aplicado, por analogia, às sociedades anónimas. Acerca do assunto, na doutrina angolana e portuguesa, entendimentos divergentes. Os que não concordam com a referida aplicação analógica, propugnam que o anonimato que caracteriza as sociedades anónimas torna impossível a exclusão do accionista que não cumpre a obrigação, o que não acontece nas sociedades por quotas em relação ao sócio que esteja na referida na referida situação.

Outros, assumindo uma posição contraria a que referimos, entendem que nesta matéria vigora o princípio da autonomia privada, não havendo por isso qualquer razão que obsta à aplicação analógica. Há ainda quem concorde com esta última posição, porém, só em relação às participações nominativas.

Parece-nos que no âmbito do investimento privado também não há qualquer razão que torne inadmissível a aplicação, por analogia, às sociedades anónimas que pretendam executar projectos de investimento privado, na medida em que no sentido a que nos referimos aos investidores apenas se exige que reúnam o capital do investimento não relevando, entretanto, aspectos inerentes à estrutura interna da sociedade, embora seja exigível, quando aplicável, a conformidade entre o que dispõe o contrato de investimento e as demais peças que instruem a correspondente proposta de investimento.

* Mestrando em Ciências Jurídico-Empresariais e Pós-Graduando em Finanças Societárias e Governo de Sociedades

E-mail: [email protected]

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