Crónica
As Kardashian do Café: Edição Angola
Quando o galo canta, Angola desperta. Mas antes de Angola acordar, elas já estão de pé: as verdadeiras directoras-gerais do café de rua, embaixadoras do copo térmico, ministras do amaciador e da calça colada.
São as jovens que vão vender café com atitude de quem vai desfilar numa passerelle da capital, ainda que seja a versão improvisada do Bairro Popular ou do Rocha Pinto. Acordam cedo, arrumam-se como estrelas e partem para a missão diária: servir café e marcar presença.
Há quem pense que usam roupa curta ou ousada por moda. Mas não. Isto é marketing agressivo, versão angolana. Enquanto alguns estudam marketing digital, elas praticam marketing corporal. A lógica é simples: cliente olha, cliente compra. Se as curvas económicas do país são desanimadoras, pelo menos as curvas delas esforçam-se diariamente para estimular consumo e imaginação.
Vender café na rua não é tarefa para fracos. É batalha diária contra o frio das madrugadas, a subida constante do preço do açúcar, o cliente que promete pagar amanhã e nunca cumpre, e o indivíduo inconveniente que pergunta se o café vem com companhia. Há homens que compram cinco cafés por manhã e nem gostam de cafeína; apreciam é a vista.
E quando alguém critica as roupas ousadas, elas sorriem com paciência curta e dignidade longa. Porque o salário mínimo está tímido, mas elas não estão. Num país que repete o mantra do “empreendam”, elas levaram a frase a sério. Só não sabiam que o empreendedorismo exigiria leggings brilhantes, cílios postiços, baby hair e perfume “Dubai Gold” comprado na Praça do Kikolo.

Visão: ver o próximo cliente aproximar-se.
Valores: açúcar quanto baste, cafeína e simpatia estratégica.
Se estas jovens tivessem ido a Harvard, revolucionariam o campus. Mas como Harvard ainda não abriu filial na Samba, elas governam o asfalto e o passeio com a mesma disciplina que um gestor aplica numa multinacional.
Antes de as julgar, convém reflectir: há quem tenha petróleo e não consiga enriquecer. Elas vendem café e, com criatividade e resiliência, criam marca, presença e clientela fiel. Não pedem favores ao Estado, ao banco ou ao partido. Trabalham com dignidade e astúcia. Não são objectos; são estratégia.
Estas mulheres deviam ser estudadas pelas universidades. No mínimo, mereciam dar formação de marketing prático para muitos que vivem de teoria. A verdade é simples: sem elas, as madrugadas seriam mais geladas e as ruas mais cinzentas.
Quem acorda antes do sol, enfrenta a cidade com coragem, e ainda consegue provocar engarrafamento emocional merece mais do que respeito: merece reconhecimento e um café bem quente servido com gratidão.
