Análise
Apoio russo aos aliados face às tarifas dos EUA: entre a resistência geopolítica e a reconfiguração global
Moscovo reage, e o tabuleiro global estremeceu, o reposicionamento estratégico da Rússia, em resposta às tarifas impostas pelos EUA, representa mais do que um simples gesto de solidariedade comercial. Trata-se de um movimento tectónico no xadrez geopolítico global, com implicações directas para a coesão do BRICS, o equilíbrio de poder entre potências emergentes e a própria estabilidade da ordem económica internacional.
Estratégia Multidimensional: O tripé russo
1. Contra a hegemonia dos EUA
A narrativa russa, amplamente disseminada por figuras como Maria Zakharova, classifica as tarifas como expressão de um “neocolonialismo económico”. A retórica, cuidadosamente desenhada, busca reforçar laços com o Sul Global, com o Brasil no epicentro latino-americano, estigmatizando os EUA como potência coerciva e não cooperativa.
2. Fortalecer o BRICS como bloco alternativo
Ao incentivar o comércio em moedas nacionais, criar cadeias de valor alternativas ao dólar e promover sistemas financeiros paralelos, Moscovo posiciona o BRICS como pilar central de uma nova ordem multipolar. A cumplicidade com o Brasil ganha novo fôlego neste contexto.
3. Garantir os fluxos comerciais vitais
A defesa das exportações russas de petróleo e fertilizantes não é apenas uma necessidade económica é uma questão de sobrevivência política. Ao apoiar os aliados atingidos por tarifas, como o Brasil e a Índia, Moscovo assegura mercados estáveis para financiar a sua guerra na Ucrânia e resistir ao cerco ocidental.
Impactos Geopolíticos: As placas tectónicas estão a mover-se
BRICS mais coeso, Ocidente mais fragmentado
As tarifas têm um efeito unificador dentro do BRICS. A retaliação brasileira e a denúncia na OMC não são apenas reações económicas: são gestos simbólicos de insubordinação estratégica. A aproximação entre Lula, Putin e Xi Jinping reconfigura alianças e desafia o status quo do sistema internacional.
Reações bilaterais e desdobramentos
A exclusão da Rússia das tarifas, enquanto os seus aliados são penalizados, expõe a selectividade estratégica da política externa norte-americana. Esta dinâmica pode acelerar a alienação de países-chave, como o Brasil, da órbita ocidental.
Impactos Económicos: Os números por detrás do poder
Brasil: entre retaliação e diversificação
As tarifas de 50% aos produtos brasileiros, como carne bovina e aço, impactam sectores que representavam 13,5% das exportações brasileiras aos EUA. Apesar de exceções pontuais (como petróleo e sumo de laranja), o agronegócio está sob pressão. A resposta? Redirecionar exportações para a Ásia e África, com apoio russo e chinês.
Rússia: perdas indirectas, compensações estratégicas
Com apenas 3,5 mil milhões de dólares em comércio com os EUA, a exclusão russa parece irrelevante. No entanto, os danos colaterais sofridos pelos seus aliados afectam diretamente Moscovo. Daí o apoio diplomático e económico imediato, sobretudo ao Brasil, para preservar o volume de exportações cruciais à sua economia.
Riscos Estratégicos e Globais
1. Possível recessão mundial
Estudos como o do Goldman Sachs elevam a probabilidade de recessão nos EUA para 45%. O aumento de custos logísticos, o desvio de rotas comerciais e a instabilidade cambial no Sul Global compõem um cenário de incerteza prolongada.
2. Cadeias logísticas alternativas e multipolaridade comercial
A transição para redes comerciais independentes dos EUA via BRICS e BRI cria novos corredores de influência, mas exige investimentos robustos. Para o Brasil, o momento é de afirmação geoeconómica ou retrocesso estrutural.
3. Escalada militar e nuclear
Com o abandono da moratória russa sobre mísseis de médio alcance e ameaças implícitas de Medvedev, a retórica militar reacende-se. A confrontação económica pode migrar para a dimensão securitária, intensificando riscos globais.
Inteligência Diplomática e Autonomia Estratégica
O posicionamento de Lula, ao desafiar as tarifas com firmeza e denunciar o neocolonialismo comercial, sinaliza um novo momento de afirmação da diplomacia brasileira. Contudo, a busca por autonomia exige equilíbrio: não ceder à pressão americana sem cair na dependência de Moscovo ou Pequim.
Conclusão: Uma nova balança de poder
O apoio russo aos aliados, face às tarifas americanas, é uma estratégia integrada que junta narrativa política, sobrevivência económica e arquitectura internacional alternativa.
No centro desta disputa estão países como o Brasil, que, ao recusarem alinhar-se automaticamente a um dos lados, tornam-se actores centrais na disputa pela liderança do mundo pós-americano.
A próxima década dependerá da capacidade do BRICS de oferecer alternativas concretas e da habilidade dos seus membros especialmente o Brasil em transformar esta crise em uma oportunidade de reinvenção diplomática, económica e geoestratégica.