Dinheiro Inteligente
Angola: um país rico com um povo pobre – será o cooperativismo a solução?
A economia global tem demonstrado que o crescimento sustentável não depende exclusivamente do capital financeiro, mas também da capacidade das sociedades de se organizarem colectivamente para enfrentar desafios estruturais e promover o desenvolvimento local. Neste contexto, o associativismo e o cooperativismo emergem como ferramentas fundamentais para impulsionar o empresariado, fortalecer a economia nacional e reduzir as desigualdades socioeconómicas.
Em Angola, onde o sector informal ainda domina grande parte da actividade económica e o acesso ao crédito continua a ser um desafio para pequenos empresários, estas formas de organização representam soluções eficazes para fomentar a inclusão produtiva, estimular a inovação e gerar emprego.
A ausência de políticas públicas eficazes para fomentar o crescimento do empresariado local tem resultado na dependência excessiva das importações e na fragilidade dos sectores produtivos nacionais. Para inverter este quadro, é fundamental que o Estado angolano incentive o cooperativismo como estratégia de fortalecimento da economia, promovendo um ambiente de negócios mais inclusivo e sustentável.
Este artigo visa discutir a importância do associativismo e do cooperativismo na promoção do empresariado local e do desenvolvimento sustentável em Angola, fundamentando a análise em abordagens teóricas de referência, como a Economia Solidária, o Desenvolvimento Local Endógeno e a Teoria do Capital Social.
1. Fundamentos Teóricos do Associativismo e Cooperativismo
1.1 A Economia Solidária e a Autogestão
A Economia Solidária, conforme definida por Paul Singer (2002), representa uma alternativa ao modelo capitalista tradicional, priorizando a cooperação e a autogestão em detrimento da competitividade individualista. Segundo o autor, “a economia solidária é um sistema produtivo baseado na associação livre de trabalhadores, onde o objectivo central não é a maximização do lucro, mas sim a melhoria das condições de vida dos envolvidos e da comunidade” (SINGER, 2002, p. 17).
No contexto angolano, esta abordagem torna-se essencial, considerando que muitos empreendedores enfrentam dificuldades para competir com grandes empresas e aceder a linhas de financiamento. O cooperativismo surge, então, como uma solução, permitindo que pequenos produtores e comerciantes unam esforços para fortalecer a sua posição no mercado.
As cooperativas, além de garantirem melhores condições para os seus associados, contribuem para a valorização da produção local, promovendo a circulação da riqueza dentro das comunidades e reduzindo a dependência de produtos importados. Este factor é essencial para fortalecer a economia nacional e criar um mercado interno mais sólido e sustentável.
1.2 Desenvolvimento Local Endógeno e Empoderamento Comunitário
O conceito de desenvolvimento local endógeno, defendido por Amartya Sen (1999), destaca que o verdadeiro progresso económico ocorre quando as comunidades desenvolvem as suas próprias capacidades, sem depender excessivamente de investimentos externos. Segundo Sen, “o desenvolvimento deve ser avaliado não apenas pelo crescimento do PIB, mas pela ampliação das liberdades substantivas dos indivíduos” (SEN, 1999, p. 36).
Esta abordagem é especialmente relevante para Angola, onde muitas regiões ainda enfrentam desafios estruturais, como a falta de infra-estruturas, a baixa qualificação da mão-de-obra e a dificuldade de acesso a mercados. O cooperativismo surge como uma ferramenta capaz de minimizar estes problemas, incentivando o desenvolvimento de iniciativas locais e promovendo a autonomia das comunidades.
Em muitas partes do país, associações de camponeses e cooperativas agrícolas têm sido essenciais para garantir o sustento de milhares de famílias, reduzindo a pobreza e impulsionando a produção nacional. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para que estas iniciativas sejam plenamente reconhecidas e apoiadas pelo Estado.
1.3 A Teoria do Capital Social e os Benefícios das Redes de Cooperação
O capital social, conforme proposto por Robert Putnam (1993), refere-se à rede de relações sociais que fortalece a confiança, a cooperação e a eficiência económica. Putnam argumenta que “sociedades com alto nível de capital social são mais propensas a gerar desenvolvimento sustentável, pois promovem o trabalho colectivo e a governação participativa” (PUTNAM, 1993, p. 22).
O associativismo e o cooperativismo fortalecem o capital social ao promoverem o senso de pertença e a colaboração entre os membros da sociedade. Quando empresários, agricultores e comerciantes trabalham em conjunto, partilham conhecimento, dividem recursos e criam soluções colectivas para desafios comuns.
No contexto angolano, onde muitas pequenas e médias empresas enfrentam dificuldades de acesso a crédito e mercados, o fortalecimento de redes de cooperação, como associações empresariais e cooperativas, pode ser um diferencial para a inclusão económica de milhares de empreendedores.
2. O Associativismo e o Cooperativismo no Contexto Angolano
2.1 O Sector Informal e a Necessidade de Estruturação Empresarial
Em Angola, a predominância do sector informal na economia evidencia a necessidade de mecanismos que facilitem a transição para modelos empresariais mais estruturados e sustentáveis. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2023), cerca de 80% da força de trabalho em Angola actua no sector informal, o que limita o acesso a benefícios sociais, crédito e assistência técnica.
Casos de sucesso, como a Cooperativa Agropecuária do Planalto Central, demonstram que, quando pequenos agricultores se unem, conseguem melhores condições de comercialização, agregação de valor aos produtos e até exportação.
2.2 O Papel da Huíla no Desenvolvimento Sustentável por Meio do Cooperativismo
Na província da Huíla, o associativismo e o cooperativismo têm desempenhado um papel fundamental no fortalecimento da economia local, especialmente nos sectores agrícola, pecuário e comercial. A região, conhecida pelo seu potencial agropecuário, abriga várias cooperativas de produtores de milho, feijão, batata e hortícolas, que têm ajudado pequenos agricultores a melhorar a sua produtividade e acesso ao mercado.
Além do sector agropecuário, a Huíla tem potencial para se tornar um centro de referência no cooperativismo de serviços e comércio. A criação de associações de comerciantes e cooperativas de microempreendedores pode ser um caminho para organizar melhor o sector informal e garantir mais estabilidade económica para milhares de famílias.
Conclusão: O Caminho para um Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo
O associativismo e o cooperativismo não são apenas alternativas viáveis para o fortalecimento do empresariado local em Angola, mas constituem pilares fundamentais para um modelo de desenvolvimento económico mais equitativo, sustentável e autónomo.
A Huíla, como uma das províncias com maior potencial agrícola e pecuário do país, já possui um histórico de organizações cooperativas que demonstram a viabilidade deste modelo. No entanto, para que tais experiências sejam ampliadas e consolidadas, é essencial que haja maior articulação entre o governo, o sector privado e a sociedade civil.
Se Angola deseja realmente alcançar um desenvolvimento sustentável, precisa investir na organização e no fortalecimento dos seus empresários locais. Isso significa não apenas criar condições para que cooperativas e associações prosperem, mas também garantir que a riqueza gerada por estas iniciativas seja redistribuída de maneira justa.
Diante da realidade angolana, a questão que se coloca não é se o cooperativismo e o associativismo são importantes, mas sim: quanto tempo ainda perderemos antes de reconhecer que o verdadeiro crescimento do país depende da valorização do nosso próprio povo?