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Opinião

Angola Sem Estradas, Sem Futuro?

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A rede rodoviária constitui a espinha dorsal do desenvolvimento económico e social de qualquer país. Para além de estabelecer ligações físicas entre localidades, as estradas representam canais de circulação de bens, pessoas, conhecimento e oportunidades. Em Angola, um país de vasto território e recursos abundantes, é imperativo conceber-se um Plano Estratégico Rodoviário Nacional que vá muito além de um mero instrumento técnico, assumindo-se como uma verdadeira visão de futuro para o desenvolvimento integrado e inclusivo.

De acordo com Vickerman (2007), “as infra-estruturas de transporte moldam o desenvolvimento regional, condicionam o acesso aos serviços e estruturam as oportunidades económicas”. Esta perspectiva é corroborada por autores africanos como Njoh (2009), que refere que a ausência de infra-estruturas viárias de qualidade em muitos países africanos constitui um dos maiores entraves ao crescimento inclusivo e à integração regional.

  1. Estado Actual da Rede Rodoviária em Angola

Apesar dos esforços empreendidos pelo Executivo angolano nas últimas décadas — com a reabilitação de algumas estradas nacionais e a construção de pontes estruturantes — a realidade é que uma parte considerável da malha rodoviária do país permanece em estado precário, apresentando elevados custos de manutenção, deficiente sinalização, insegurança rodoviária e baixa interligação regional. A inexistência de uma abordagem de planeamento territorial integrado resulta, muitas vezes, em infra-estruturas desconexas e desajustadas às dinâmicas económicas e sociais das diferentes províncias.

  1. Boas Práticas Internacionais: Lições para Angola

Vários países com características socioeconómicas semelhantes às de Angola têm desenvolvido planos rodoviários estratégicos robustos, dos quais se podem extrair valiosas lições.

Índia: O programa Bharatmala Pariyojana, lançado em 2017, visa construir mais de 83 mil km de auto-estradas, com foco na conectividade logística, segurança rodoviária e redução dos custos de transporte. O programa utiliza ferramentas como o mapeamento georreferenciado (GIS), análise por big data e modelos híbridos de financiamento.

Brasil: Através do modelo de concessões rodoviárias, o Brasil implementou parcerias público-privadas (PPPs) que melhoraram significativamente a qualidade das estradas e o nível de serviço. Como refere Vasconcellos (2011), “a lógica do planeamento regional integrado e a partilha de riscos com o sector privado têm assegurado maior eficiência na execução das obras”.

África do Sul: O National Transport Master Plan 2050 (NATMAP 2050) promove a integração multimodal dos transportes com enfoque na sustentabilidade, mobilidade inclusiva e inteligência viária. O país aposta fortemente em ITS – Intelligent Transport Systems, utilizando tecnologia para a gestão do tráfego e controlo do transporte de cargas.

China: Com o plano National Trunk Highway System, a China construiu uma das maiores redes de auto-estradas do mundo, aplicando uma abordagem baseada em planos quinquenais, forte investimento público e metas rigorosamente definidas.

  1. Proposta para um Plano Estratégico Rodoviário de Angola

Angola carece de um plano que una ambição, ciência, visão territorial e pragmatismo. Este plano deve assentar sobre sete pilares estratégicos:

  1. a) Diagnóstico Rigoroso e Territorializado

É fundamental realizar um levantamento técnico-geográfico actualizado, com mapeamento de toda a rede viária, avaliação do estado físico, análise do volume de tráfego e identificação das vias prioritárias para o desenvolvimento local, com base em critérios económicos e sociais.

  1. b) Definição de uma Visão Estratégica

“Construir uma rede rodoviária nacional segura, eficiente, digitalizada, resiliente e promotora da inclusão territorial até 2040.”

  1. c) Criação de Corredores de Desenvolvimento e Integração Regional

Desenvolver eixos de conectividade entre os portos (Luanda, Lobito, Namibe), as zonas produtivas (Planalto Central, Leste Agrário), os centros urbanos emergentes e os postos fronteiriços (Santa Clara, Luvo, Luau), promovendo a integração na SADC e o acesso competitivo aos mercados internacionais.

  1. d) Modelo de Financiamento Sustentável

Adoptar fontes de financiamento diversificadas e inovadoras: PPPs, Fundos Rodoviários Autónomos, emissão de obrigações (eurobondes de infra-estruturas), introdução de portagens inteligentes e mobilização de financiamento multilateral (BAD, Banco Mundial, Fundo Saudita, JICA).

  1. e) Introdução de Tecnologia e Sustentabilidade Ambiental

Utilização de materiais ecoeficientes, sistemas modernos de drenagem, gestão viária inteligente (ITS), plataformas digitais de manutenção e planeamento baseadas em SIG, e aposta na segurança rodoviária com formação e fiscalização eficaz.

  1. f) Planeamento em Fases

Curto Prazo (2025–2028): Reabilitação e sinalização de estradas prioritárias.

Médio Prazo (2029–2035): Expansão da rede estratégica e implementação de sistemas inteligentes.

Longo Prazo (2036–2040): Consolidação de uma malha rodoviária moderna, segura e sustentável em todo o território.

  1. g) Participação Multinível e Governança Integrada

As administrações provinciais e municipais devem ser protagonistas na identificação das prioridades locais, na monitorização das obras e na conservação das vias. A participação comunitária e a articulação interministerial são cruciais para o sucesso do plano.

  1. Conclusão: Pavimentar o Futuro com Visão e Coragem

Construir estradas é também construir cidadania, coesão e dignidade. Um plano estratégico rodoviário não pode ser um exercício tecnocrático — deve ser um compromisso com o futuro e um acto de justiça intergeracional. Como afirma Amartya Sen (1999), “a liberdade de deslocação e o acesso à infra-estrutura são dimensões centrais da liberdade para o desenvolvimento humano”.

Angola precisa de ultrapassar a lógica da obra pontual e avançar para uma estratégia nacional ambiciosa, com visão sistémica, rigor técnico e liderança firme. Que saibamos inspirar-nos nas boas práticas globais para trilhar caminhos próprios e seguros rumo ao progresso.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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