Análise
Angola precisa de estratégia, não de sorte
Num tempo em que a incerteza é o único elemento constante no cenário internacional, pensar estrategicamente já não é uma opção, mas uma necessidade vital. Os desafios contemporâneos à soberania, ao desenvolvimento e à estabilidade dos Estados impõem a adopção de métodos de análise e planeamento baseados em inteligência, prospectiva e articulação intersectorial. É neste contexto que os Estudos Estratégicos se afirmam como uma área do saber essencial e urgente, particularmente para Estados em desenvolvimento como Angola.
1. Uma Área em Crescimento e Diversificação
Os Estudos Estratégicos nasceram no seio das ciências militares e das relações internacionais, com forte inspiração na geopolítica e na teoria dos jogos. No entanto, como explica Barry Buzan, “a segurança internacional evoluiu da simples protecção militar para uma abordagem multidimensional que engloba política, economia, sociedade, ambiente e tecnologia” (People, States and Fear, 1991). Hoje, segurança significa também estabilidade alimentar, soberania digital, prevenção de desastres, defesa contra desinformação e protecção de infra-estruturas críticas.
É por isso que os Estudos Estratégicos se expandiram para novas frentes como terrorismo, cibersegurança, alterações climáticas, pandemias, conflitos híbridos e guerra de narrativas. Angola, como Estado soberano e com grandes ambições regionais, não pode ficar alheia a essa transformação.
2. A Ausência de Estratégia nas Políticas Públicas Angolanas
Em Angola, a falta de pensamento estratégico transversal é visível em várias frentes das políticas públicas.
1. Urbanismo e habitação: As políticas de realojamento após desocupações forçadas em Luanda não consideraram previamente os impactos sociais, económicos e ambientais dos reassentamentos. Faltou uma estratégia integrada de ocupação urbana sustentável baseada em dados e cenários futuros.
2. Gestão de catástrofes naturais: As cheias que afectam regularmente províncias como a Huíla e o Cunene revelam a ausência de planeamento estratégico ambiental. Não há sistemas de alerta precoce eficazes, nem planos de evacuação adaptados às realidades locais.
3. Cibersegurança e governação digital: Apesar da crescente digitalização dos serviços públicos, Angola ainda não tem uma estratégia nacional robusta de ciberdefesa nem de protecção de dados sensíveis, o que torna o Estado vulnerável a ataques cibernéticos, fraudes e espionagem digital.
4. Educação e inovação tecnológica: A dispersão de iniciativas isoladas e a fraca articulação entre o ensino superior e o mercado demonstram a ausência de uma estratégia nacional de inteligência científica e tecnológica que alinhe educação, investigação e desenvolvimento com os interesses estratégicos do Estado.
Como afirma Colin Gray, “a estratégia é o elo entre meios e fins, entre os recursos disponíveis e os objectivos políticos pretendidos” (Modern Strategy, 1999). Sem esse elo, as políticas públicas tornam-se improvisações, e o Estado perde a capacidade de coordenar a sua própria transformação.
3. Estratégia como Motor de Governança Moderna
O verdadeiro papel dos Estudos Estratégicos é fornecer ao Estado uma lente metodológica para planear, antecipar e agir com coerência. Como defende Eliezer Rizzo de Oliveira, “os Estudos Estratégicos ajudam a identificar vulnerabilidades, desenhar capacidades, e estabelecer prioridades de acção pública” (Estudos Estratégicos: Segurança e Defesa, 2010).
Veja-se o exemplo da Política Nacional de Defesa e Segurança de Moçambique, que incorporou desde cedo abordagens estratégicas para lidar com ameaças híbridas como a insurgência em Cabo Delgado. Ou ainda o Plano Estratégico de Segurança Alimentar do Ruanda, que articula agricultura, ciência e defesa nacional como dimensões de soberania.
Angola pode e deve desenvolver instrumentos similares como:
Planos estratégicos de soberania alimentar e energética,
Programas nacionais de inteligência territorial,
Modelos de defesa civil baseados em simulações e antecipações multirriscos,
Observatórios nacionais de ameaças e oportunidades geoestratégicas.
4. Estratégia como Cultura e não Apenas como Documento
Como bem disse o General francês André Beaufre, “a estratégia é a arte da dialéctica das vontades, usando a força para resolver conflitos.” Mas essa força hoje não se limita ao poder militar, é o conhecimento, a informação, a tecnologia, a narrativa e a capacidade de coordenação institucional.
Uma Nação só pode projectar poder quando pensa com profundidade, actua com coerência e planeia com visão. Por isso, é imperativo que os Estudos Estratégicos entrem no centro da formação de quadros públicos, militares, académicos e até empresários. Um dirigente que não pensa estrategicamente arrasta o Estado à improvisação permanente.
5. Conclusão: Estratégia para uma Angola Sustentável e Soberana
Angola precisa de pensar o seu futuro com lucidez estratégica. Isso significa transformar os Estudos Estratégicos em ferramentas vivas de apoio à decisão política, ao planeamento territorial, à governação digital, à diplomacia económica e à defesa da soberania.
Um Estado forte não se constrói apenas com recursos naturais ou discursos patrióticos. Constrói-se com visão estratégica, com quadros capacitados e com instituições que sabem onde estão, para onde vão e como proteger os seus interesses.
Como nos recorda Clausewitz, “a estratégia pertence à política, e é sua serva.” E sem uma política estratégica nacional, a independência torna-se apenas simbólica. Está na hora de pensar Angola com estratégia e fazer disso uma cultura de Estado.