Politica
Angola: avanços e retrocessos em tempos de Paz
Justiça e a imprensa são os segmentos da vida nacional que mais têm maculado o país. Mais recente relatório da Freedom House coloca Luanda entre as capitais “não” livres em todo mundo, no ”respeito pelos direitos políticos e liberdades civis”. O ‘sim’ do TC para a legalização de partidos de Florbela Malaquias e Dinho Chingunji, quando Abel Chivukuvuku é constantemente indeferido levanta suspeitas sobre o sistema judicial, 22 anos depois da assinatura de paz. Reconstrução foi o maior ganho.
Foi num dia como hoje, ensolarado, em 2002, que os generais Armando da Cruz Neto (pelas FAA/Governo) e Abreu Muengo Ukwachitembo ‘Kamorteiro’ (pela UNITA) assinavam os acordos de paz que vigoram há 22 anos ininterruptamente.
Neste ano, a província do Huambo acolhe o acto central das comemorações que decorre sob o lema: “4 de Abril: Juntos pelo Crescimento Inclusivo do País”.
De acordo com o roteiro das festividades elaborado pelo Ministério da Administração do Território, além deste acto, vão ser realizadas várias outras actividades a nível nacional e nas Missões Diplomáticas e Consulares angolanas para saudar a data.
Entretanto, para lá das comemorações organizadas pelas autoridades e diferentes organizações, cada 4 de Abril também tem sido para os angolanos analisarem o nível de progresso alcançado ao longo dos anos de calar das armas.
O balanço dos 22 anos de paz não é de todo mau ou bom. Tem havido progresso nalgumas áreas, mas Justiça e a Comunicação Social, que são os principais segmentos para o normal funcionamento dos Estados modernos, democráticos e de direito, têm estado muito aquém do que se espera, quer na perspectiva empírica, quer na perspectiva científica.
Até ao momento, 22 anos de paz associado a mais 30 anos de democracia, Angola ainda discute a forma como a imprensa pública deve cobrir os actos políticos e sociais, apesar de a lei do segmento e a Constituição da República delinearem a postura dos meios de comunicação social públicos.
Há ainda uma gritante falta de isenção e imparcialidade sobretudo nas coberturas de actos políticos que envolvem os partidos.
A nível da Justiça registou-se um aumento de evidências de corrupção entre os juízes dos tribunais superiores. A então presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gâmboa, foi convidada a demitir-se do cargo pelo Presidente da República, por alegadamente ter procurado forçar um ministro a colocar o seu nome entre os beneficiários de um projecto petrolífero.
À semelhança de Gâmboa, Joel Leonardo, juiz-presidente do Tribunal Supremo, é visado em vários processos de corrupção e chantagem. Entretanto, ao que tudo indica, ainda mantém a confiança política do Presidente João Lourenço.
Ao longo dos 22 anos de paz, diversos partidos e coligações eleitorais foram legalizadas pelo Tribunal Constitucional, mas entre estes, apenas a CASA-CE, que agora está com a sobrevivência em risco, deu mostras de ter vocação para o poder.
A forma de ser e de estar das organizações depende das suas lideranças. Ou seja, na perspectiva política, sobretudo para partidos não tradicionais, são os líderes que galvanizam as organizações, sendo que as massas vêm por arrasto. Foi assim com a CASA-CE, que teve Abel Chivukuvuku, um experimentado político, na sua frente, mas que em 2019 acabou demitido.
Abel Chivukuvuku, seguido por diversos cidadãos, já deu mostras, indirectas e directas, de que a sua missão de vida é vir a ser Presidente da República, e tudo tem feito para que o sonho se realize. A sua capacidade para se rodear dos melhores advogados do país, a sua popularidade e experiência política, abrem vaga para suspeição sobre o Tribunal Constitucional (TC), que tem barrado todos os seus esforços para legalizar o seu projecto político PRA-JA.
Ao Abel, o TC chegou a dizer, noutras palavras, que não havia conseguido recolher pouco mais de sete mil assinaturas para a legalização do partido, dado que boa parte das assinaturas colhidas eram falsas, além de seus advogados, constantemente, formularem erradamente os processos.
A suspeição sobre a Justiça neste caso em particular subiu de tom no momento em que o TC legalizou os partidos DJANGO, de Dinho Chingunji; e o PHA, de Florbela Malaquias, políticos cujos percursos políticos são pouco notórios.
Para muitos, ou o TC está a ser verdadeiramente rigoroso com Abel Chivukuvuku e não o terá sido com Chingunji e Malaquias, ou os advogados o têm enganado, por instrução de uma mão invisível.
Reconstrução Nacional
Apesar de a Freedom House ter colocado Luanda entre as capitais “não” livres em todo mundo, bem como os vícios citados acima, os 22 anos de paz não foram apenas marcados por ocorrências negativas.
No campo político, por exemplo, Angola vem cimentando a sua democracia com a realização regular de eleições.
O calar das armas tornou Angola um país de confiança para as potências económicas como a China, que não olharam a meios para conceder crédito ao país.
O gigante asiático acabou por ser o maior credor angolano. Com o crédito chinês, que Angola conseguiu fruto da paz, foram construídas e reabilitadas pontes destruídas pela guerra, caminhos-de-ferro, escolas e hospitais.
Pelo menos até Junho de 2016, de acordo com dados disponíveis, o Instituto Nacional de Estradas de Angola (INEA) contabiliza 12.400 quilómetros de estradas recuperados e, pelo menos, 800 em construção, enquanto as pontes construídas, segundo uma matéria do Valor Económico, estavam fixadas em 233.
No caso da linha ferroviária, os números estavam em 2.612 quilómetros completamente recuperados, além de 151 estações construídas de raiz, num investimento global de 3,5 mil milhões de dólares.
Ainda no quadro da construção e reconstrução do país, o Governo lançou o mais ambicioso projecto de habitação social, que são os Zango. Inicialmente foram concebidas parcas habitações na zona do Zango, e mais tarde o projecto estendeu-se para até o actual Zango 5.
Várias famílias que viviam em zonas de risco de desabamento de terra, e criminalidade, foram beneficiárias das habitações em causa. Além desse modelo social de moradias, foram também erguidas centralidades em quase todo o país.