Análise
Análise técnica sobre o futuro mediador no conflito do Leste da RDC: perspectivas e previsões
A decisão do Presidente angolano, João Lourenço, de cessar o seu papel de mediador directo entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda, para se concentrar nas responsabilidades institucionais enquanto Presidente da União Africana (UA), abre um vácuo estratégico num dos conflitos mais complexos do continente. A mediação angolana, enquadrada na Diplomacia de Luanda (2022-2023), conseguiu conter escaladas militares, mas não resolveu as causas estruturais do conflito, como a presença de grupos armados, a exploração ilegal de recursos e as tensões históricas entre Kigali e Kinshasa. A UA, seguindo o Artigo 10º do Regulamento da Assembleia, inicia agora um processo de consultas para designar um novo mediador, num contexto em que a violência no leste da RDC ameaça desestabilizar toda a região dos Grandes Lagos.
Factores Determinantes na Escolha do Mediador
Neutralidade Percebida: O mediador necessitará de legitimidade reconhecida por ambos os beligerantes. O Ruanda critica a UA por um suposto alinhamento pró-RDC, enquanto Kinshasa desconfia de atores regionais com laços económicos ou de segurança com Kigali.
2. Capacidade de Pressão e Influência: A eficácia dependerá da capacidade do mediador de articular incentivos (e.g., apoio económico) ou sanções implícitas, algo que Angola exercia através da sua influência na SADC e relações bilaterais com ambos os países.
3. Arquitetura Regional Existente: A mediação terá de harmonizar-se com iniciativas paralelas, como a Força da Comunidade da África Oriental (EACRF) e o Processo de Nairobi, além de evitar sobreposições com a MONUSCO (missão da ONU na RDC).
Potenciais Candidatos e Cenários
– África do Sul: Pretória, enquanto potência regional e membro influente da SADC, tem experiência em mediações complexas (e.g., Acordos de Sun City, 2002). Porém, a sua proximidade com a RDC (incluindo cooperação militar) pode gerar resistência ruandesa.
– *Quénia*: O Presidente William Ruto tem buscado protagonismo regional, mediando recentemente conflitos no Corno de África. A neutralidade queniana é relativa, dada a participação no EAC e tensões históricas com a Uganda, aliada do Ruanda.
– Senegal: Dakar, com tradição de estabilidade e diplomacia multilateral (e.g., ex-Presidente Macky Sall na UA), poderia emergir como candidato consensual, mas carece de influência direta na região.
– Painel dos Sábios da UA: A designação de uma figura consagrada (e.g., ex-chefes de Estado como Ellen Johnson Sirleaf ou Joaquim Chissano) permitiria uma abordagem técnica, mas sem o peso político de um Estado.
Desafios e Riscos
– Fragmentação de Iniciativas: A coexistência de múltiplos processos (UA, EAC, SADC) pode diluir esforços, exigindo uma coordenação reforçada.
– Interferências Externas: O Ruanda mantém relações estratégicas com potências como o Reino Unido (emigração de requerentes de asilo) e a RDC aproxima-se da China, o que pode internacionalizar o conflito.
– Tempo Político: A demora na nomeação (com consultas a 55 Estados) poderá agravar a insegurança, beneficiando grupos como o M23.
Previsões e Recomendações
É provável que a UA opte por um modelo híbrido: um mediador estatal apoiado por um painel técnico. A Tanzânia destaca-se como candidato sombra: membro da SADC e da EAC, com relações equilibradas com ambos os lados e experiência em operações de paz (e.g., SAMIM em Moçambique). Alternativamente, o Gabão (sob liderança de Ali Bongo, apesar da instabilidade interna) poderá ser proposto para projetar uma imagem de renovação pós-golpe.
A mediação só terá sucesso se integrar três pilares:
1. Abordagem Multissetorial: Combater não só a violência, mas também o tráfico de minerais e a governação local deficiente.
2. Envolvimento das Comunidades Locais: Incluir líderes étnicos e sociedade civil do Kivu para desarmar narrativas divisionistas.
3. Pressão Multilateral: Aliar a UA a parceiros como a CIRGL, a ONU e a União Europeia para assegurar financiamento e cumprimento de acordos.
Conclusão
A nomeação do novo mediador será um teste à capacidade da UA de afirmar-se como ator decisivo na resolução de conflitos, evitando a dependência de soluções externas. A escolha recairá sobre um Estado com capital político regional, mas sem histórico de rivalidade direta com as partes. A Tanzânia surge como favorita, mas surpresas não são descartáveis, como a ascensão de um pequeno Estado mediador (e.g., Botsuana) ou uma co-mediação liderada pela UA em parceria com a CEDEAO. O risco de estagnação permanece elevado, exigindo ação célere para evitar uma nova escalada.