Análise
Análise geral do primeiro dia do G20 em África
O primeiro dia deixou claro que estámos diante de um G20 muito diferente do formato tradicional. África não esteve apenas “presente”, esteve no centro. A África do Sul, ao acolher a cimeira e ao sincronizar o CwA 2.0 como evento paralelo de alto perfil, mandou um recado ao sistema internacional: o continente já não aceita ser palco de consensos importados; quer ser parte da arquitectura das decisões.
O ambiente político do primeiro dia foi moldado por três dinámicas macro:
1. Alemanha e África do Sul assumiram o comando narrativo.
Friedrich Merz, chanceler alemão, apostou pesado na narrativa de “reformas para investimento”, que é o ADN do Compact With Africa. Ramaphosa, por sua vez, utilizou o palco para reforçar que África precisa crescer, mas com soberania e com voz própria. Esta dupla é simbólica: Berlim quer estabilidade e previsibilidade; Pretória quer reconhecimento e poder.
É uma aliança pragmática, mas com uma mensagem clara, a Europa ainda quer estar em África, mas sabe que já não dita as regras sozinha.
2. Os Estados africanos entraram com confiança e discurso alinhado.
Ao contrário de versões anteriores, onde o continente aparecia fragmentado, o primeiro dia mostrou alguma coerência. Angola, Zâmbia, Quénia, Egipto e Gana bateram na mesma tecla: integração, reformas selectivas e atracção de investimento privado.
O facto de Angola e Zâmbia entrarem oficialmente no CwA eleva o número para 15 países, transformando-o num mecanismo “continental”. Isso dá peso político imediato ao bloco africano no G20, porque agora a conversação deixa de ser bilateral com a Alemanha, passa a ser multilateral dentro da UA.
3. O foco deslocou-se de dívidas para crescimento.
Durante anos, África foi olhada pelos fóruns internacionais como um problema de dívida. No primeiro dia deste G20, a narrativa virou: a ênfase está em crescimento económico, industrialização leve, energias verdes e empregos.
Isso não resolve nada de imediato, mas muda o enquadramento, e, em geopolítica, mudar o enquadramento é metade da batalha.
POSICIONAMENTO DE ANGOLA NO PRIMEIRO DIA
Angola jogou com cautela, mas com calculada intenção estratégica:
* Apareceu como país “reformista”, mesmo sem detalhar reformas.
* Aderiu ao CwA num momento em que isso dá grande visibilidade.
* Aposta na energia e estabilidade regional como moeda diplomática.
* Entra na fotografia certa: entre Alemanha, UA e África do Sul.
É soft power na versão angolana: pouca palavra técnica, muito simbolismo e foco na imagem de país responsável, cooperativo e “pronto para negócios”.
O QUE FICA CLARO DESDE JÁ
O primeiro dia mostra que este G20 não é apenas um encontro económico, é um ensaio para a redefinição da posição africana na ordem global.
A África do Sul afirma-se como líder diplomático continental. A Alemanha tenta recuperar espaço perdido para a China. E os países africanos aproveitam a rivalidade para aumentar margem de manobra.
No fim do dia, foi um arranque forte: muito discurso, pouca substância prática, mas enorme valor geopolítico. O tom está dado: África quer negociar de igual para igual, e os parceiros externos já não têm opção senão ajustar-se.