Análise
Análise geopolítica do impacto da falta de conhecimento de Donald Trump sobre a política doméstica de outros Estados
A abordagem de Donald Trump às relações internacionais, marcada por uma combinação de desconhecimento das dinâmicas políticas domésticas de outros Estados, informalidade descontextualizada e retórica muitas vezes desrespeitosa, tem gerado perturbações geopolíticas significativas.
A política externa dos Estados Unidos, historicamente ancorada num equilíbrio entre pragmatismo estratégico e diplomacia institucional, sofreu uma transformação abrupta sob Trump, cuja postura personalista e errática comprometeu a credibilidade americana, abriu espaço para rivais como a China e a Rússia e reconfigurou dinâmicas regionais. Esta análise examina o impacto desta conduta em várias regiões, destacando casos ilustrativos e as suas consequências para a liderança global dos EUA.
1. América Latina: Desvalorização do Brasil e Afastamento Regional
A declaração de Trump de que “o Brasil precisa dos EUA, mas os EUA não precisam do Brasil” reflecte uma simplificação grosseira das relações bilaterais. Ignorando o papel do Brasil como potência regional, líder no BRICS e parceiro comercial relevante, com uma economia diversificada, Trump subestima a interdependência económica e política. As tarifas impostas ao Brasil, combinadas com esta retórica, geraram tensões com um aliado histórico, incentivando o país a reforçar parcerias com a China, que já domina sectores como a soja e os minerais. Este afastamento fortalece a autonomia estratégica da América Latina, reduzindo a influência americana numa região crítica.
2. Ásia: Equívocos na Tailândia e no Japão
O envio de uma carta com ameaças tarifárias ao rei da Tailândia, cuja função é cerimonial e desprovida de poderes executivos, revela um desconhecimento básico da estrutura política tailandesa. Este erro compromete a percepção de racionalidade da diplomacia americana no Sudeste Asiático, uma região onde a China expande a sua influência através da Iniciativa Cinturão e Rota. A Tailândia, aliada de longa data dos EUA, pode reinterpretar a sua postura neutralista, inclinando-se para Beijing, que evita tais gafes. Da mesma forma, no Japão, os elogios de Trump a Kim Jong-un por “controlar o seu povo” durante uma visita oficial criaram embaraços para um aliado-chave, fragilizando a coesão da aliança EUA-Japão numa região marcada por tensões com a Coreia do Norte e a China.
3. África: Condescendência e Perda de Credibilidade
Num encontro com cinco chefes de Estado africanos na Casa Branca, o comentário de Trump ao presidente da Libéria, Joseph Boakai, elogiando o seu “bom inglês” numa nação onde o inglês é a língua oficial desde o século XIX foi interpretado como ignorante e paternalista. Este episódio, amplamente percebido como culturalmente insensível, reforça a narrativa de uma diplomacia americana hierárquica e ancorada em estereótipos raciais. Num continente que procura afirmar a sua dignidade e autonomia, tais comentários alienam parceiros estratégicos como a Libéria e criam oportunidades para a China e a Rússia, que oferecem parcerias sem tons condescendentes. A redução de ajuda americana a África, aliada a estas gafes, acelera o declínio da influência dos EUA em regiões como a África Ocidental.
4. Europa: Tensões com a NATO e o Reino Unido
Na Europa, a abordagem de Trump à NATO, exigindo aumentos de despesa militar sem considerar as restrições políticas e orçamentais dos Estados membros, gerou atritos. As críticas públicas à Alemanha, acusada de “não pagar o suficiente”, ignoram as complexidades domésticas alemãs, enfraquecendo a coesão da aliança. Igualmente, a resposta de Trump à divulgação de correspondência diplomática britânica, com ataques diretos ao embaixador do Reino Unido, comprometeu a confidencialidade diplomática e abalou as relações com um aliado crucial. Estes episódios incentivam países como França e Alemanha a investir na autonomia estratégica da UE, reduzindo a dependência dos EUA em questões de defesa.
5. Médio Oriente: Personalismo e Rivalidades Regionais
No Médio Oriente, a abordagem de Trump foi marcada por um personalismo que ignorou as sensibilidades políticas internas. O elogio a Mohammed bin Salman, sem considerar as críticas regionais às políticas sauditas, comprometeu a capacidade dos EUA de mediar conflitos, fortalecendo a posição do Irão, que explora estas falhas para expandir a sua influência. A retórica simplista de Trump, que desvaloriza as complexidades sectárias e políticas da região, limitou a eficácia da diplomacia americana.
6. Outros Casos de Informalidade Descontextualizada
A sugestão de Trump de que os EUA poderiam “comprar” a Gronelândia à Dinamarca, desrespeitando princípios de soberania, provocou indignação em Copenhaga e reforçou a perceção de uma diplomacia americana desprovida de seriedade. Da mesma forma, chamar o Primeiro-Ministro canadiano de “fraco” e “desonesto” durante negociações comerciais tensionou as relações com um vizinho estratégico, comprometendo a unidade do G7 e a cooperação económica no NAFTA.
Implicações Geopolíticas
A conduta de Trump tem consequências estruturais:
– Erosão do Soft Power Americano: A repetição de gafes e a linguagem ofensiva fragilizam a liderança moral dos EUA, corroendo a confiança de aliados em regiões estratégicas.
– Ascensão de Potências Rivais: A China e a Rússia capitalizam estes erros, apresentando-se como alternativas previsíveis e respeitosas, consolidando posições em África, Ásia e Médio Oriente.
– Isolamento dos EUA: A diplomacia transacional e desinformada de Trump aliena aliados, dificultando a formação de coligações em questões globais como segurança, comércio ou alterações climáticas.
– Instabilidade Regional: O desconhecimento das dinâmicas locais exacerba tensões, como nas relações com o Canadá ou a Dinamarca, e pode escalar conflitos em regiões sensíveis como o Médio Oriente.
– Quebra da Previsibilidade Diplomática: A transformação da diplomacia em espetáculo, guiada pelo improviso e pelo ego presidencial, mina décadas de construção institucional da imagem externa dos EUA.
Conclusão
A falta de conhecimento de Trump sobre as políticas domésticas de outros Estados, aliada à sua diplomacia informal e desrespeitosa, tem um impacto geopolítico profundo. Desde os equívocos com o Brasil e a Tailândia até à condescendência em África e às tensões com aliados europeus, a sua abordagem erode a credibilidade americana, fortalece rivais e fomenta a multipolaridade. Num mundo onde a influência depende de soft power e cooperação multilateral, a ausência de sensibilidade cultural e política de Trump compromete a liderança global dos EUA, com custos estratégicos duradouros.