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Análise geopolítica do estado actual das relações entre a Índia e o Paquistão

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As relações entre a Índia e o Paquistão atingiram, principalmente neste mês de Maio, um dos pontos mais críticos das últimas décadas, marcado por uma escalada de tensões diplomáticas e militares desencadeada pelo ataque terrorista de 22 de abril em Pahalgam, na Caxemira administrada pela Índia.

Este incidente, que resultou na morte de 26 pessoas, maioritariamente turistas hindus, intensificou o conflito histórico entre os dois países, ambos potências nucleares, levantando receios globais de uma confrontação de maiores proporções. O ataque de Pahalgam, atribuído pela Índia ao grupo The Resistance Front (TRF), uma ramificação do Lashkar-e-Taiba, com alegadas ligações ao Paquistão, foi o catalisador da crise. A Índia acusou o Paquistão de apoiar o terrorismo, com evidências apontando para a participação de Hashim Musa, um ex-comando paquistanês do Special Service Group, no ataque. O Paquistão negou envolvimento, classificando as acusações como propaganda e sugerindo que o ataque poderia ser uma operação de bandeira falsa.

A resposta indiana foi rápida e multifacetada. Em retaliação, a Índia suspendeu o Tratado das Águas do Indo (1960), fechou a fronteira de Attari-Wagah, expulsou diplomatas paquistaneses e lançou a “Operação Sindoor” a 6 de maio, com ataques de mísseis a nove alvos em território paquistanês, incluindo Muzaffarabad e Punjab, que a Índia alegou serem bases terroristas. O Paquistão reportou pelo menos oito mortos, incluindo civis, e classificou os ataques como um “acto de guerra”, prometendo retaliar. Em resposta, Islamabad suspendeu o Acordo de Simla (1972), fechou o espaço aéreo a voos indianos, cortou o comércio bilateral e anunciou preparativos para uma resposta militar.

Desde então, confrontos esporádicos ao longo da Linha de Controlo (LoC) na Caxemira intensificaram-se, com trocas de fogo e mobilização militar de ambos os lados. A Índia realizou exercícios de defesa civil em sete estados, algo não visto desde 1971, enquanto o Paquistão colocou suas forças em alerta máximo.

Implicações Geopolíticas e Geoestratégicas

A crise actual insere-se num contexto de rivalidade histórica entre a Índia e o Paquistão, enraizada na partição de 1947 e na disputa pela Caxemira, que já levou a três guerras (1947, 1965 e 1971) e vários confrontos menores, como os de Uri (2016) e Pulwama (2019). A Caxemira permanece um ponto de inflamação, com a Índia considerando a região parte integrante de seu território e o Paquistão defendendo um plebiscito da ONU para determinar seu futuro.

Geopoliticamente, a crise reflecte alinhamentos regionais em mutação. A Índia, sob Narendra Modi, afastou-se da sua tradicional não-alinhamento, fortalecendo laços com os EUA e outros parceiros ocidentais, enquanto reduz a dependência de armamento russo. O Paquistão, por outro lado, aprofundou sua parceria com a China, que fornece a maior parte de seu equipamento militar. Esta polarização Índia com os EUA e Paquistão com a China transforma o conflito numa extensão de rivalidades globais, aumentando os riscos de escalada.

A suspensão do Tratado das Águas do Indo é particularmente preocupante. O Paquistão depende dos rios Indo, Jhelum e Chenab, controlados upstream pela Índia, para 80% de sua agricultura irrigada. Relatos de manipulação de barragens indianas, como a libertação de águas do rio Jhelum sem notificação, causaram inundações em Muzaffarabad, enquanto a redução do fluxo no rio Chenab gerou seca em Sialkot. Islamabad considera estas acções um “acto de guerra”, o que eleva o potencial de conflito para além do militar.

Índia e Paquistão no Panorama Internacional

A Índia consolidou-se como uma potência emergente, com uma economia em crescimento e influência crescente em fóruns globais como o G20 e os BRICS. A sua parceria estratégica com os EUA, focada em contrabalançar a China, dá-lhe apoio tácito em crises como esta, embora Washington tenha evitado criticar directamente o Paquistão. O Paquistão, por sua vez, enfrenta desafios internos, incluindo uma economia fragilizada e instabilidade política, o que limita sua capacidade de projecção internacional. No entanto, a sua aliança com a China e laços com países do Golfo conferem-lhe alguma resiliência diplomática.

A comunidade internacional tem apelado à contenção. A ONU, através de António Guterres, ofereceu mediação, enquanto países como a China, Rússia, Irão, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido pediram desescalada. A Turquia expressou apoio ao Paquistão, e Israel alinhou-se com a Índia, destacando a complexidade das alianças regionais. Os EUA, sob a administração Trump, adoptaram uma postura ambígua, com o Presidente minimizando a crise, mas o Secretário de Estado Marco Rubio mantendo contactos com ambos os lados.

Pontos Positivos de uma Possível Desescalada

1. Mediação Internacional: A pressão de actores como a ONU, EUA e China pode facilitar negociações, como ocorreu em crises anteriores (ex.: Pulwama, 2019). A oferta de mediação do Irão é um sinal positivo.

2.Interdependência Regional: A suspensão de acordos como o Tratado das Águas do Indo afecta ambos os lados, incentivando negociações para restaurar o status quo.
3. Histórico de Resiliência: Apesar de crises recorrentes, Índia e Paquistão evitaram guerras totais desde 1971, sugerindo uma capacidade de recuo táctico em momentos críticos.
4. Interesses Económicos: A Índia, focada em crescimento económico, e o Paquistão, em recuperação financeira, têm incentivos para evitar um conflito prolongado que prejudicaria ambos.

Desafios

1. Risco de Escalada Nuclear: Ambos os países possuem arsenais nucleares, e a retórica beligerante aumenta o risco de erro de cálculo. Em 2019, movimentos de arsenais nucleares já alarmaram os EUA.
2. Pressão Interna: O governo nacionalista de Modi enfrenta pressão doméstica para retaliar duramente, enquanto o Paquistão, sob liderança militar influente, não pode parecer fraco.
3. Falta de Canais de Comunicação: A expulsão mútua de diplomatas e a suspensão de acordos bilaterais dificultam o diálogo, aumentando o risco de mal-entendidos.
4. Desconfiança Mútua: Décadas de hostilidade, agravadas por acusações de apoio a insurgências (ex.: Balochistão pelo Paquistão contra a Índia), tornam a confiança um obstáculo significativo.

Conclusão

A crise entre Índia e Paquistão em maio de 2025 é um reflexo de tensões históricas agravadas por dinâmicas geopolíticas modernas. A escalada militar e diplomática, impulsionada pelo ataque de Pahalgam e pelas respostas retaliatórias, coloca a região à beira de um conflito com implicações globais. Embora a pressão internacional e os interesses económicos possam facilitar a desescalada, os desafios estruturais desconfiança, nacionalismo e rivalidades externas – exigem uma abordagem cautelosa. Para Angola, que mantém relações cordiais com ambos os países, a crise sublinha a importância de uma diplomacia equilibrada, especialmente considerando a parceria recente com a Índia. A comunidade internacional deve priorizar canais de diálogo para evitar uma catástrofe, enquanto Índia e Paquistão precisam reconhecer que, num ambiente nuclear, o custo de um conflito supera qualquer ganho estratégico.

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