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Análise

Análise do impacto das novas tarifas de Trump na realidade angolana e razões do silêncio governamental

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Contexto Global das Tarifas Recíprocas de Trump

A administração Trump reinstaurou uma política comercial proteccionista, instituindo tarifas recíprocas baseadas na premissa de “reciprocidade assimétrica”. Segundo o plano, os EUA aplicam metade das taxas que alegam ser cobradas aos seus produtos por outros países, com um piso de 10% . Países como a China (34%), União Europeia (20%) e Vietname (46%) foram alvos de sobretaxas significativas, enquanto Angola recebeu uma tarifa de 32%, justificada pela suposta taxa angolana de 63% sobre produtos norte-americanos, incluindo manipulação cambial e barreiras não tarifárias.

Esta estratégia visa reequilibrar défices comerciais e forçar realinhamentos produtivos globais, mas gera riscos inflacionários e fragmentação nas cadeias de suprimentos .

Impacto Directo em Angola: Uma Análise Estrutural

Dependência do Petróleo e Isenção Relativa

Angola exporta principalmente petróleo para os EUA (≈783,7 milhões USD em 2024), um produto isentado das novas tarifas devido à sua classificação estratégica . Assim, o impacto imediato é mitigado, já que 95% das exportações angolanas para os EUA concentram-se neste sector . Contudo, produtos não petrolíferos (como minerais ou agrícolas) enfrentariam a taxa de 32%, mas representam uma parcela mínima do comércio bilateral .

Fragilidade da Diversificação Económica

A economia angolana permanece hiperdependente do petróleo (≈90% das exportações totais), o que a torna vulnerável a flutuações externas, mas paradoxalmente a protege parcialmente neste cenário. A falta de diversificação produtiva limita a exposição a tarifas setoriais, mas também reflete uma incapacidade crónica de integrar-se em cadeias de valor globais além do extractivismo .

Relações Comerciais com os EUA: Declínio Histórico

Nas últimas décadas, os EUA deixaram de ser o principal destino do petróleo angolano (substituídos pela China e Ásia), com as importações norte-americanas caindo 51% entre 2012 e 2024 . Este distanciamento reduz a relevância estratégica imediata das tarifas, ainda que simbolicamente reforcem a marginalização de Angola no comércio global .

Porque o Governo Angolano Não se Manifestou Até ao Momento?

Impacto Económico Limitado
O impacto das tarifas é mínimo devido à isenção do petróleo e à baixa diversificação exportadora. Governos tendem a priorizar respostas a crises imediatas, e neste caso, a ameaça é percebida como secundária .

Estratégia de Não Escalada
Angola, como economia periférica, evita confrontos directos com potências como os EUA. Uma declaração crítica poderia prejudicar futuras negociações ou acesso a financiamento internacional (ex: FMI, Banco Mundial), essenciais para a frágil economia angolana .

Foco em Parcerias Alternativas

O alinhamento com a China (≈16 mil milhões USD em exportações em 2024) e a Rússia oferecem maior segurança geoeconómica. Luanda pode estar a privilegiar consolidar estas relações em detrimento de reagir a medidas pontuais dos EUA .

Contexto Interno Prioritário

O governo enfrenta desafios domésticos urgentes: inflação (≈30% em 2024), desvalorização do kwanza, e pressões sociais. A prioridade é estabilizar a economia interna, não gerir disputas comerciais distantes .

Diplomacia Silenciosa e Canais Bilaterais

É possível que haja interlocuções discretas através de embaixadas ou organismos multilaterais (ex: CPLP), evitando exposição midiática. Países como Moçambique e Guiné Equatorial, também afetados, igualmente não se pronunciaram publicamente .

4. Riscos e Oportunidades Futuras

Pressão para Reformas Estruturais

As tarifas podem acelerar debates internos sobre diversificação económica, modernização industrial e redução de barreiras burocráticas ainda que a implementação prática seja lenta devido a corrupção e ineficiências .

Alinhamento com Blocos Regionais

Angola poderá buscar maior coordenação com a SADC ou a CPLP para negociar colectivamente com os EUA, seguindo o exemplo do Brasil, que aprovou legislação para retaliar via propriedade intelectual .

Vulnerabilidade a Novas Medidas

Se os EUA expandirem tarifas a sectores como gás natural ou diamantes (ainda isentos), Angola enfrentaria pressões adicionais, exigindo respostas mais assertivas .

Conclusão

A administração Trump exacerbou tensões comerciais globais, mas o impacto em Angola é atenuado pela estrutura económica monoexportadora e isenções estratégicas. O silêncio governamental reflecte cálculo pragmático: priorizar estabilidade interna e parcerias alternativas, evitando antagonizar os EUA desnecessariamente. Contudo, a longo prazo, a dependência do petróleo e a falta de integração comercial diversificada mantêm Angola vulnerável a choques geopolíticos futuros.

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