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Análise

AIAAN: quando a infra-estrutura de classe mundial falha na mobilidade básica

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A recente inauguração do AIAAN (Aeroporto Internacional António Agostinho Neto) representa um marco significativo no desenvolvimento da infra-estrutura nacional em Angola. A sua concepção e construção refletem elevados padrões arquitectónicos e tecnológicos, com painéis de vidro amplos, escadas rolantes modernas, áreas de embarque e desembarque amplas, e equipamentos de última geração. Este investimento demonstra a capacidade do país de realizar projectos de grande escala, alinhados com padrões internacionais.

Contudo, um aeroporto internacional não é apenas a materialização de uma obra imponente; é um sistema complexo, cuja eficácia depende da integração entre o terminal, os serviços de transporte, a segurança, a acessibilidade urbana e a experiência do passageiro. A ausência de uma abordagem integrada revela-se como um desafio significativo e oferece uma oportunidade para analisar lições de planeamento, gestão e governação de infra-estruturas estratégicas.

1. O Terminal e a Experiência do Passageiro

O terminal do AIAAN apresenta características modernas e tecnologicamente avançadas, tornando-se um ponto de referência visual e um exemplo de inovação arquitectónica. No entanto, a experiência do passageiro depende não apenas das condições internas do terminal, mas também de factores externos, como acesso, transporte, segurança, disponibilidade de alojamento e serviços de apoio.

Richard de Neufville e Amedeo Odoni, em Airport Systems: Planning, Design and Management, enfatizam que “o acesso terrestre ao aeroporto e a ligação à rede de transportes públicos são tão importantes quanto o terminal em si” (Neufville & Odoni, 2013). Isto significa que um aeroporto moderno pode ser tecnicamente impecável, mas, sem transporte adequado e seguro, o seu funcionamento operacional fica comprometido.

No contexto do AIAAN, a suspensão da ligação ferroviária, a indisponibilidade de transportes públicos fora do horário das 07h30 às 22h00 e a limitada oferta de transporte privado dificultam a mobilidade dos passageiros. Tal cenário afeta directamente a experiência e a satisfação dos utilizadores, prejudicando a perceção de eficiência do aeroporto e da gestão pública associada.

2. Transporte e Acessibilidade: A Última Milha

O transporte terrestre, designado como land-side operations, é crucial para a operacionalidade de qualquer aeroporto internacional. Engloba todos os meios de deslocação, desde o estacionamento de veículos até às ligações ferroviárias, rodoviárias e de transporte público, garantindo que os passageiros possam aceder ao terminal de forma segura, eficiente e cómoda.

Bent Flyvbjerg, em Megaprojects and Risk: An Anatomy of Ambition, alerta que “os riscos operacionais e sociais são frequentemente subestimados nos grandes projectos públicos, enquanto se concentra atenção apenas na dimensão visível e no investimento financeiro” (Flyvbjerg, 2003). No contexto do AIAAN, verifica-se que, embora o terminal físico esteja concluído, os aspectos de transporte e acessibilidade permanecem insuficientes, criando obstáculos significativos para os passageiros.

A ausência de transporte público contínuo e a dependência de táxis por aplicativo com tarifas elevadas aumentam os custos para os passageiros e limitam a acessibilidade, sobretudo para aqueles com menor capacidade financeira. O planeamento de infra-estruturas aeroportuárias deve considerar todos os cenários de deslocação, incluindo horários nocturnos e picos de tráfego, garantindo segurança e eficiência operacional.

3. Integração Urbana e Planeamento Territorial

Um aeroporto internacional não pode ser considerado isoladamente; deve ser integrado num sistema urbano e regional que inclua transportes, logística, serviços de apoio, habitação e segurança. A integração urbana assegura que o aeroporto funcione como um elemento estruturante da mobilidade regional, contribuindo para o desenvolvimento económico e social local.

Estudos sobre aeroportos internacionais de referência, como o Yogyakarta International Airport (Indonésia), indicam que a previsão de rotas de transporte acessíveis, número adequado de veículos, estacionamento suficiente e serviços de apoio ao passageiro é essencial para a operação eficiente do aeroporto (IETA, 2021). A integração urbana e territorial adequada minimiza impactos negativos, melhora a experiência do passageiro e aumenta a eficácia operacional do terminal.

No caso do AIAAN, estas lacunas ainda existem. A ausência de transporte público contínuo, a limitada oferta de transporte privado e a escassez de serviços de alojamento próximos constituem factores críticos que comprometem a plena funcionalidade da infra-estrutura.

4. Impacto Económico e Social da Falta de Planeamento

A construção de um aeroporto internacional sem planeamento integrado gera impactos económicos e sociais relevantes. Do ponto de vista económico, a falta de acessibilidade limita a atracção de passageiros e investidores, comprometendo a capacidade do aeroporto de gerar receitas consistentes através de taxas aeroportuárias, serviços comerciais e turismo.

Do ponto de vista social, a experiência do passageiro é directamente afetada. A falta de transporte adequado aumenta os custos de deslocação, limita a mobilidade de passageiros com menor capacidade financeira e aumenta a exposição a riscos de segurança. Flyvbjerg destaca que “o custo social e operacional de mega-projectos pode ser significativo quando se negligenciam detalhes operacionais e sociais” (Flyvbjerg, 2003).

Além disso, a ausência de alojamento próximo e serviços complementares reduz a competitividade do aeroporto no contexto regional, tornando-o menos atrativo em comparação com infra-estruturas de referência internacional, que privilegiam a experiência completa do passageiro.

5. Lições para a Gestão de Projectos e Planeamento Urbano

1. Infra-estrutura deve ser funcional e acessível
Um aeroporto moderno só cumpre plenamente o seu papel quando o acesso dos passageiros é seguro, eficiente e disponível em qualquer horário. O investimento físico deve ser acompanhado de sistemas de transporte, estacionamento, segurança e serviços complementares.

2. Integração urbana e territorial é essencial
Como indicam Neufville & Odoni, “regional airport access, parking and transport connection are integral components of airport planning” (Neufville & Odoni, 2013). A integração urbana permite que o aeroporto funcione como parte do sistema de mobilidade regional, aumentando a sua utilidade e eficiência operacional.

3. Planeamento de mega-projectos exige atenção aos detalhes operacionais e sociais
Flyvbjerg salienta que a negligência de riscos operacionais e sociais compromete o sucesso de projectos estratégicos (Flyvbjerg, 2003). A governação de infra-estruturas deve considerar não apenas o investimento financeiro, mas também a experiência do utilizador e o impacto social.

4. Segurança e serviços complementares devem ser prioritários
A acessibilidade deve incluir transportes seguros, disponibilidade de alojamento próximo, serviços de alimentação e apoio logístico aos passageiros. Estes elementos são determinantes para garantir a funcionalidade e competitividade do aeroporto a nível internacional.

5. Monitorização e avaliação contínua do desempenho
A eficácia de um aeroporto deve ser avaliada regularmente, com base em indicadores de acessibilidade, segurança, satisfação do passageiro e impacto económico. A implementação de planos de melhoria contínua é fundamental para manter padrões internacionais de qualidade.

Finalmente, é importante referir que o AIAAN (Aeroporto Internacional António Agostinho Neto) representa um marco de modernidade e investimento para Angola, evidenciando capacidade técnica e arquitectónica. Contudo, para que este investimento se traduza em benefícios reais e sustentáveis, é imprescindível que o terminal seja plenamente integrado com os sistemas de transporte, serviços urbanos e segurança, e que a experiência do passageiro seja considerada em todas as fases do planeamento e operação.

O sucesso de um aeroporto internacional não se mede apenas pela imponência física ou pelo nível tecnológico, mas pelo funcionamento eficiente do sistema como um todo, garantindo acessibilidade, segurança, conforto e conveniência aos passageiros. A atenção aos detalhes operacionais, à integração urbana e à experiência do utilizador é determinante para transformar um investimento significativo em um instrumento efetivo de desenvolvimento económico e social.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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