Opinião
Água em Angola: o desperdício de um recurso abundante ou a falta de estratégia?
O acesso à água potável é um dos desafios mais prementes em Angola, um país que, apesar de possuir vastos recursos hídricos, enfrenta dificuldades significativas na sua distribuição e gestão. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), grande parte da população ainda carece de acesso regular a fontes seguras de água, especialmente nas zonas rurais e periurbanas. A rápida urbanização, aliada à escassez de infra-estruturas adequadas e ao desperdício generalizado, torna a questão hídrica um tema central nas políticas públicas do país.
A Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL) tem sido o principal agente responsável pelo abastecimento de água na capital e noutras grandes cidades, mas enfrenta desafios estruturais e operacionais que comprometem a distribuição contínua. A recente inauguração da nova estação de tratamento do Rio Lucala, que permitirá o fornecimento de água potável 12 horas por dia à cidade de Ndalatando, representa um avanço significativo. Contudo, essa solução isolada não resolverá o problema de fundo se não for acompanhada por estratégias sustentáveis de distribuição e uso racional.
A dependência exclusiva das infra-estruturas centrais da EPAL tem demonstrado ser insustentável a longo prazo. Além das limitações técnicas e financeiras, o desperdício de água nas redes de distribuição e o consumo irresponsável agravam ainda mais o problema. Torna-se, portanto, imperativo repensar a estratégia de gestão da água no país, combinando iniciativas locais de tratamento e distribuição com modelos descentralizados e sustentáveis, especialmente adaptados às realidades das comunidades mais vulneráveis.
Ademais, torna-se urgente propor uma nova arquitectura ministerial que responda eficazmente aos problemas do acesso à água e ao saneamento básico. O actual modelo institucional revela-se fragmentado, pouco funcional e incapaz de acompanhar a complexidade dos desafios contemporâneos. Uma reestruturação governamental que integre, de forma coordenada, os sectores da água, ambiente, habitação e saúde pública poderá proporcionar uma abordagem mais holística e eficiente, evitando sobreposições de competências e promovendo maior accountability e celeridade nas respostas às comunidades.
1. Um Recurso Valioso e Mal Gerido
Angola, apesar de ser um país rico em recursos hídricos, enfrenta desafios estruturais na sua distribuição. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o acesso à água potável é um direito fundamental, mas a realidade angolana ainda está distante desse ideal. O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos destaca que o desperdício de água ocorre não apenas pela deterioração das infra-estruturas, mas também pelo uso inadequado por parte da população.
A construção de estações de tratamento é fundamental, mas a sua eficácia depende de uma gestão eficiente e da implementação de políticas de sensibilização sobre o uso racional da água. De acordo com Gleick (1998), a gestão sustentável da água deve envolver planeamento estratégico, manutenção preventiva das infra-estruturas e um esforço educacional para que a população compreenda a importância da preservação deste recurso.
Ademais, a problemática do desperdício da água não se limita à esfera doméstica. A agricultura, que consome a maior parte dos recursos hídricos do país, precisa de modernizar os seus sistemas de irrigação, substituindo métodos rudimentares por tecnologias mais eficientes, como a irrigação por gotejamento. A indústria também tem um papel preponderante, devendo adoptar políticas mais rigorosas de reutilização e reciclagem da água. A nível municipal, perdas consideráveis ocorrem devido a redes obsoletas, que resultam em vazamentos constantes e na degradação do abastecimento.
2. Consumo Consciente e Sustentabilidade
A cidade de Ndalatando, com o novo sistema de abastecimento, terá um alívio temporário, mas a continuidade desse fornecimento depende de um uso consciente. Ostrom (1990) argumenta que bens comuns, como a água, precisam de governança colaborativa para evitar a exploração excessiva e garantir equidade na distribuição. Para isso, Angola precisa investir em tecnologia para monitorização do consumo, detecção de vazamentos e modernização das redes de distribuição, além de políticas públicas que incentivem a economia de água.
A urbanização acelerada e o crescimento populacional em várias regiões do país pressionam ainda mais os sistemas de abastecimento. Estudos de Rogers, Silva e Bhatia (2002) apontam que a precificação justa da água pode ser uma estratégia para reduzir desperdícios, mas essa medida deve ser acompanhada de subsídios para as populações mais vulneráveis. A sensibilização da população para o uso racional da água deve ser prioridade, e campanhas educativas devem ser implementadas desde o ensino primário para que a consciência ambiental seja construída desde cedo.
3. Um Modelo Insustentável
Há também uma percepção generalizada de que a EPAL deve garantir o fornecimento de água 24 horas por dia, sete dias por semana. No entanto, essa expectativa ignora a realidade da capacidade hídrica e das infra-estruturas disponíveis, tornando esse modelo insustentável a longo prazo. Como alertam Ward e Pulido-Velázquez (2008), a gestão ineficaz da água compromete não apenas a distribuição actual, mas também a disponibilidade futura do recurso. Para evitar colapsos no sistema, é necessário um equilíbrio entre oferta e procura, com horários programados de fornecimento e políticas de consciencialização que promovam o consumo responsável.
Além disso, o problema do acesso à água está intrinsecamente ligado à falta de investimento na manutenção das redes de distribuição. Muitas canalizações são antigas e ineficientes, desperdiçando grandes quantidades de água antes que esta chegue ao consumidor final. O investimento na renovação dessas infra-estruturas deve ser prioridade para assegurar um abastecimento contínuo e de qualidade.
4. Alternativas Sustentáveis
Diante desses desafios, o governo deve mobilizar outras formas de tratamento de água a nível municipal, permitindo que soluções descentralizadas complementem as estruturas macro da EPAL. Nos municípios, pequenas estações de purificação, dessalinização em zonas costeiras e sistemas de reaproveitamento da água da chuva podem fortalecer o abastecimento local. Nas zonas rurais, é essencial avançar com métodos sustentáveis adaptados às realidades locais, como a perfuração de poços comunitários, o uso de filtros biológicos e tecnologias de captação solar para purificação. Essas iniciativas garantiriam maior resiliência hídrica e reduziriam a dependência exclusiva dos sistemas centrais.
A academia também deve ser chamada a desempenhar um papel estratégico na procura de alternativas inovadoras para o problema da água em Angola. As universidades e centros de investigação têm capacidade para estudar as características hídricas de cada região, propor tecnologias adequadas e desenvolver projectos-piloto de gestão comunitária. A produção de conhecimento científico, associada a políticas públicas bem delineadas, pode transformar a forma como o país gere os seus recursos hídricos.
Além das infra-estruturas, é necessário desenvolver políticas públicas que incentivem a utilização racional da água, por meio de programas de incentivos para empresas e residências que adoptem práticas sustentáveis. Experiências internacionais demonstram que a introdução de medidores inteligentes e tarifas progressivas pode levar à redução do consumo e evitar desperdícios desnecessários.
Finalmente, a nova estação de tratamento do Rio Lucala simboliza um avanço importante, mas não pode ser vista como uma solução isolada. É necessário um compromisso contínuo do governo, da sociedade civil, das instituições académicas e das empresas para garantir que a água seja distribuída de maneira equitativa e sustentável. O desperdício de água em Angola deve ser combatido com acções concretas, pois, como afirmam Ward e Pulido-Velázquez (2008), a gestão ineficaz da água compromete o desenvolvimento económico e social de um país.
Assim, a estratégia de distribuição de água em Angola precisa evoluir de forma integrada, combinando infra-estruturas, educação, inovação tecnológica e conhecimento científico para assegurar que este recurso vital esteja disponível para todos, hoje e no futuro. O país necessita de um novo paradigma institucional e administrativo, capaz de articular os diversos actores e promover soluções flexíveis, inclusivas e adaptadas às necessidades específicas de cada região.
A criação de uma nova arquitectura ministerial, com maior capacidade técnica e operacional, poderá constituir um marco decisivo para a resolução efectiva dos problemas de abastecimento e saneamento. Esta estrutura deve ser capaz de coordenar políticas públicas transversais, mobilizar financiamento internacional, fomentar parcerias público-privadas e assegurar a participação das comunidades locais nos processos decisórios. Só assim se poderá garantir a universalização do acesso à água potável e a implementação de um modelo de desenvolvimento sustentável e justo.
A água é um bem precioso, e o seu uso racional deve ser uma prioridade nacional. A mudança começa com políticas estruturadas, investimentos inteligentes e, sobretudo, com a consciencialização de todos os cidadãos de que cada gota conta. Angola tem os meios naturais e humanos para superar este desafio; o que falta é uma vontade política coesa e uma acção governativa estratégica, sustentada em conhecimento, inovação e compromisso social.
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