Opinião
Administração Pública em Angola: terra sem direitos ou sem denúncias?
A promoção dos Direitos Humanos na Administração Pública não deve ser vista como um simples discurso político ou uma formalidade burocrática, mas sim como um compromisso inegociável com a dignidade humana, a equidade e a justiça social. Como destaca Norberto Bobbio (1992), “os direitos do homem são direitos históricos, isto é, nascem em certas circunstâncias como resposta a situações de opressão”. No contexto angolano, onde a Administração Pública desempenha um papel crucial na vida dos cidadãos, é imperativo não só garantir o respeito pelos direitos fundamentais, mas também criar mecanismos eficazes para denunciar violações, assegurando transparência e responsabilização dos infractores.
A Realidade da Administração Pública e os Desafios dos Direitos Humanos
Apesar dos avanços normativos registados nos últimos anos, a prática administrativa em Angola ainda enfrenta desafios significativos no que diz respeito ao respeito pelos Direitos Humanos. Desde assédio moral e sexual no local de trabalho, abuso de autoridade, discriminação no acesso a serviços públicos, até actos de corrupção que minam a confiança da população nas instituições, a lista de violações continua extensa.
Amartya Sen (1999) enfatiza que “o desenvolvimento deve ser avaliado em termos de expansão das liberdades substantivas das pessoas”, o que inclui a garantia de que todos os cidadãos possam usufruir dos serviços públicos sem enfrentar barreiras impostas por práticas ilegais. No entanto, a ausência de canais de denúncia seguros e eficazes faz com que muitas irregularidades permaneçam impunes.
Hannah Arendt (1973) alerta para um fenómeno preocupante quando afirma que “a banalidade do mal reside na aceitação silenciosa de práticas injustas”. Em Angola, essa realidade manifesta-se no comportamento de muitos cidadãos e servidores públicos que, por receio ou conformismo, aceitam como normal determinadas práticas que, na verdade, representam graves violações dos Direitos Humanos e da ética administrativa.
A Importância da Denúncia e a Construção de uma Cultura de Responsabilização
Criar e fortalecer mecanismos de denúncia acessíveis, seguros e eficazes é essencial para garantir maior transparência e reforçar a boa governação no país. Como enfatiza Boaventura de Sousa Santos (2003), “o direito só se torna emancipatório quando é apropriado pelas comunidades e transformado em instrumento de luta contra a exclusão”. Dessa forma, torna-se imprescindível a implementação de:
1. Canais anónimos de denúncia, que permitam aos cidadãos e servidores públicos reportar casos de violação sem receio de represálias.
2. Protecção legal efectiva para denunciantes, assegurando que aqueles que têm coragem de expor irregularidades não sejam perseguidos ou alvo de retaliações. John Rawls (1971) defende que “a justiça exige que as instituições protejam os mais vulneráveis”, e entre esses vulneráveis estão aqueles que denunciam a corrupção e os abusos administrativos.
3. Investigação rigorosa e responsabilização dos infractores, garantindo que os autores de violações sejam efectivamente sancionados e que os cidadãos percebam que a denúncia gera consequências.
4. Sensibilização e capacitação dos funcionários públicos, para que estes se tornem agentes activos na promoção de uma cultura de Direitos Humanos dentro das instituições do Estado.
Com a implementação destas medidas, a Administração Pública poderá tornar-se um ambiente institucional mais íntegro, transparente e alinhado com os princípios democráticos para assegurar que a dignidade do cidadão esteja sempre no centro das políticas e práticas administrativas.
O Papel da Administração Local do Estado
No contexto da Administração Local do Estado, onde o contacto entre as instituições públicas e os cidadãos é mais directo, a implementação de políticas públicas voltadas para os Direitos Humanos deve ser uma prioridade absoluta. Infelizmente, muitos dos problemas enfrentados pelos cidadãos angolanos ocorrem justamente ao nível das administrações municipais e comunais, onde a burocracia excessiva, o nepotismo e a corrupção ainda representam sérios obstáculos ao exercício pleno da cidadania.
Para reverter esse quadro, os governos locais devem investir na digitalização dos serviços, reduzindo as oportunidades de corrupção e tornando os processos administrativos mais transparentes e acessíveis. Além disso, devem ser criados centros de atendimento ao cidadão, onde as pessoas possam apresentar queixas, solicitar informações e acompanhar o andamento dos seus processos sem necessidade de intermediários ou pagamentos indevidos.
Celso Lafer (1988) salienta que “a democracia depende da institucionalização de espaços onde os cidadãos possam exigir e exercer os seus direitos”. Nesse sentido, a participação da sociedade civil é um elemento fundamental para a fiscalização e monitorização das acções da Administração Pública. A criação de conselhos municipais de transparência e Direitos Humanos pode ser uma alternativa viável para garantir que as políticas públicas sejam efectivamente implementadas e que os cidadãos tenham voz na tomada de decisões.
Compromisso com a Mudança e a Construção de um Futuro mais Justo
Para que Angola avance no caminho da democracia e da boa governação, é fundamental que a Administração Pública se torne um exemplo de integridade, transparência e respeito pelos Direitos Humanos. A cultura da denúncia não pode ser encarada como um acto de perseguição ou traição, mas sim como um instrumento essencial para garantir justiça e desenvolvimento sustentável.
Dworkin (1977) alerta que “os direitos individuais não podem ser sacrificados em nome da conveniência administrativa”, e, por isso, não podemos aceitar que práticas ilegais e injustas continuem a ser toleradas dentro das instituições públicas. A mudança exige o compromisso de todos:
Dos cidadãos, que devem recusar-se a compactuar com actos de corrupção e abusos administrativos;
Dos funcionários públicos, que devem adoptar uma postura ética e denunciar irregularidades dentro das instituições;
Dos governantes, que devem garantir que as políticas públicas sejam implementadas com transparência e responsabilidade.
Como bem sintetizou Nelson Mandela (1994), “a liberdade não é apenas a ausência de opressão, mas a presença de justiça”. Cabe a cada um de nós ser um agente de transformação e lutar por uma Angola onde os Direitos Humanos sejam efectivamente respeitados e garantidos para todos.
A Administração Pública pode e deve ser um pilar fundamental para a construção de um país mais justo, inclusivo e transparente. O futuro está nas mãos daqueles que, com coragem e determinação, decidem não se calar diante das injustiças!