Opinião
Administração pública em Angola: reformar ou fazer de conta?
A administração pública constitui o pilar fundamental para o desenvolvimento de qualquer nação, sendo responsável pela formulação e implementação de políticas públicas essenciais à sociedade. Em Angola, apesar das diversas iniciativas para modernizar e tornar o Estado mais eficiente, a burocracia excessiva, a resistência à inovação e a falta de qualificação dos quadros administrativos continuam a comprometer a governação e gestão pública.
O governo tem apostado em programas como o SIMPLIFICA, que visa reduzir a burocracia e digitalizar processos administrativos. No entanto, a sua implementação tem esbarrado em fortes resistências institucionais e culturais, levantando a questão: estamos realmente a reformar a administração pública ou apenas a fazer de conta?
Além disso, há um problema conceptual profundo que influência a qualidade da gestão pública: a confusão entre funcionário público e profissional da administração pública. Muitos acreditam que ocupar um cargo no sector público significa automaticamente possuir as competências necessárias para gerir eficazmente os recursos e serviços do Estado. Essa confusão tem gerado ineficiência, decisões mal fundamentadas e um ciclo vicioso de incompetência administrativa.
Este artigo discute os desafios da especialização em administração pública em Angola, analisando os impactos da burocracia, da falta de formação adequada e da resistência às reformas administrativas. Também aborda como a confusão entre funcionário público e profissional da administração pública prejudica a qualidade dos serviços prestados ao cidadão e compromete o futuro da governação.
1. Os principais desafios da administração pública em Angola
1.1. Burocracia excessiva e resistência à mudança
A burocracia, quando bem estruturada, é um mecanismo essencial para garantir a organização e previsibilidade dos processos administrativos. Max Weber (1991) argumenta que a burocracia moderna deve basear-se em regras racionais e eficientes. No entanto, em Angola, a realidade é diferente: os processos administrativos são morosos, ineficientes e altamente centralizados, dificultando o acesso da população aos serviços públicos.
Entre os principais entraves burocráticos, destacam-se:
Demora excessiva na tramitação de documentos e processos administrativos.
Excesso de formalismos e exigências desnecessárias, que tornam a prestação de serviços públicos um verdadeiro calvário para o cidadão.
Baixa adopção de tecnologias digitais, mantendo os serviços públicos dependentes de processos manuais e arcaicos.
O SIMPLIFICA, lançado como solução para esses problemas, enfrenta um grande obstáculo: a resistência dos próprios funcionários públicos, que veem a digitalização como uma ameaça ao seu emprego e poder burocrático. Kotter (1996) explica que qualquer tentativa de mudança organizacional sem um esforço coordenado para superar a resistência interna está fadada ao fracasso.
1.2. Formação e especialização: A falta de profissionais qualificados
A modernização da administração pública exige quadros qualificados, capazes de formular e implementar políticas públicas eficazes. Segundo Chiavenato (2014), um gestor público deve ter conhecimentos técnicos, habilidades estratégicas e capacidade de tomada de decisão baseada em evidências.
Contudo, em Angola, o sector público enfrenta desafios graves na especialização dos seus quadros:
Escassez de programas formativos actualizados, focados nas necessidades reais da administração pública.
Currículos académicos desajustados, que não incluem disciplinas essenciais como governação digital e gestão baseada em dados.
Pouco incentivo à formação contínua, resultando na estagnação profissional e na perpetuação de práticas administrativas ultrapassadas.
Esse défice formativo faz com que decisões administrativas sejam tomadas sem base científica, levando a políticas públicas ineficientes e ao desperdício de recursos.
2. Funcionário Público vs. Profissional da Administração Pública: uma confusão prejudicial
Um dos grandes problemas da gestão pública angolana é a confusão entre funcionário público e profissional da administração pública. Essa distinção é fundamental para garantir a eficácia do Estado, mas, na prática, muitas nomeações para cargos estratégicos são feitas sem critérios técnicos.
2.1. Quem é o Funcionário Público?
O funcionário público é qualquer indivíduo que trabalha no sector público, podendo exercer funções administrativas, técnicas ou operacionais. A sua presença na administração pública não significa, necessariamente, que tenha formação específica na área de gestão pública.
2.2. Quem é o Profissional da Administração Pública?
O profissional da administração pública é aquele que possui formação técnica e especializada na área, com competências para planear, implementar e avaliar políticas públicas.
2.3. Impactos da confusão entre os dois conceitos
Ineficiência na formulação e execução de políticas públicas.
Nomeação de gestores sem formação adequada, resultando em má gestão dos recursos estatais.
Dificuldade na modernização da administração pública, pois a falta de profissionais qualificados compromete a implementação de reformas.
Essa confusão impede que a administração pública funcione de maneira estratégica, resultando em decisões baseadas mais em interesses políticos do que em critérios técnicos.
3. O fracasso das reformas administrativas: o caso do Simplifica
O SIMPLIFICA foi apresentado como um programa inovador para tornar os serviços públicos mais ágeis e acessíveis, reduzindo o peso da burocracia. No entanto, a sua implementação tem sido limitada pela resistência dos próprios funcionários públicos.
Os principais entraves incluem:
Mentalidade conservadora, que encara qualquer inovação como uma ameaça à estabilidade laboral.
Falta de capacitação para operar os novos sistemas digitais.
Baixa fiscalização, permitindo que práticas burocráticas ultrapassadas continuem a prevalecer.
North (1990) explica que as mudanças institucionais só se consolidam quando há incentivos claros para que os actores envolvidos adoptem novas práticas. Em Angola, sem um plano eficiente de formação e sem sanções para quem resiste à modernização, programas como o SIMPLIFICA tornam-se apenas uma formalidade sem impacto real.
Portanto, a Administração Pública angolana enfrenta desafios estruturais graves, que vão desde a burocracia excessiva até à falta de quadros qualificados para gerir os serviços públicos com eficiência. O problema é agravado pela confusão entre funcionário público e profissional da administração pública, levando à nomeação de gestores sem formação específica na área.
Embora programas como o SIMPLIFICA tenham sido lançados para melhorar a eficiência da governação, a sua implementação está longe de ser um sucesso, devido à resistência dos funcionários públicos e à ausência de incentivos para a modernização.
Diante desse cenário, a grande questão que se impõe é: Angola quer realmente reformar a Administração Pública ou apenas fazer de conta? Enquanto essa pergunta não for respondida com acções concretas, a modernização do Estado continuará a ser um sonho distante.