Educação Financeira
A verdade da mentira das palestras sobre empreendedorismo e prosperidade
O empreendedorismo alcançou o seu auge com o aumento da concorrência global, o que resultou na falência de diversas empresas que não conseguiram manter-se neste novo contexto global. As consequências foram cortes de Pessoal, tornando as empresas mais «enxutas» e tecnológicas. Ao perceber que as ideologias tradicionais não seriam eficazes no novo cenário da Internet e das tecnologias da comunicação, tele trabalho, pandemia, etc, o capitalismo transformou-se e adaptou-se, encontrando no empreendedorismo a solução para a crise do desemprego. O ideal de ser o dono do seu próprio negócio contagiou as mentes de muitos desempregados.
O discurso do empreendedorismo voltado para a ideologia neoliberal isenta o Estado da responsabilidade de garantir mínimas condições de vida para esses indivíduos, colocando-os como responsáveis por seu sucesso ou fracasso, desconsiderando a importância das variáveis do contexto social no qual esses sujeitos estão inseridos.
O contexto angolano, por exemplo, apresenta um empreendedorismo sustentado por pequenos negócios, em grande parte por negócios individuais voltados à sobrevivência. Ao considerar este aspecto, como modelos de sucesso podem ser impostos a esses sujeitos como uma forma de ser, viver e de se alcançar o sucesso, considerando que eles estão, geralmente, desempenhando uma actividade para sobreviver e inseridos em um contexto que não os favorece?
Ao contrário do que pregam esses discursos, os sujeitos não vivem em condições de igualdade para que sejam imbuídos de uma ideologia neoliberal que prega que ele deve ser o único responsável por seu sucesso ou fracasso. Desse modo, o que seria sucesso ou fracasso para um micro empreendedor individual que recebe em torno de um salário mínimo por mês? Percebe-se uma grande lacuna entre a realidade vivida por esse sujeito e aquilo que é apregoado pelos discursos ideológicos neoliberais; entretanto é uma lacuna camuflada, um conflito solapado.
E é aqui que versa sobre o meu artigo desta semana: o logro ou falsidade das palestras de fins-de-semana, quase sempre com as mesmas caras ou rostos e os seus pomposos cargos em alegados projectos ou empresas, como “CEO”, “PCA”, estando estes cargos bem longe da realidade jurídica dos projectos destes empreendedores.
Percorrendo as redes sociais podemos dar conta da imensidão de flyers (panfletos electrónicos) de propaganda de actividades formativas neste caso. Actividades que são conhecidas como palestras, workshops, e outros nomes comerciais. Nestes flyers podemos encontrar slogans para chamar jovens, principalmente. Este é o foco das organizações. Ter jovens, de ambos os géneros. E que características precisam ter esses jovens? Além de ser jovens, até aos 40 anos, estejam desempregados ou em empregos formais precários, que estão na informalidade, que ainda estão e sem grandes perspectivas de futuro. É para este mercado que a nova classe social e profissional de “palestrantes” fazem o seu furor e fama.
Estes eventos muitos deles são de entrada gratuita ou entre os 1.000 até 5.000 Kwanzas por um conjunto de horas de passagem de vários palestrantes/oradores. Alguns deles e delas com imenso mérito de oratória, mas muitos deles nada têm para apresentar de projectos que são já empresas com a palavra empresas com letra maiúscula: que cumprem os deveres de ser uma sociedade comercial, com os colaboradores, com a AGT e de mais entidades públicas. Os discursos muitas das vezes são inflamados como se fossem candidatos a pastores de uma qualquer religião. Quanto mais alto são os gritos dos oradores e as palmas da assistência, melhor! Na África do Sul chamam a este tipo de actividades, no caso de religiões, como “clappy churches”! Aqui é o mesmo!
As apresentações muitas delas são plágios que retiram da internet (“Google”) e de outras apresentações que já participaram como formandos e na assistência. Os conteúdos são de natureza brasileira (a maior parte dos conteúdos no “Google” estão escritos em português do Brasil), fora do contexto angolano ou de outrem e que durante a explicação dos slides há «divórcio» entre os slides e o discurso oral. Além disso, quase sempre não há nada para apresentar, porque não existe quase nada: nem projectos de empreendorismo, e muito menos aquilo que Angola precisa: boas empresas e bons empresários. Angola não precisa (apenas) de empreendorismo. Precisa de empresários e empresas de excelência, com a ajuda de empreendores, mas estes não podem nem devem ficar na informalidade do empreendorismo. E é isto que não se ensina nas palestras. É preciso ir além de agarrar a oportunidade, formar um negócio e montar o mesmo. É pouco, é muito pouco…
Nestas palestras fala-se muito de prosperidade, de riqueza material. Esté o extase que leva o público quer chegar. Serem ricos. Bilionários como Elon Musk, Jeff Bezos, Bill Gates, Marc Zuckberg, etc. Tudo é fácil, tudo é possível por via do empreendorismo e se possível sem sacrifícios, sem grande esforço mental e físico. O caminho da facilidade é este. É este que é vendido aos jovens. Grande mentira!
Dinheiro e riqueza fácil geralmente leva-nos para caminhos tortuosos. Caminhos criminais. Caminhos anti-sociais. O caminho do trabalho, do estudo, de planear, supervisionar, de arriscar, de ter rede de contactos, de ter conselheiros especialistas em assuntos empresariais, jurídicos é fundamental. O caminho é levar tempo, mais tempo do que é vendido na Internet, por empresas que prometem rentabilidades altas, juros do «céu», facilidades todas e mais algumas, e que se esses oradores alegadamente conseguiram, a assistência pode também. Outra mentira! Nem todos podem ser empreendedores. Nem todos podem ser empresários. Outros serem líderes! Há espaço para todos e cada um de nós deve conhecer-se para saber em que espaço na sociedade pode ter e estar.
Siga pessoas, mentores, líderes com provas dadas. Quase sempre estes oradores não têm muito mais para oferecer do que pseudo-sonhos nos seus 15 minutos a uma hora que têm para palestrar. Depois desse tempo, o pano cai e voltam à sua realidade daquilo que são não é aquilo que apresentaram na palestra. Aos que realizam e são empresários e empreendedores com provas dadas. Tenho imenso respeito por vocês. Aos outros desejo que tomem outro caminho, pois rapidamente vão cair no esquecimento e nós só morremos quando somos esquecidos. Aos jovens, procurem bons exemplos de líderes e empresários, que influenciam pessoas e com provas dadas. É só ficarem atentos para conhecerem a Verdade. E a Verdade libertar-vos-á.
JMelo
17/02/2022 em 7:12 am
Parabéns por trazer esta pura e triste realidade vivida, pelo menos, em Angola e Moçambique. Para além de incentivar o empreendedorismo é necessário criar condições (quer do lado dos Governos, assim como dos que apoiam o empreendedorismo/empresariado) para que os que por corragem, iniciativa e/ou acidentalmente caíram no mundo dos negócios tenham a sustentabilidade merecida.
Nada contra os palestrantes sobre empreendedorismo, mas precisamos redireccionar o foco: voltarmo-nos para quem já faz para fazer melhor. Desenvolver acções com efeitos dominó – na medida em que nos tornamos sólidos no que fazemos, multiplicamos e alargamos os benefícios.