Dinheiro Inteligente
A universidade não forma empreendedores: e isso custa caro ao país
“A educação tradicional ensina a procurar emprego. A educação transformadora ensina a criá-lo.”
— Muhammad Yunus, Prémio Nobel da Paz
1. Introdução: o paradoxo universitário
Todos os anos, milhares de jovens angolanos concluem o ensino superior com diplomas na mão e frustração no rosto. O mercado de trabalho encontra-se saturado, o Estado não consegue empregar todos os quadros formados e o sector privado, embora promissor, enfrenta dificuldades estruturais que limitam a sua capacidade de absorção de mão-de-obra qualificada.
A pergunta impõe-se: por que razão as universidades formam licenciados, mas não formam empreendedores?
A resposta é tão dura quanto necessária: o ensino superior em Angola continua assente num modelo académico ultrapassado, excessivamente teórico, burocrático e desarticulado das dinâmicas reais do mercado. Como argumenta Amorim (2014), “a universidade africana, na maioria dos casos, forma para o emprego e não para a criação de emprego.”
E isso tem um preço elevado: o país perde talentos, adia sonhos e reproduz a dependência de um Estado que já não tem condições para absorver a juventude instruída.
2. O modelo académico colonialista: ensinar para obedecer, não para criar
A maioria das universidades africanas — e angolanas — ainda se encontra presa a um modelo pedagógico herdado do colonialismo, onde o papel do estudante é escutar, memorizar e repetir. É um modelo que prioriza a reprodução da norma em detrimento da criação de soluções.
O escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong’o (2009) refere-se a este modelo como um “prolongamento do colonialismo mental”, argumentando que a escola africana foi projectada para produzir “administradores de colónias” e não inovadores ou líderes comunitários.
Em Angola, apesar dos avanços pós-independência, o modelo de ensino superior ainda é elitista, rígido e pouco funcional para a resolução de problemas locais. Como destaca Domingos do Nascimento (2018), “os programas curriculares continuam afastados da realidade socioeconómica do país, distanciando o saber académico da prática empreendedora.”
3. Educação sem prática: a desconexão entre sala de aula e realidade
A realidade concreta da formação universitária em Angola evidencia uma falta de articulação entre teoria e prática. Cursos de Economia, Engenharia, Agronomia ou Informática raramente expõem os estudantes à experiência de gerir um negócio, desenvolver um protótipo ou testar uma ideia no mercado real.
Segundo o Relatório do Banco Mundial sobre Educação em Angola (2020), “menos de 15% dos estudantes do ensino superior em Angola têm acesso a actividades práticas ou estágios extracurriculares relevantes para o desenvolvimento de competências empreendedoras.”
Peter Drucker já advertia que “o empreendedorismo não é uma qualidade inata, mas uma disciplina que pode ser ensinada e praticada”.
Sem incubadoras universitárias, sem ligação com startups locais, sem espaços de prototipagem e sem contacto com microempresas, como é que o estudante angolano poderá aprender a empreender?
4. O peso da cultura do emprego público
Há um componente cultural profundamente enraizado no imaginário colectivo angolano: a associação do sucesso profissional ao emprego público. Ser funcionário do Estado é sinónimo de estabilidade, prestígio e “vida feita”. Esta mentalidade, herdada do modelo centralizador do pós-independência e da cultura do funcionalismo, tem-se revelado um bloqueio ao surgimento de novos empreendedores.
Estudos realizados pelo Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC-UCAN) confirmam que mais de 70% dos estudantes universitários sonham com um emprego estatal e apenas 12% consideram seriamente empreender como primeira opção profissional (CEIC, 2019).
Enquanto isso, o Estado já não tem capacidade orçamental para empregar a maioria. E a juventude, alimentada por promessas públicas e concursos eternos, continua à espera… de uma integração que nunca chega.
5. Propostas para uma universidade empreendedora
É imperativo reformar o sistema universitário angolano, orientando-o para a formação de jovens transformadores de realidades, e não apenas consumidores de conhecimento. Algumas propostas concretas incluem:
a) Currículo baseado em competências
Adoptar um modelo de currículo por competências, como propõe Zabala e Arnau (2010), que valorize o pensamento crítico, a comunicação eficaz, a resolução de problemas, a criatividade e a liderança — e não apenas a reprodução teórica.
b) Criação de incubadoras universitárias
Inspiradas no modelo das spin-offs académicas, estas estruturas funcionam como laboratórios de ideias e negócios, onde os estudantes podem criar, testar e escalar projectos, com apoio técnico e mentorias. Exemplo bem-sucedido pode ser visto na Universidade de Stellenbosch (África do Sul), com seu LaunchLab.
c) Estágios em negócios locais e cooperativas
Conectar os estudantes com PMEs, cooperativas agrícolas, ONGs e projectos comunitários, e não apenas com grandes empresas, ajuda a estimular soluções de base local.
d) Transformar o TFC num plano de negócio
Permitir que o Trabalho Final de Curso (TFC) seja um plano de negócio aplicável, com análise de viabilidade, modelo de negócios (Canvas), protótipo e estudo de impacto social.
e) Valorização da experiência prática dos docentes
Integrar no corpo docente profissionais com experiência real no mundo empresarial, criadores de startups, gestores de cooperativas ou consultores, garantindo o equilíbrio entre teoria e prática.
6. Conclusão: ou educamos para empreender, ou educamos para depender
Angola precisa de universidades comprometidas com o desenvolvimento real do país — que não apenas formem quadros, mas gerem soluções. Que não apenas emitam diplomas, mas estimulem ideias. Que não apenas preparem para empregos, mas incubem empreendimentos.
Como dizia Paulo Freire (1996), “ensinar não é transferir conhecimento, é criar as condições para a sua produção e construção.”
Formar empreendedores não é luxo. É um imperativo nacional. Porque, como disse Nelson Mandela, “a educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo.” Mas essa arma precisa ser carregada de sentido prático, criatividade e coragem para inovar.