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A UNITA não perdoou Raul Danda – Mateus Kachiungo

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Raul Danda nunca foi perdoado por ter criticado Jonas Savimbi publicamente e por ter participado nas dissidências na década de 90 quando Savimbi estava cada vez mais radical e desequilibrado. A coragem e verticalidade de Raul sempre comprometeu-lhe no interior do partido e comprometeria mais ainda se Samakuva não o apadrinhasse politicamente.

Em 1992 Raul Danda protagonizou uma das dissidências mais emblemáticas da UNITA. O então Director geral de informação da UNITA, jornalista e subeditor da Rádio da UNITA da altura, VORGAN, acusou Jonas Savimbi de ser um ditador, de prender os seus familiares e aliou-se a outros dissidentes emblemáticos. Como todas as dissidências aquela teve repercussões negativas para Savimbi e a própria UNITA e foi aproveitada pelo MPLA. Na altura, à semelhança do que ocorre hoje, dizia-se que Raul Danda era um agente secreto e um militante do MPLA infiltrado no Galo Negro, o que era mentira.

E sucedeu-se que a UNITA e Savimbi perderam a primeira volta das eleições, reacendendendo a guerra. Raul Danda desapareceu dos grandes palcos políticos e militares, estava nos bastidores. Com a morte de Savimbi, a paz. Danda reapareceu publicamente e revelou os seus dotes como um grande actor em telenovelas que marcaram muitos angolanos como “Revire e Vola” e “Vidas Ocultas”, onde era o pai do personagem interpretado por Freddy Costa e esposo da personagem interpretada por Raquel da Lomba.

Paralelamente, nos corredores da política, era como membro da direcção do partido Tendência para a Reflexão Democratica, prestava assessoria no Ministério da Justiça e fazia activismo em prol da causa de cabinda. Foi detido num processo sob o crime contra a segurança do Estado. David Mendes foi o promotor da manifestação a exigir a sua libertação alcançada depois de 29 dias.

Raul Danda reaproxima-se da UNITA e integra a lista de deputados para as eleições de 2008, mas manteve a sua independência. Para Samakuva era estratégico ter o apoio de Raul devido o círculo eleitoral de Cabinda, província de onde era originário e gozava de boa reputação. Isaías Samakuva gozava de grande influencia e aceitação depois de ter
vencido Abel Chivukuvuku nas eleições internas daquele partido, em 2007. Danda tinha um desempenho acima da média dos deputados da UNITA e causava muitos ciúmes. Um ano antes das eleições de 2012, volta a ser militante do Galo Negro. Era para mostrar que estava com a UNITA num período de novas dissidências, mas desta vez não somente para o MPLA, mas também para a CASA-CE, do adversário de Samakuva, Abel Chivukuvuku.

Samakuva lança-o em 2012 como o Presidente do Grupo Parlamentar, deixando alguns membros antigos estupefactos, como foram os casos de Chipino Bonga, Kamalata Numa, Lukamba Gato e outros da linha do mais velho Chiwale. Mas estes e outros foram surpreendidos com o tempo e pela positiva. Enquanto a popularidade de Samakuva caia internamente, a de Danda Subia. Era um dos políticos da oposição mais queridos. Quando Ernesto Mulato afastou-se da Vice-presidência da UNITA para se dedicar apenas na função de deputado, Samakuva não teve dúvidas em escolher Raul Danda como o seu vice. Esta escolha foi encarada como negativa para alguns militantes de proa da UNITA. As declarações de Danda sobre Savimbi, o líder fundador, ainda causavam dúvidas sobre a sua lealdade ao partido. Alguns reclamaram nos cantos.

Fernando Heitor, em protesto, abandonou o seu cargo na direcção da UNITA. Foram períodos difíceis, mas Sakala, enquanto porta-voz, acalmava dizendo que não havia nenhuma crise.

Em 2019 Danda queria ir mais longe. Pretendia ser o Presdente da UNITA, substituindo Samakuva. Mais uma vez o seu passado o atraiçoava. Criou-se uma controvérsia e a sua candidatura foi suspensa. Os Estatutos da UNITA estabelecem, entre outros aspectos, 15 de militância consequente e irrepreensível como requesitos mínimos para quem visar assumir o posto de Presidente e segundo a visão dos mais conservadores (por Danda ser Bakongo e por ter criticado Savimbi publicamente) a sua candidatura era um perigo e conviu-se dizer que ele não cumpria os requisitos para tal candidatura. Mihaela Webba, então assessora jurídica de Samakuva, defendia que só estavam a cumprir os estatutos e que devia-se ao tempo que Danda ficou fora da UNITA. Raul Danda, aparentemente tranquilo, defendia-se: “Eu faço uma leitura diferente porque os estatutos falam de “militância consequente” e não de militância ininterrupta”.

Hoje sabemos que o único que foi prejudicado sem justa causa no Congresso que elegeu o Presidente da UNITA foi Raul Danda, até porque o pendente de Adalbeto Costa Júnior (que era provar que havia abdicado a nacionalidade) não foi ultrapassado, mas ele não foi impedido de fazer a sua campanha, como Danda. Adalberto enganou o Congresso ou o Congresso, a sua coordenação, foi cúmplice de Adalberto. Diante das injustiças, o próprio Raul Danda questionou porquê que ACJ, que também tinha o processo de candidatura pendente, não teve o mesmo tratamento que o deputado cabindense. Hoje percebemos claramente que havia favoritismo. Danda foi severamente
prejudicado pelo Congresso, pela própria UNITA e alguns dos seus líderes.

Na reunião definitiva sobre o seu caso não havia consenso. Para evitar tensões e para não afectar a imagem do partido, um grupo de mais-velhos aconselhou que aprovassem a candidatura de Raul Danda. Foi submetida a votação e esta passou, felizmente com uma maior aprovação do que se esperava e Danda podia ser candidato oficialmente, apesar de estar em desvantagem considerável em relação aos demais.

Danda não podia ser ignorado. Foi um dos políticos que continuou em grande performance depois de ter “perdido” com ACJ nas eleições. Continuou muito interventivo, polémico e convicto nas suas causas. Foi uma surpresa, até para os membros da equipa de Adalberto Costa Junior e apoiantes que Raul Danda não integrasse a nova direcção da UNITA. Depois de alguma pressão ele foi nomeado para um cargo mais simbólico, de “Primeiro-ministro do Governo Sombra”.

O episódio de 92 foi claramente um dos que mais impacto tiveram sobre a sua vida. Danda não deve ser visto como um “traidor”, como muitos fizeram durante muitos anos questão. Mas como um homem de coragem. Algo que muitos membros da UNITA não têm e não tiveram quando Savimbi estava a perder as estribeiras e fazia o que bem
entendia.

O recente desrespeito à memória de Raul Danda, numa absoluta contradição a declaração dos 10 dias de luto em homenagem ao deputado da UNITA falecido no passado dia 8 de Maio, deixa claro a ignorância que Danda teve na própria UNITA.

Com o acto de mobilização das massas no dia 14 a UNITA desrespeita-se e desrespeita um angolano que defendeu as suas causas e as dos pais.

 

*Txto de Mateus Kachiungo

matkatchiungo@gmail.com




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