Opinião
A Última Curva de Samakuva
Finalmente está convocado o XIII Congresso ordinário do Galo Negro, que deverá ocorrer entre os dias 13 e 15 de Novembro. 17 Anos depois, o líder cauteloso e diplomata poderá pôr fim ao seu consulado, promessa feita antes das eleições de 2017 e em outros dois momentos políticos. Não tendo deixado claro se irá ser candidato, resta-nos apenas aguardar Novembro é já amanhã. Será desta que vai cumprir com a sua palavra?
Hoje já podemos falar em legado de Samakuva, como líder e continuador de um projecto “iniciado” por Jonas Savimbi e outros grandes filhos desta Pátria que na altura comprometidos com a causa de acabar com o colonialismo português, ainda jovens decidiram avançar para o lado da razão. A isso adicionamos 27 anos de um violento conflito interno, fomos palco da guerra fria onde as duas potências levaram ao extremo a recém-proclamada República. Finalmente em 2002, a paz chegou e daí iniciamos a outra fase, infelizmente repletíssima de desgraças orquestradas pelos “ganhadores”.
O Legado de Samakuva
“Nas democracias, as grandes mudanças económicas, políticas e sociais realizam-se por meio das eleições. Só as eleições refletem a vontade do povo. Quem manda é o povo. Quem manda é o povo.” (Paz, Liberdade e Democracia. O Pensamento Político de Isaías Samakuva). Samakuva começa de facto o verdadeiro ciclo democrático na UNITA “defendido” por Savimbi, mas que a mesma nunca proporcionou alternância na liderança máxima do partido. Os congressos eram realizados mesmo debaixo do fogo “inimigo”, porém os resultados só alternavam do Vice-presidência ao Secretário-geral, nunca ao Presidente. Embora a coisa já era discutida e figuras de grande valor político como Tito Chingunji militante convicto, conhecido como idealista de outros tempos, que acreditava na democracia na UNITA, por assumir e defender publicamente a real aplicação da democracia interna no seu partido, pagou com a própria vida. “Se o nosso objectivo é implantar a democracia em Angola, temos de começar a praticá-la entre nós”. (Jardo Muekalia, Angola a Segunda Revolução Memorias da Luta pela Democracia). Tito Chingunji já falava da necessidade de uma sociedade civil distante da excessiva disciplina militar. “O partido tinha crescido o suficiente para que a Jamba se transformasse num viveiro de experimentação democrática que servisse de modelo da sociedade que tencionávamos edificar no país” analisando o pensamento de Tito, vê-se que era um progressista no partido certo, no país certo, mas se calhar o projecto não tinha a liderança certa. A teoria segundo a qual os partidos são de facto os filtros do poder e guardiões da democracia (Steven Levitsky & Daniel Ziblatt, Como Morrem as Democracias, conhecido como o livro favorito de Barack Obama) nos leva a refletir se, um outro militante (para além de Savimbi), naquele contexto, seria capaz de gerir o partido com outras abordagens e que por vias destas fosse possível resolver o conflito de outra forma? Sim. Julgo que sim.
A UNITA é posta a prova depois da morte do líder em combate, o projecto se manteve intacto, realizou-se o IX Congresso ordinário em junho de 2003, marcou de facto a inauguração da democracia que, infelizmente chegou só após a morte do Mano Mais Velho. É muito comum em África, embora o MPLA e a FRELIMO fizeram a “alternância” com os líderes não fundadores vivos, mas na verdade as saídas foram forçadas(…). Sobre a liderança do recém-eleito Presidente que disputou a presidência com dois candidatos no caso Paulo Lukamba “Gato” e Dinho Jonatão Chingunji. Samakuva, diplomata cauteloso e menos militar foi a aposta dos Maninhos para gestão do tão delicado momento imposto pelo contexto de pôs conflito, em que foram rotulados de “perdedores” e de “culpados” pela desgraça dos angolanos. De lá para cá três congressos se passaram, todos tiveram mais do que dois candidatos e Samakuva apresentou-se como o imbatível somando vitórias em todos, muito por conta do consenso conquistado no seio dos anciões conservadores. Sua liderança é forte e reconhecida até pelos seus adversários, mesmo diante das derrotas consentidas em todos as eleições gerais, não podemos escamotear a verdade nem diminuir o seu legado. Sobre derrotas, sabemos que eleições contra a máquina do MPLA são o que são(…).
Voltando ao legado, manter a partido coeso diante de situações tais como: Dissidência de figuras de peso político, a pressão da máquina “trituradora” da propaganda do MPLA, a pressão dos antigos militares muitos entregues a sua sorte, gerir a pressão da sociedade civil e ao mesmo tempo não perder a confiança dos cidadãos que ainda acreditam na UNITA, exigem mesmo “nervos de aço” como disse alguém um dia. Portanto, Isaías Ngola Samakuva é para mim um verdadeiro gestor de conflitos e interesses internos e externos, criou uma nova elite política dentro do partido, conseguiu resgatar a confiança dos angolanos e receber o “perdão” e assim desfazer a má imagem criada ao longo destes anos. Até aqui sua missão está cumprida.
Nestes últimos 17 anos em que se realizaram três pleitos eleitorais (2008, 2012 e 2017), há factos que não posso deixar de realçar, momentos de forte elevação e animação política: O primeiro debate político entre candidatos a presidência de um partido político na história da televisão angolana, igualmente entre candidatos a liderança do braço juvenil de um partido foram ambos protagonizados pela UNITA. “Após todo um trabalho de recuperação do respeito e confiança, baseada numa liderança e gestão diplomática do partido, é chegada a hora daquele que para mim foi a mais influente figura na gestão da fase pós-eleitoral do processo de 2017 descansar, usufruir e partilhar com a nova geração o capital conquistado nos últimos 15 anos”. Hoje o partido tem dois grandes desafios que vão desde a gestão do passivo interno e a conquista do poder político nos próximos dez anos. Estes são desafios reservados a outras figuras talhadas para o efeito, prontas para acelerar o partido para a direcção que os ventos da mudança ditarem. A próxima liderança tem a obrigação de preservar e usar da melhor maneira possível o capital conquistado durante o consulado de Samakuva.
“O passado absolve muito dos nossos desacertos, mas não pode ser um álibi permanente para justificar os nossos erros e a nossa falta de imaginação”
– Isaías Samakuva –