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Opinião

A sombra da bicefalia

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O ano de 2017 registou e passou a transmitir uma nova realidade, que podia ter ficado apenas no campo semântico, mas atrelou-se no quotidiano; é o que o uso consagrou como sendo a bicefalia, num primeiro momento, tal como a novidade é, revelou-se estranho no contexto da política nacional. Uma narrativa pouco frequente na ciência política que ganhou contornos e motivações susceptíveis de ambiguidades, divergências, e o começo de uma discussão controversa no seio do MPLA.

A substância do episódio foi verificada pela difícil coabitação entre um ex-Presidente da República e um novo presidente eleito em exercício de funções. Se, ao nível do Estado, tudo estava concluído pela legitimidade do voto, já não era a mesma percepção ao nível da liderança do MPLA em que foi o cabeça de lista e o vanguarda da Vitória eleitoral.

Surgem duas correntes que se incompatibilizam na lógica das opções; uma delas defendia a continuidade da liderança e sugeria uma separação entre o Estado e o partido, numa aludida fase transitória. Outra tinha o argumento da “dupla legitimidade”, que devia, no seu entendimento, ser complementada na formação da autoridade política do Presidente da República e ao mesmo tempo do MPLA.

Terminada formalmente, ela não deixou de existir no quotidiano da vida partidária, embora já não sendo uma questão tão evidente, mas encontra agora lugar uma nova resistência e enfoque no alvo de atacar algumas pessoas com importância para o poder. O Presidente eleito, nas vestes de cabeça de lista, deparou-se com a confrontação e resistência dos desalojados, outrora revestidos de poder reverencial e quase ilimitado.

Nesse jogo de interesses, acabou por vencer a opção da corrente Lourencista que arrebatou a hegemonia da liderança no MPLA, após um período de intensos debates internos que reunia ou motivava as atenções da sociedade.

O movimento da bicefalia não desapareceu por completo, ele esta enraizado no sentimento de laços afectivos de ordem política, e até moral. Ao desaparecer, por força da conquista da liderança do MPLA, os ” dissidentes ” deixaram de ter o seu principal representante, no caso o ex-Presidente José Eduardo dos Santos que, com o seu simbolismo político, deixa de ter condições objectivas para a reivindicação do poder partidário.

O combate à corrupção não teria os efeitos desejados se o problema da bicefalia perdurasse. Colocar-se-ia um conflito de agendas, diferenciado pela vocação entre o Estado e o partido. Sendo o Executivo suportado pelo MPLA, o titular do poder político submeter-se-ia à vontade dominante do órgão de consulta do MPLA para responder às dinâmicas do combate à corrupção que, apesar de merecer o apoio do MPLA e fazer o seu programa de governo, encontrou em João Lourenço, o sentido de coragem, e maior interpretação ou mesmo actualidade para a sua concretização.

Com a dinâmica do próximo congresso ordinário e os desafios eleitorais, já se instalou a campanha denominada JLO Not que, ao parecer inoportuna, não deixa de começar a obter simpatizantes e a traduzir uma possível vontade de um grupo heterogêneo que, ainda sem encabeçar no plano interno esta dinâmica, podemos considerar de protecionismo por um movimento colossal não declarado, e que reúne alguma influência significativa nos meandros do Kremlin.

Walter Ferreira
Consultor político