Opinião
A reforma urgente do controlo interno da Administração Pública de Angola
Nos últimos anos, a Administração Pública de Angola tem enfrentado desafios estruturais e operacionais que comprometem seriamente a eficiência, a transparência e a integridade na gestão dos recursos públicos. Os casos sucessivos de corrupção, desvios de fundos e má gestão têm revelado fragilidades alarmantes nos mecanismos de controlo interno e externo, afectando não só a imagem das instituições públicas, mas também a confiança da população na governação. Escândalos recentes, como os desvios bilionários na Administração Geral Tributária (AGT), os casos de corrupção no Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), bem como irregularidades em projectos de infra-estruturas em diversas administrações municipais, evidenciam a urgência de uma reforma estrutural no sistema de fiscalização do país.
Esses episódios, que envolvem desde altos responsáveis até funcionários de base, demonstram que o actual modelo de controlo, centralizado principalmente na Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE), não tem sido capaz de prevenir nem de mitigar irregularidades em tempo útil. A ineficácia desse sistema reflecte-se também em outras áreas-chave da governação, como na gestão de programas de assistência social e no sector da educação, onde desvios de recursos destinados a beneficiar as comunidades mais vulneráveis têm sido recorrentes. Nesse contexto, torna-se indispensável a criação de Unidades de Controlo Interno (UCIs) em todos os ministérios, governos provinciais e administrações municipais, juntamente com a transferência exclusiva do controlo externo ao Tribunal de Contas.
Justificativas para a Criação das UCIs
1. Desconcentração e Proximidade do Controlo:
A centralização das funções de controlo interno na IGAE tem demonstrado limitações significativas, especialmente na capacidade de monitorar e prevenir desconformidades em tempo real. Segundo COSO (2013), “um sistema de controlo interno eficiente deve ser adaptado ao contexto da organização para promover acções imediatas e preventivas”. Os casos recentes, como o desvio de fundos em alguns órgãos públicos, em que milhões de kwanzas foram canalizados para fins ilícitos, reforçam a necessidade de uma abordagem mais próxima e descentralizada. As UCIs, por estarem inseridas directamente nas estruturas administrativas locais, garantem maior proximidade aos processos, facilitando a identificação precoce de irregularidades e a tomada de medidas correctivas.
2. Fortalecimento da Gestão Pública:
A implementação de UCIs é fundamental para garantir que cada nível da administração pública assuma responsabilidade directa pela supervisão dos seus processos internos. Como defendem Ramos e Fonseca (2020), “o controlo interno é um elemento estratégico para o fortalecimento da gestão pública, pois promove a eficiência, eficácia e economia dos recursos públicos”. A Desconcentração do controlo permitirá a criação de uma cultura de responsabilização e integridade em todos os níveis da administração.
3. Redução das Desconformidades:
Os escândalos, como o da AGT, que envolveu um esquema milionário de desvio de receitas fiscais, ou os casos de irregularidades no SME, evidenciam a fragilidade dos mecanismos de controlo. De acordo com Beuren (2008), “a ausência de um sistema de controlo interno efectivo é um factor preponderante para a ocorrência de fraudes e má gestão”. A desconcentração para UCIs permitirá uma abordagem mais eficaz, focada em prevenir desconformidades antes que estas causem danos irreparáveis ao erário público.
Extinção da IGAE e Exclusividade do Tribunal de Contas no Controlo Externo
1. Sobreposição de Competências:
O modelo actual, no qual a IGAE exerce simultaneamente funções de controlo interno e externo, cria uma sobreposição desnecessária com o Tribunal de Contas. Essa duplicação de competências não apenas resulta em desperdício de recursos, mas também confunde os papéis e as responsabilidades de cada órgão. Segundo Cruz e Gomes (2016), “a eficiência do controlo administrativo depende de uma clara separação de competências para permitir que cada órgão actue dentro de sua especialidade sem interferências”.
2. Necessidade de Independência no Controlo Externo:
O controlo externo deve ser realizado por um órgão independente, com autonomia para fiscalizar as acções governamentais sem interferências políticas ou administrativas. O Tribunal de Contas, por sua natureza constitucional, possui essas características, enquanto a IGAE, como parte integrante do Executivo, está sujeita a pressões hierárquicas que podem comprometer sua imparcialidade.
3. Fragilidades Estruturais da IGAE:
A IGAE tem demonstrado fragilidades estruturais e operacionais, incluindo a falta de recursos humanos qualificados, a centralização excessiva de processos e a ausência de efectiva dos serviços centrais a nível das delegações províncias e sem representação municipal. Além disso, os sucessivos escândalos, como os desvios no SME e na AGT, demonstram que o modelo actual não possui a capacidade de actuar de forma preventiva e eficaz.
4. Fortalecimento do Tribunal de Contas:
Com a exclusividade no controlo externo, o Tribunal de Contas poderá concentrar-se em auditorias mais profundas e abrangentes, oferecendo recomendações estratégicas para melhorar a gestão pública. Segundo COSO (2013), “a especialização dos órgãos de controlo é essencial para a criação de sistemas eficazes e confiáveis”.
5. Redução de Custos e Melhoria da Eficiência:
A manutenção de dois órgãos com funções sobrepostas resulta em duplicação de esforços e desperdício de recursos. A extinção da IGAE permitirá uma alocação mais racional dos recursos públicos, concentrando os esforços de fiscalização no Tribunal de Contas (controlo externo) e nas UCIs (controlo interno).
Finalmente, a criação de Unidades de Controlo Interno em todos os níveis da administração pública de Angola não deve ser vista como uma simples recomendação, mas sim como uma prioridade estratégica para garantir a boa governação e a gestão responsável dos recursos públicos. Os escândalos de corrupção na AGT, no SME e em outras instituições revelam que a reforma do sistema de controlo é imperativa e inadiável.
A extinção da IGAE, aliada à atribuição exclusiva do controlo externo ao Tribunal de Contas e à desconcentração do controlo interno para as UCIs, representa um modelo de fiscalização mais robusto, eficiente e alinhado aos padrões internacionais de boas práticas. Além disso, essa reforma fortalecerá a confiança pública nas instituições, promoverá maior transparência e assegurará a boa gestão dos recursos públicos. Como dizia Montesquieu, “a corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios”. É imperativo que Angola invista em princípios sólidos e mecanismos eficazes de controlo para construir um futuro mais justo, próspero e transparente.