Educação Financeira
A prostituição de rua em Luanda
Decidi há cerca de três meses aventurar-me com dois artigos de educação financeira sobre prostituição: de luxo e de rua e começo por contextualizar o que se pode entender por prostituição e recorro aos dicionários:
“Popularmente chamada de “profissão mais antiga do mundo”, a prostituição é moralmente reprovada em quase todas as sociedades, dada a degradação que representa para as pessoas que a praticam.
Prostituição é a actividade que consiste em oferecer satisfação sexual em troca de remuneração, de maneira habitual e promíscua.
A definição de prostituição baseia-se em valores culturais que diferem em várias sociedades e circunstâncias, mas geralmente se refere ao comércio sexual de mulheres para satisfação de clientes masculinos. Também há formas masculinas de prostituição homossexual e, em menor proporção, entre homens que alugam seus serviços para mulheres.
Em sociedades muito permissivas, a prática da prostituição se torna desnecessária; em culturas demasiado rígidas, é perseguida e punida como delito.
O artigo de hoje é sobre a prostituição de rua, aquela que pensamos mais depressa. A prostituição feminina é a mais comum entre a oferta e os homens quem procuram os serviços.
Para a elaboração deste artigo fiz um plano com base em análise de campo/terreno onde e a que horas as mulheres estão à procura de clientes, sendo que o foco era encontrar mulheres no centro da cidade e as localizações escolhidas foram:
– Mutamba: junto à sede do Mirex até à Marginal, tanto da parte da frente e nas suas traseiras, junto ao hotel Epic Sana e Universidade Metodista
– Largo José Pirão
– Avenida Brasil
– Rotunda do 1º de Maio
– E ainda nas proximidades da escola Jinga Mbande, nas traseiras do 1º de Maio.
Falei com 92 raparigas, com idades entre os 14 e os 40 anos de idade, nos vários locais em cima mencionados.
As horas de trabalho são ao anoitecer, sendo que as entrevistas foram feitas entre Maio de 2023 e 21 de Julho de 2023, pelo que aconteceram entre as 18:30 e as 19 horas e em média até 22 horas.
Tenho noção que corri perigos. Primeiro porque andei de noite com um caderno e uma caneta a fazer perguntas que logo que me deslocava e me aproximava, ficavam com algum receio, até que eu dizia ao que vinha, iria fazer um conjunto simples de questões, que guardaria a sua identidade a «sete chaves» e o propósito era a elaboração de um artigo de educação financeira que iria sair no portal do Correio da Kianda e a edição de um futuro livro, designado de Finanças para Todos. Ganhando a confiança das moças tudo ficava mais fácil, mas mesmo assim ainda corria outro tipos de perigos:
– ser assaltado pelas prostitutas ou pelos seus chulos;
– ser ofendido pelas raparigas, entre outras coisas.
Felizmente e graças a Deus, nada me aconteceu.
As questões que fiz às raparigas e às mulheres, sendo que as mesmas foram previamente preparadas foram as seguintes:
1- Os nomes, mesmo que fictícios
2- Idade;
3- Há quanto tempo está na prostituição;
4- O que a levou a esta vida;
5- Quanto ganha por dia;
6- Trabalha para algum(a) proxeneta ou chulo e quanto tem que dar a ele ou a ela;
7- Qual é o seu rendimento médio por mês;
8- Quais são as despesas maiores que tem na vida e quanto sobre no final do mês;
9- Se tivesse uma oferta de emprego de outra natureza a ganhar o mesmo dinheiro, aceitaria;
10- Já pensou em abandonar esta actividade.
Quanto à questão 3 até à 10, vou passar aqui algumas estatísticas e factos que nos devem fazer pensar, pois nunca nos esqueçamos que é um artigo de educação financeira.
A maioria (62%) das prostitutas está há mais de 3 anos e se pensarmos que das 92, 11 têm 14 anos, algumas delas estão enquadradas neste ponto: começaram a prostituir-se com 11/12 anos. 18% delas estão há mais de 5 anos e as restantes (20%) está até há 1 ano na actividade.
Todas as prostitutas foram para esta vida pela situação de pobreza material. Esta é a maior razão. Outras razões que foram fruto de desabafo, são problemas de família: separação de pais, embriaguez, violência sexual na infância, etc.
A ida «obrigada» para a prostituição, pelo que pude perceber não foi voluntário.
Durante o dia estudam: 50% delas, e outras têm actividades de venda ambulante ou vendem coisas como comida e doçaria, mas também cabelos, malas, etc.
O que vendem durante o dia compensa os seus orçamentos que outrora eram mais «apertados».
É verdade que entrevistei as prostitutas em vários locais e eles têm também clientes diferenciados. Percebi que o rendimento dos clientes junto do Epic Sana e no Mirex é maior do que nas outras zonas. Aqueles quilómetros quadrados na Mutamba «brotam» muitos Kwanzas.
A maioria leva para casa entre 20 a 40 000 Kz por dia de serviço (65%).
Raparigas novas (fresh fish), moças novas na actividade atraem muitos mais clientes e a sua «facturação» é tipo top-down consoante a antiguidade da actividade, isto é, quando são novas e bem instruídas, as raparigas ganham muito mais dinheiro que aquela média em cima supra-citada, mas com o tempo, esse rendimento cai e transfere-se para as outras mais novas que caem na actividade… é como ciclo…
O artigo não trata sobre o preço dos serviços. Não comento aqui preços, tempo da actividade com os clientes, locais onde se praticam e muito menos outros aspectos «operacionais» da actividade.
Para as raparigas, a actividade ainda compensa, mas também sentem a crise. Os seus clientes já questionam o valor dos serviços, a sua frequência é menor e são cada vez mais exigentes.
Todas as que foram entrevistas, peremptoriamente, mencionam que não haveria outro emprego que lhes pagassem igual ou superior, mesmo que estejam envolvidas numa alguma forma de «Organização» e ligação a proxenetas/chulos (pessoas que angariam prostitutas, arranjam clientes e dão a protecção às prostitutas a eles/elas associados(as). Esta questão leva-as a permanecer na actividade e está, de alguma forma, institucionalizada na vida delas e de quem as rodeiam.
40% das prostitutas trabalham para proxenetas e dão 20 a 40% do seu rendimento a eles/elas. As que não trabalham com este tipo de «patrões» ou «patroas», ficam com estas percentagens, mas por outro lado, ficam à sua mercê na sua defesa pessoal e do dinheiro arrecadado. Por esta situação e outras é que elas se juntam em grupo e gravam as matrículas dos carros dos clientes quando uma das companheiras de actividade decide entra num carro do cliente. Além disso, também tiram fotos às chapas de matrícula.
O rendimento mensal é variável e tem em conta os clientes que aparecem, os serviços prestados e os dias em que trabalham. Os melhores dias para trabalhar são a partir de Quinta-feira até Sábado inclusive. Há maior afluência de clientes nesses dias. Por outro lado, entre 25 e o dia 10, é a melhor fase para ganhar dinheiro por parte das prostitutas. Escrevendo em números e dito pelas raparigas, o rendimento mensal líquido é acima dos 400 mil a 600 mil Kwanzas.
As maiores despesas que as profissionais do sexo têm é pagamento da renda, despesas com a família: filhos, com os pais e por fim com a escola/universidade. Nenhuma afirmou com assertividade que sobra dinheiro do que ganha. Gastam na sua beleza, na sua indumentária e depois algumas delas (20%) tem alguns vícios com drogas leves, por exemplo.
Daqui entende-se que também as prostitutas precisam de educação financeira para organizarem-se financeiramente. Se ganham bons rendimentos, deveriam saber que são actividades de muito curta duração… e sem direito a pensão de reforma aos 60 anos.
Das 94 funcionárias do sexo, 92 responderam que largariam a actividade de prestação de serviços sexuais. As 2 que declinariam a saída desta actividade, não conseguiram explicar, nem a favor do que fazem nem por que não saíriam.
Todas já pensaram em sair desta actividade. Algumas já saíram e voltaram: 34 delas. Voltaram pela complexidade da vida difícil onde se ganha dinheiro em menor quantidade. Tentaram fazer outras coisas, mas as dificuldades fizerem regressar. As outras pensam em quanto a sociedade as discrimina, as agride com os olhares, com os comentários jocosos, com a agressividade dos clientes, com os clientes que não gostam de pagar as contas, com a violência e pressão psicológica dos proxenetas, mas o dinheiro faz muita falta.
Todas sabem que trabalhar além dos 40 anos é muito raro. 5 das 94 têm essa idade e já têm netos/netas.
Todas são mães, mesmo as de tenra idade. Nem todas têm os filhos aos seus cuidados. Alguns estão com os pais (homem), com os pais das prostitutas ou com os avós.
Não desejam que as filhas delas entrem no futuro nesta vida, pois querem que elas estudem e tenham outro tipo de vida.
Todas desejam que o Estado pudesse tomar uma posição formal para as integrar de alguma forma de aceitação em qualquer sistema de segurança social. Todos sabemos que elas existem e não devemos tapar os olhos e os ouvidos. É um assunto sensível e que merece uma reflexa colectiva, pois imaginemos que o Estado as integra nas suas actividades e pode dar algumas condições, e com isso, pode arrecadar um imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRT), numa lógica de presunção/estimativa. Todos ganhariam.
Integrar estas mulheres num plano de saúde geral, de ginecologia e de planeamento familiar é fundamental, a par da frequência de cursos de formação profissional para aumento das suas competências. Uma das soluções é associar a Saúde e a Formação Profissional, ao nível local onde elas residem e as senhoras que entrevistei, todas são dos municípios dos arredores do centro da cidade, vivendo em bairros de renda baixa, onde reina a pobreza material, de valores éticos, de grande número de filhos, gravidez na adolescência, de consumo de drogas e bebidas alcóolicas, violência sexual e outras sobre as mulheres e as crianças.
Não promovo com este artigo a prostituição e a sua difusão. Não promovo com isto que hajam mulheres a migrar de outras partes da província de Luanda para os locais que mencionei, ou mesmo de outras províncias. Não quero nem irei promover ganhos ou rendimentos expressos aqui no artigo para entrar nesta actividade que é de alto risco.
Sou educador financeiro, economista e para mim estas actividades são de estudar, analisar a situação social, trazer as matérias para a sociedade e trazer soluções, sempre em respeito com o princípio do respeito de quem entrevisto e para os meus leitores.