Opinião
A propósito do financiamento da aplicação de medidas de resolução
A intervenção pública em instituições financeiras, a culminar com a aplicação de medidas de resolução – alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; transferência, parcial ou total, da actividade a uma ou mais Instituições Bancárias de transição; segregação e transferência parcial ou total da actividade para veículos de gestão de activos; recapitalização interna «bail-in» -, que, não exclusivamente a última – porventura entendida como o chamamento da estrutura societária à responsabilização pela situação de desequilíbrio em que se encontre determinada instituição -, necessário se tornará viabilizar mecanismos para financiar à aplicação das medidas.
A factualidade referente ao período compreendido, mais intensamente, entre os anos de 2007-2008 – a crise financeira -, de que derivou, aliás, o estabelecimento dos regimes de resolução e de gestão de crises financeiras, respectivamente, vem supor, igualmente a existência de mecanismos mediante os quais é garantida a materialização das medidas – as fontes de financiamento.
Com a aprovação, em 2021, do regime geral das instituições financeiras, aprovado pela Lei n.º 14/21, de 19 de Maio (LRGIF), que representa o marco legal sobre a matéria, institucionalizou-se, também, o Fundo de Resolução (FdR/FR).
A figura do Fundo de Resolução está prevista no Capítulo XI da LRGIF, artigos 298.º a 316.º, sendo regulamentada pelo Decreto Presidencial 111/22, de 13 de Maio (“Regulamento do Fundo”). De natureza colectiva, detido totalmente pelo Estado e dotado de autonomia administrativa e financeira, sede em Luanda, funciona junto do Banco Nacional de Angola (BNA), o FdR tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco Nacional de Angola e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas no âmbito da execução de tais medidas.
Referir que, sobre a operacionalidade do FdR, dispõem de forma partilhada a LRGIF e o Regulamento do Fundo, sendo que o último, pela sua natureza, abarca exclusivamente certos pormenores.
Ora, a crise dos subprimes trouxe a superfície problemas outrora ignorados pelas autoridades de supervisão – pois, note-se que o paradigma de intervenção pública em instituições financeiras bancárias em dificuldade vigente na altura, implicava, em muitos casos, a injecção de dinheiro público para o seu resgate, sobrecarregando, assim, os orçamentos públicos, o que, portanto, suscitou um repensar, no sentido de as instituições em dificuldade serem resgatadas com os recursos (dinheiro) do próprio sistema financeiro, salvaguardando, assim, os interesses dos contribuintes, dos Estados e dos depositantes. Nesta ordem de ideias, o objecto do FdR plasmado na lei – dar suporte financeiro à aplicação das medidas de resolução -, atende, principalmente, a necessidade de exonerar o Estado de despesas resultantes de actos de gestão nocivos praticados por terceiros, garantindo que as despesas com o processo de resolução, ocorram a expensas de entes distintos do Estado, sem necessidade de recurso a fundos públicos.
Para tal desiderato, às instituições financeiras bancárias com sede em Angola, as filiais e sucursais das Instituições Financeiras Bancárias com sede no estrangeiro e as sociedades relevantes para os sistemas de pagamentos, sujeitas à supervisão do Banco Nacional de Angola, são convocadas a participar – financeiramente – do FdR.
O FdR é gerido por uma Comissão Directiva, integrada por três membros – dos quais um do Conselho de Administração do BNA, que preside a referida Comissão Directiva, um indicado pelo membro do executivo responsável pela área das finanças e um indicado, por acordo, entre o BNA e o membro do executivo responsável pela área das finanças.
No que concerne ao escrutínio da conta referente a um determinado exercício, o FdR deve apresentá-la ao Ministro das Finanças, acompanhado do parecer de auditoria do BNA, dado ser por este fiscalizado.
Os recursos do FdR são provenientes: de receitas da contribuição sobre o sector bancário; contribuições iniciais das Instituições Financeiras participantes; contribuições periódicas das Instituições Financeiras participantes; importâncias provenientes de empréstimos; rendimentos da aplicação de recursos; liberalidades; e quaisquer outras receitas, rendimentos ou valores que provenham da sua actividade ou que por lei ou contrato lhe sejam atribuídos, incluindo os montantes recebidos da Instituição Financeira Bancária ou da instituição de transição.
As contribuições iniciais têm lugar no prazo de 30 dias a contar do registo do início da sua actividade, com a entrega ao FdR, cujo valor é fixado por aviso do Banco Nacional de Angola, sob proposta da comissão directiva do Fundo. Ao passo que as demais – periódicas ex ante e extraordinárias ex post -, dão-se, respectivamente, enquanto decorrer a actividade das instituições ou especialmente, quando os recursos do FdR se mostrarem insuficientes para o cumprimento das suas obrigações, ouvida a Comissão Directiva, via aviso do BNA, que inclui prestações, prazos e demais termos das contribuições.
Vejamos que, legalmente, vislumbra-se a pretensão de afastar o Estado do ónus das despesas do processo de resolução, de maneira quase integral. Com isso, indiscutível se torna atender, na interpretação de normas, disposições ou preceitos relativos a resolução, em geral e aos mecanismos de financiamento, em particular, a dois elementos: o racional e o sistemático. Com considerável ênfase para o segundo, outro tanto, o primeiro vislumbrar-se complementar ao segundo.
O primeiro exorta-nos a atenção à ratio legis (razão da lei), ao fim visado pelo legislador na sua elaboração, associado as circunstâncias políticas, sociais, económicas, morais, etc., em que foi elaborada ou da conjuntura político-económica-social que motivou a decisão legislativa (occasio legis); o segundo, por seu lado, para o contexto da lei, a consideração de todas as disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma que se pretende interpretar, assim como as disposições que regulam problemas normativos paralelos ou afins. Baseia-se, este último, em certa coerência intrínseca do ordenamento, no intuito de as normas obedecerem a um pensamento unitário.
Malgrado, o FdR – na execução da resolução – em casos estritamente excepcionais, pode ser financiado por entidades distintas das elencadas atrás.
- Pode obter do Estado, excepcionalmente, apoio financeiro, por via de empréstimos ou prestação de garantia, no âmbito da emissão e gestão da dívida pública directa e indirecta, aprovada pela Lei n.º 1/14, de 6 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 21/16, de 29 de Dezembro. O apoio em causa, só pode ser prestado: se os recursos do FdR e do Fundo de Garantia de Depósitos (FGD), bem como qualquer outra fonte de financiamento alternativa forem insuficientes ou temporariamente indisponíveis; forem impostos prejuízos, pelo menos, aos accionistas, aos titulares de instrumentos de capital e aos titulares de dívidas subordinadas, tendo em atenção a sua capacidade total de assumpção de perdas, de acordo com as competências sobre dispensa parcial do dever de comunicação de informação para elaboração dos planos de resolução e garantias reais das obrigações.
Contudo, não recai sobre o Estado obrigação de prestar apoio financeiro excepcional ao FdR, nem qualquer responsabilidade pelo financiamento da aplicação de medidas de resolução. Aliás, o FdR deve fazer prova ao membro do executivo responsável pelas finanças, proposta fundamentada sobre montantes, prazos, formas de pagamento e termos e condições do apoio a prestar pelo Estado, pelo que carece de apreciação prévia do Banco Nacional de Angola.
- Pode obter financiamento por via de empréstimos preferencialmente junto das Instituições Financeiras participantes, que, entretanto, são submetidos ao crivo do Banco Nacional de Angola, relativamente a necessidade e adequação, incluindo os termos e as condições
Enfim, em nosso ver, o financiamento à aplicação das medidas de resolução vincula exclusivamente o FdR, ao passo que o financiamento a este, além das instituições participantes – regra geral, via contribuições -, a título excepcional, o Estado e por via de empréstimo – preferencialmente – junto das próprias Instituições; sujeitando-se, não obstante, ao «princípio do esgotamento» das vias comuns, isto é, não recorrer as segundas se não forem devidamente exauridas as primeiras, além do mais, só se afigurando necessário e adequado, accionar as extraordinárias, atendendo rigorosamente a critérios objectivos de apreciação da necessidade e da adequação, em consonância com o fim de afastar o Estado de tais encargos.