Opinião
A política angolana em trincheiras: será que a Propaganda Militar ainda substitui o Marketing Político?
A comunicação política é um dos pilares fundamentais da competição eleitoral, sendo um campo em que a propaganda e o marketing político desempenham papéis centrais. A propaganda militar, enquanto estratégia de mobilização emocional e persuasão colectiva, utiliza símbolos, retórica combativa e discursos de polarização para reforçar a identidade partidária e consolidar lealdades. Já o marketing político, por sua vez, é uma abordagem moderna baseada na análise de mercado, na segmentação do eleitorado e no desenvolvimento de estratégias comunicacionais centradas no cidadão como consumidor político (Newman, 2016). Em Angola, observa-se que, em vez de adoptar práticas contemporâneas de marketing político, os dois principais partidos – o MPLA e a UNITA – destacam-se pela excelência no uso da propaganda militar como método de mobilização de massas.
Historicamente, ambos os partidos políticos tiveram origens ligadas a contextos de luta armada, o que moldou profundamente as suas estratégias comunicacionais. A retórica de confronto, a exaltação da militância e a deslegitimação do adversário ainda são práticas dominantes nas campanhas eleitorais. No entanto, na era digital, onde a opinião pública exerce um escrutínio cada vez maior sobre a actuação dos políticos, essa abordagem torna-se um entrave ao fortalecimento da democracia e à adaptação das campanhas às exigências de um eleitorado mais informado e crítico.
Este artigo analisa a problemática do uso da propaganda militar na competição política e eleitoral em Angola, contrapondo-a às melhores práticas de marketing político e eleitoral, que valorizam a transparência, a segmentação de audiência e a comunicação interactiva.
1. Propaganda Militar como Estratégia de Mobilização
A propaganda militar tem como essência a mobilização emocional através da exaltação de inimigos internos e externos para promover uma lógica de “nós contra eles”. Segundo Lasswell (1927), a propaganda política de guerra busca “moldar a percepção do público e direccionar o seu comportamento de maneira controlada”. Em Angola, o MPLA e a UNITA aperfeiçoaram essa estratégia, utilizando a memória histórica dos períodos de guerra e luta pela independência como instrumentos para galvanizar apoios.
O MPLA, enquanto partido governante desde a independência, construiu uma narrativa de estabilidade e continuidade, posicionando-se como o garantidor da paz e do desenvolvimento. Para isso, recorre frequentemente à retórica da resistência contra “forças desestabilizadoras”, muitas vezes associadas à oposição. Por outro lado, a UNITA, surgida da guerrilha, adopta uma comunicação política marcada pela ideia de resistência ao poder estabelecido, utilizando discursos que evocam uma “segunda libertação” e a necessidade de mudança radical no sistema político.
Ambas as abordagens são eficazes para mobilizar militantes e reforçar a identidade partidária, mas apresentam fragilidades significativas quando confrontadas com as exigências de um eleitorado moderno, que valoriza propostas concretas e soluções pragmáticas em detrimento de discursos carregados de simbolismo e polarização.
No contexto do marketing político e eleitoral, essa abordagem tradicional contrasta com práticas mais modernas, que se baseiam na construção de marcas políticas alinhadas às expectativas dos eleitores, no uso de estratégias de persuasão voltadas para a resolução de problemas concretos e na personalização das mensagens para diferentes segmentos do eleitorado (Kotler, 1999).
2. O Papel da Era Digital e o Escrutínio Público
A ascensão da era digital transformou radicalmente a forma como as campanhas políticas são conduzidas. Hoje, os eleitores não são mais receptores passivos de informação, mas participantes activos que interagem, questionam e cobram coerência dos candidatos. Como destaca Castells (2009), “o poder na sociedade em rede está directamente relacionado à capacidade de moldar a comunicação e a opinião pública”.
Diante desse cenário, a propaganda militar enfrenta desafios significativos. O uso excessivo de discursos polarizadores e desinformação pode gerar reações adversas, especialmente entre os eleitores mais jovens e urbanos, que têm acesso imediato a diversas fontes de informação e tendem a valorizar a transparência. O caso das fake news, amplamente utilizadas em campanhas políticas para manipular percepções, é um exemplo de como estratégias antiquadas podem ser rapidamente desmascaradas e gerar crises reputacionais.
Além disso, a fragmentação das fontes de informação faz com que a lealdade partidária tradicional diminua, obrigando os partidos políticos a adoptarem abordagens mais sofisticadas para conquistar novos eleitores. Isso exige um afastamento das tácticas de propaganda militar e uma maior aproximação das estratégias de marketing político modernas, que enfatizam o diálogo, a segmentação e a construção de uma marca política coerente.
3. A Necessidade de uma Mudança Estratégica
O contexto actual exige que os partidos políticos angolanos modernizem as suas abordagens e adoptem estratégias de marketing político alinhadas com as melhores práticas globais. Entre os elementos-chave dessa transformação estão:
Personalização da mensagem: Em vez de uma comunicação massificada e rígida, é necessário segmentar o eleitorado e adaptar as mensagens às suas necessidades específicas (Newman, 2016).
Engajamento digital: O uso de redes sociais, inteligência artificial e análise de big data permite interações mais próximas e autênticas com os eleitores (Norris, 2001).
Ética e transparência: Estratégias baseadas na verdade e na construção de confiança são mais eficazes no longo prazo do que a desinformação e a retórica de confronto (Mancini, 2020).
Vejamos como uma oportunidade do mercado político a profissionalização do marketing político não significa a negação da identidade histórica dos partidos politicos, mas sim a adaptação dessas identidades às novas exigências do eleitorado. A transição de uma comunicação de confronto para uma comunicação baseada em propostas concretas e soluções viáveis pode ser o diferencial para conquistar a confiança do eleitorado em uma sociedade cada vez mais conectada e exigente.
Finalmente, é importante deixar claro que o MPLA e a UNITA são mestres no uso da propaganda militar como estratégia de mobilização, o que, em determinados momentos históricos, foi essencial para consolidar os seus apoios e fortalecer as suas bases. No entanto, na era digital, essa abordagem mostra-se cada vez mais limitada, pois o eleitorado moderno não se satisfaz apenas com discursos polarizadores e promessas genéricas. A forma como a política é comunicada evoluiu, e os cidadãos já não são meros receptores passivos de mensagens partidárias, mas actores activos no debate público, especialmente nas plataformas digitais, onde a circulação de informações permite maior escrutínio sobre os discursos e acções dos políticos políticos.
A insistência no uso de estratégias de guerra em um ambiente político que exige cada vez mais transparência, inovação e proximidade com os cidadãos pode se tornar um factor de desgaste para ambos os partidos políticos. Em sociedades onde a democracia se fortalece pela competitividade de ideias e pela valorização do eleitor como protagonista das decisões políticas, a transição para um marketing político mais estratégico e interactivo não é apenas uma necessidade política e eleitoral, mas uma condição essencial para o fortalecimento da democracia.
Além disso, o cenário político angolano está em constante transformação, e as novas gerações de eleitores, mais conectadas e informadas, não se identificam com uma retórica militarizada que remete a conflitos do passado. Em vez disso, elas buscam líderes que apresentem propostas concretas para o desenvolvimento do país, que dialoguem de forma directa e aberta, e que sejam capazes de construir confiança por meio da coerência entre discurso e prática.
Nesse sentido, os partidos políticos que conseguirem modernizar as suas estratégias de comunicação e adoptar ferramentas eficazes de marketing político e eleitoral terão vantagens competitivas no cenário eleitoral futuro. Isso implica abandonar uma lógica de confronto permanente e investir na construção de um relacionamento mais sólido e participativo com os eleitores. As campanhas devem ser guiadas por pesquisas aprofundadas sobre o comportamento do eleitorado, o uso de big data e a inteligência artificial para segmentação de públicos e a valorização de canais digitais que permitam um diálogo contínuo e autêntico.
Portanto, se o objectivo dos partidos políticos angolanos é garantir uma base eleitoral sustentável e ampliar a sua influência política, a mudança de paradigma na comunicação torna-se imperativa. A era da propaganda militar está em declínio, e o futuro das campanhas políticas dependerá da capacidade dos partidos de se adaptarem às novas dinâmicas do marketing político, focando no eleitor como cidadão activo, cujas escolhas são baseadas em propostas concretas, transparência e interação contínua.
A transformação do discurso político em Angola não será um processo imediato, pois exige uma mudança cultural dentro dos próprios partidos políticos e uma reestruturação de suas estratégias de campanha. No entanto, aqueles que souberem se adaptar mais rapidamente e adoptarem métodos mais sofisticados de engajamento eleitoral terão maiores chances de sucesso em um ambiente político cada vez mais competitivo e exigente.