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Opinião

A Polícia Nacional não é Fiscal Municipal

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A segurança pública e a fiscalização municipal são pilares essenciais para o desenvolvimento sustentável das cidades. Em Angola, a sobrecarga da Polícia Nacional com funções que deveriam ser desempenhadas por estruturas municipais compromete a eficácia do policiamento e a autonomia dos governos locais. Esse cenário evidencia a necessidade da criação de uma Polícia Municipal, permitindo que a Polícia Nacional se concentre na sua missão principal: a manutenção da ordem pública e o combate à criminalidade.

O debate sobre a municipalização da fiscalização urbana não é novo e tem sido abordado por diversos estudiosos da administração pública e da segurança. Segundo Hélio Silva (2017), “a descentralização das forças de fiscalização e segurança permite um melhor atendimento das demandas locais, tornando a gestão urbana mais eficiente e próxima da realidade dos cidadãos”. Esse princípio é reforçado pelo conceito de governança local proposto por Pierre e Peters (2000), que defendem a redistribuição de poderes e responsabilidades entre diferentes níveis de governo para melhorar a administração pública e a prestação de serviços.

1. O Papel da Polícia Nacional e a Sobreposição de Funções

A Polícia Nacional de Angola é responsável pela prevenção e repressão ao crime, manutenção da ordem pública e segurança do Estado. No entanto, frequentemente assume funções de fiscalização municipal, como o controlo do comércio ambulante, o ordenamento do trânsito urbano e a verificação de infrações administrativas. Esse desvio de função gera impactos negativos na segurança pública, pois limita os recursos disponíveis para o combate à criminalidade.

Em um estudo sobre a descentralização da segurança pública, Bayley (2005) argumenta que “uma força policial sobrecarregada com atribuições administrativas perde a sua capacidade de resposta eficiente aos desafios da criminalidade, resultando numa sociedade mais vulnerável à insegurança”. Essa realidade aplica-se a Angola, onde a Polícia Nacional, ao assumir funções municipais, reduz a sua presença e eficácia na proteção da população contra crimes violentos e organizados.

2. As Consequências da Falta de uma Polícia Municipal

A ausência de uma força municipal de fiscalização gera uma série de problemas, tais como:

2.1 Desvio de Função da Polícia Nacional

A Polícia Nacional acaba por actuar em actividades que não fazem parte do seu escopo central, desviando a sua atenção da segurança pública e da prevenção criminal. David Bayley (1994) destaca que “as polícias nacionais devem priorizar a manutenção da ordem e a repressão ao crime, enquanto as polícias locais devem ser responsáveis por questões administrativas e comunitárias”.

2.2 Ineficiência na Fiscalização Urbana

A fiscalização urbana torna-se fragmentada e reactiva. Hough e Tilley (1996) argumentam que a eficiência na segurança pública requer “forças especializadas para diferentes funções, garantindo que cada estrutura tenha objectivos claros e estratégias próprias”. A Polícia Nacional, ao assumir o papel fiscalizador, tende a actuar apenas de forma punitiva, sem um planeamento estratégico voltado para o desenvolvimento urbano sustentável.

2.3 Centralização Excessiva da Segurança Pública

A concentração do policiamento na esfera nacional dificulta a descentralização administrativa. Segundo Osborne e Gaebler (1992), “a descentralização da gestão pública melhora a eficiência dos serviços e permite maior inovação na administração local”. Isso significa que, sem uma Polícia Municipal, as administrações locais ficam dependentes de uma estrutura nacional que não está prioritariamente voltada para a gestão municipal.

2.4 Conflitos entre Polícia Nacional e Administração Local

A necessidade de as administrações municipais recorrerem constantemente à Polícia Nacional para acções de fiscalização gera tensões institucionais. Isso ocorre porque a Polícia Nacional tem um foco diferente das administrações locais, que priorizam o ordenamento urbano e o desenvolvimento económico. Denhardt e Denhardt (2000) reforçam que “a governação eficaz requer colaboração entre diferentes instituições, mas cada uma deve ter as suas funções bem definidas para evitar sobreposição e ineficiência”.

2.5 Experiências Internacionais de Polícia Municipal

Diversos países já implementaram polícias municipais para garantir uma fiscalização urbana eficiente e libertar as forças nacionais para questões de segurança pública. Em Portugal, as Polícias Municipais são responsáveis pelo ordenamento do trânsito, fiscalização do comércio e protecção ambiental, operando sob regulamentação própria. No Brasil, a Guarda Municipal actua na segurança preventiva e patrimonial dos municípios, com competências específicas definidas pela Lei nº 13.022/2014. Nos Estados Unidos, cada cidade pode ter a sua própria força policial, responsável pelo patrulhamento local e apoio comunitário. Em França, a Police Municipale auxilia na fiscalização do código de urbanismo e na segurança em espaços públicos, enquanto na Espanha a Policía Local tem autonomia para actuar na fiscalização e gestão da ordem pública municipal. Esses exemplos demonstram que a criação de uma Polícia Municipal em Angola não apenas é viável, mas representa um modelo de sucesso em diversas nações.

3. A Necessidade de Acomodações Normativas e Estatutárias

Para que a criação da Polícia Municipal seja viável e eficiente, é essencial que haja uma acomodação normativa e estatutária dentro das administrações municipais. O quadro legal angolano deve ser actualizado para permitir que os municípios tenham competência plena sobre a fiscalização urbana e a segurança local, evitando lacunas jurídicas que possam gerar conflitos entre as diferentes forças de segurança.

A descentralização da fiscalização municipal deve ser acompanhada da criação de um estatuto próprio para a Polícia Municipal, delimitando claramente as suas funções, a sua relação com a Polícia Nacional e os mecanismos de supervisão. Segundo Ferreira e Moreira (2019), “a regulamentação clara das competências municipais em segurança e fiscalização fortalece a autonomia local e melhora a prestação de serviços públicos”. Isso significa que a reforma deve abranger desde a formação e estruturação da Polícia Municipal até os seus mecanismos de financiamento e governação.

4. Propostas para uma Implementação Eficiente da Polícia Municipal

A criação de uma Polícia Municipal em Angola exige uma abordagem estruturada, baseada em experiências internacionais e nas necessidades específicas do país. Algumas propostas incluem:

Elaboração de um Estatuto Jurídico Próprio: Definição clara das competências, atribuições e limites da Polícia Municipal dentro do quadro legal angolano.

Criação de uma Escola de Formação: Desenvolvimento de um programa de capacitação específico para agentes municipais, com foco na fiscalização, mediação de conflitos e ordenamento urbano.

Definição de Mecanismos de Coordenação com a Polícia Nacional: Estabelecimento de protocolos para garantir que a Polícia Municipal actue em cooperação com a Polícia Nacional, sem sobreposição de funções.

Modelo de Financiamento Sustentável: Garantia de recursos financeiros próprios para a manutenção e expansão da Polícia Municipal, evitando dependência excessiva do orçamento central.

Fomento da Participação Comunitária: Implementação de programas de policiamento comunitário que envolvam cidadãos e associações locais na fiscalização e na construção de cidades mais seguras.

Finalmente, a modernização da gestão urbana em Angola exige uma redefinição das funções da Polícia Nacional e um fortalecimento das administrações municipais. A criação de uma Polícia Municipal permitiria uma melhor distribuição de responsabilidades, garantindo que a Polícia Nacional se concentrasse na sua real missão: a prevenção e repressão ao crime.

A descentralização da segurança pública é uma tendência global, pois melhora a eficácia das forças policiais e promove maior desenvolvimento urbano. Como enfatiza Bayley (2005), “quando os municípios têm autonomia para gerir a sua segurança e fiscalização, o resultado é um ambiente mais seguro e uma administração mais eficiente”.

Se Angola deseja melhorar a sua segurança pública e gestão municipal, a implementação de uma Polícia Municipal não deve ser vista apenas como uma alternativa, mas como uma necessidade urgente. A separação clara entre segurança pública e fiscalização urbana permitirá que o país avance rumo a uma governação mais eficiente e alinhada às melhores práticas internacionais.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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