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Análise

A miopia dos arautos da desgraça

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Por Francisco Juliana*

As teorias modernas da economia de mercado têm como pedras basilares dois teoremas de enorme relevância e alcance para o momento que vive a nossa economia.

O primeiro refere que num mercado em que os agentes dispõem do mesmo nível de informação (informação simétrica) e não existem monopólios e outras imperfeições de mercado, a alocação de recursos é feita num ambiente de concorrência perfeita e do mesmo resultará uma situação de eficiência económica.

O segundo teorema refere que neste ambiente de concorrência entre os agentes do mercado, nem todos terão o mesmo nível de sucesso e haverá mesmo aqueles que necessitarão do apoio do Estado para que possam ter uma vida digna. Surge aqui justificada a intervenção do Estado no seu papel de redistribuição do rendimento nacional.

Em síntese, enquanto o primeiro teorema da economia de mercado se refere a necessidade de existir eficiência na alocução dos recursos existentes numa dada sociedade, o segundo teorema tem a ver com o apoio aos mais vulneráveis, através de uma acção do Estado de redistribuição do rendimento criado por todos.

Estes dois teoremas são aqui trazidos para nos ajudarem a compreender a situação actual da economia angolana.

Como é de conhecimento público, Angola conseguiu finalmente a Paz no ano de 2002 e desde 2003 o país entrou numa trajectória de crescimento rápido até ao ano de 2014. Nesse período, isto é, de 2003 a 2014 o crescimento médio anual de Angola foi de 8%. Houve mesmo um espaço de tempo de 2004 a 2008 em que o crescimento médio foi de 12,54%. Angola era dos países que mais crescia no mundo.

Entretanto no período de 2015 a 2019 o crescimento médio anual de Angola foi negativo em cerca de 1%. Com excepção do ano de 2015 em que o país exibiu um crescimento pálido de 0,9%, em todos os restantes anos desse período o crescimento foi negativo.

O que terá estado na base desta mudança tão radical na trajectória de crescimento de Angola?

A resposta está no facto deste forte crescimento do período de 2003 a 2014 ter sido puxado fundamentalmente por investimentos públicos e não por uma economia baseada num sector privado forte, empreendedor e competitivo.
Entre 2003 a 2014, Angola terá gasto em média cerca de 9 mil milhões de dólares em investimentos públicos, com recursos provenientes fundamentalmente do sector petrolífero. Nessa altura o preço do barril do petróleo no mercado internacional chegou a atingir a média anual de 102 dólares americanos entre os anos de 2010 a 2014.

No período de 2015 a 2019 os gastos com investimentos públicos caíram para uma média anual de 5 mil milhões de dólares americanos. O preço do barril do petróleo no mercado internacional baixou para uma média anual de cerca de 57 dólares norte americanos.

O que temos então como evidência é que quando o preço do petróleo no mercado internacional está relativamente alto, os investimentos públicos aumentam e a economia cresce. Inversamente, quando o mercado do petróleo está em baixa, os investimentos públicos diminuem e a economia reduz drasticamente os níveis de crescimento.

Esta constatação revela uma fragilidade estrutural da economia angolana, isto é, a sua grande dependência dos investimentos públicos financiados por recursos provenientes do sector petrolífero ou de dívida pública.

A nosso ver este paradigma tem de ser definitivamente alterado de modo a que o sector privado (não petrolífero) passe a ter um papel mais activo no desempenho da economia angolana e com a sua acção diminua o peso do sector dos petróleos no PIB de Angola. Só deste modo poderemos ter no país uma economia que consiga exibir níveis de crescimento sustentados ao longo do tempo e baseados em critérios de competitividade e de eficiência.

E como fazer isso?

Para além de todos os aspectos que têm a ver com a melhoria do ambiente de negócios em Angola e do seu capital humano há aqui a destacar 3 variáveis fundamentais as quais é preciso prestar uma atenção especial: a taxa de juro, a taxa de inflação e a taxa de câmbio.

Devido a redução do preço do petróleo no mercado internacional, Angola tem apresentado desde o ano de 2015 saldos orçamentais negativos nas suas contas públicas. O saldo negativo mais elevado foi atingido no ano de 2017, com uma cifra de -6,9% do PIB.

Como resultado das medidas de consolidação fiscal levadas a cabo pelo Executivo do Presidente João Lourenço, esta trajectória foi revertida e nos anos de 2018 e 2019, Angola passou a apresentar saldos orçamentais positivos em vez de déficits.

Com saldos orçamentais positivos as necessidades de endividamento do Estado diminuem e, com isso, as taxas de juro de mercado tenderão a diminuir.

Quando as necessidades de endividamento de um país são altas, as taxas de juro também são altas, porque os que investem na compra da dívida do Estado querem ser compensados pelo risco que correm ao se envolverem em tal transacção.

Taxas de juro altas afastam o investimento do sector privado na economia real e os bancos têm pouco incentivo em emprestar dinheiro aos empresários porque ganham muito mais com a compra da dívida do Estado.

Por isso ao passar a apresentar saldos orçamentais positivos o Executivo está no bom caminho no sentido de diminuir de modo sustentado e gradual as taxas de juro prevalecentes na economia.

A taxa de inflação também tem tomado uma trajectória decrescente. Depois de ter atingido o nível de 41% em 2016, a mesma alcançou a taxa de 17% em 2019. Os níveis são ainda relativamente altos em termos absolutos, mas não há dúvidas de que a sua tendência é claramente descendente.

Com taxas de inflação mais baixas as taxas de juro nominais serão também mais baixas, porque quanto maiores forem as taxas de inflação maiores serão as taxas de juro nominais.

Noutras palavras, o facto de se ter controlado os saldos orçamentais conjugado com uma trajectória decrescente das taxas de inflação, conduzirá a uma diminuição gradual e sistemática das taxas de juro nominais da economia.

As medidas de estabilização do mercado cambial que estão em curso desde 2018 e com mais intensidade a partir do último quarto do ano de 2019, por se basearem numa maior flexibilidade da variação da taxa de câmbio têm conduzido a uma maior depreciação da moeda nacional em relação às principais moedas internacionais.

Contudo, nas condições actuais de uma acentuada falta de recursos externos do país, esta parece ser ainda a medida mais ajustada. Se o ajustamento não se fizesse pela via da depreciação da taxa de câmbio, então as autoridades monetárias teriam de estar em condições de pôr à disposição do público a quantidade de moeda externa demandada pelo mesmo com base numa taxa de câmbio “administrativa”, o que não é exequível nas condições actuais, pois voltar-se-ia ao cenário de monopólio no acesso às divisas, a especulação agressiva da moeda e a dinamização de mercados alternativos para pagamentos de bens e serviços importados.

A gestão do mercado cambial com base em taxas de câmbio “administrativas” foi o percurso que foi seguido até ao ano de 2017 e que, claramente estava a levar o país a total exaustão das suas reservas internacionais Liquidas.
Basta ver que de Dezembro de 2016 a Dezembro de 2017, Angola viu as suas reservas internacionais Liquidas diminuir em mais de 7 mil milhões de dólares americanos. Na verdade, entre 2015 e 2017, período em que se agudizou a crise, as Reservas Internacionais caíram em cerca de 50%.

Entretanto no período de Dezembro de 2018 a Dezembro de 2019, fruto das transformações introduzidas no mercado cambial, as Reservas internacionais líquidas em vez de diminuir aumentaram em cerca de mil milhões de dólares americanos. Este facto ocorreu pela primeira vez desde o ano de 2013.

Por outro lado, a conta corrente da Balança de Pagamentos que era negativa desde 2015, passou a exibir saldos positivos nos anos de 2018 e 2019. Estima-se que a Balança de Pagamentos de Angola tenha sido superavitária em 2019, pela primeira vez depois da crise económica e financeira iniciada em 2014.

A depreciação da moeda nacional torna as importações relativamente mais caras, o que fez com que em 2019 as importações de bens e serviços, em particular de bens alimentares tivessem diminuído em cerca de 31%.
Este efeito da depreciação da moeda é positivo porque induz os agentes económicos a apostarem na produção nacional em vez de simplesmente importarem os produtos de maior consumo popular.

Depois do que foi referido acima, parece não restarem dúvidas de que as medidas que têm sido tomadas pelo Executivo estão correctas e estão apontadas no sentido de ser dado o verdadeiro espaço ao sector privado e deste modo mudar definitivamente a estrutura económica de Angola, tornando o país menos dependente dos recursos do petróleo ou do excessivo endividamento.

É algo de que muito se falou em discursos no passado, mas que nunca foi aplicado de modo abnegado e corajoso.

Agora que as medidas e as reformas apropriadas estão a ser implementadas, porque razão aparecem vozes que estão apenas interessadas em apresentar um quadro negro da situação actual do país e a evidenciar uma visão míope que não consegue ver que os resultados das politicas actuais vão ser verificados mais a frente e não de imediato.

Esta visão míope não só não assenta em bases teóricas fortes mas é também perigosa do ponto de vista da formulação das políticas públicas em Angola, porque pode levar a que nos acomodemos às politicas adoptadas no passado e que jamais alcancemos a almejada alteração da sua estrutura económica.

Se os gastos do Estado não tivessem sido diminuídos e racionalizados a partir de 2018 e por esta via não tivesse havido uma forte diminuição das necessidades de endividamento do Tesouro Nacional, provavelmente estaríamos hoje no abismo e para sair dele teríamos de enfrentar altos custos de natureza económica, financeira e reputacional, podendo, em última análise, por em causa a soberania do país.

As medidas tomadas do ponto de vista fiscal ao diminuírem os gastos globais do Estado, conduziram também a diminuição dos investimentos públicos e como o crescimento de Angola tem estado muito associado aos investimentos públicos, levaram também a uma retracção dos níveis de crescimento. Com a retracção da economia cresceram os níveis de desemprego do país.

Falar e exaltar os níveis de desemprego hoje prevalecentes em Angola fora deste contexto não é um exercício de rigor técnico e analítico.

Não nos podemos esquecer que Angola vive uma situação de recessão económica desde 2015, que não foi causada pelos decisores políticos actuais.

Num ambiente de recessão económica, cresce o desemprego e em termos definitivos tal situação só pode ser resolvida com o crescimento dos sectores não petrolíferos, como a agricultura, a agro-indústria, a indústria transformadora, a indústria extractiva, as pescas, a construção, o turismo e outros domínios que são intensivos em mão de obra.

Com o crescimento sustentando destes sectores vai aumentar o emprego no país, vão aumentar os rendimentos dos cidadãos e, por conseguinte, vão aumentar as condições de vida e o bem estar dos angolanos.

E quem deve alavancar o crescimento destes sectores devem ser os empresários e as empresas privadas que deverão converter-se no motor da economia angolana.

As políticas com vista ao aumento da produção nacional estão a ser implementadas com objectividade e firmeza e certamente os seus resultados serão vistos e sentidos nos próximos anos. Temos de ter consciência de que as mudanças estruturais numa economia não se fazem de um dia para o outro. Levam o seu tempo e durante o período de transição de um estado da economia para o outro surgem alguns fenómenos sociais não desejáveis. Mas o percurso tem de ser feito.

Para atenuar os efeitos destes fenómenos sociais não desejáveis o Estado deve intervir com programas expressamente delineados para este fim, como por exemplo os programas de combate à pobreza e outros. Assim o diz o 2º teorema da economia de mercado a que fizemos referência logo no inicio.

Os chineses têm um provérbio que diz que uma longa caminhada começa com o primeiro passo. Este passo já está dado. Agora é preciso seguir em frente e não vacilar.

Se não levarmos a cabo com determinação e coragem as politicas que nos conduzirão a uma mudança da estrutura económica de Angola, o 1º teorema da economia de mercado a que também fizemos referência no inicio deste artigo não se materializará e a economia angolana permanecerá sempre dependente do sector público e dos investimentos públicos para crescer e Angola jamais alcançará os níveis de competitividade necessários para ter uma economia dinâmica, forte e competitiva. E o sector privado nunca será capaz de se converter no motor da economia.

A concorrência e a competição entre os agentes económicos são essenciais para que haja eficiência numa sociedade.
Não percamos de vista que os grandes talentos empresariais e de outros domínios da vida apenas aparecem em ambientes de competição e inovação. Esta é a principal implicação do princípio da destruição criativa de Shumpeter.

*Economista