Opinião
A “mão invisível” de Adam Smith está amarrada em Angola – e quem ganha com isso?
A teoria do livre mercado, defendida por Adam Smith e outros economistas clássicos, sempre foi apresentada como a chave para a prosperidade das nações. A ideia de que a economia, deixada livre de intervenções estatais, se autorregularia por meio de uma “mão invisível” seduziu gerações de governantes e empresários. No entanto, quando essa lógica é confrontada com a realidade angolana, desmorona-se rapidamente.
Em Angola, onde a economia ainda sofre os efeitos de uma dependência extrema do petróleo, infra-estruturas deficitárias e um sector produtivo fragilizado, a simples aplicação do laissez-faire não só seria insuficiente como agravaria ainda mais as desigualdades existentes. A concorrência livre e justa, que Smith tanto defendia, é uma utopia num mercado onde o acesso ao crédito, aos insumos e às oportunidades é altamente desigual.
Além disso, outras teorias económicas clássicas, como a Lei de Say e a teoria populacional de Malthus, também encontram dificuldades quando aplicadas ao contexto angolano. O país enfrenta desafios estruturais que não podem ser resolvidos apenas pela força do mercado. Pelo contrário, exigem uma acção governamental estratégica e um modelo económico que considere as especificidades nacionais.
Diante disso, torna-se imperativo que Angola desenvolva uma filosofia económica própria, uma matriz que respeite a essência antropológica do país. A economia não pode ser vista apenas como um conjunto de fórmulas universais aplicáveis a qualquer contexto, mas sim como uma construção enraizada na cultura, nos hábitos de produção e na estrutura social do povo angolano. Os teóricos clássicos referenciados podem ter oferecido contribuições valiosas ao pensamento económico global, mas não tiveram necessariamente um diálogo contextual com realidades como a de Angola. Adaptar esses modelos sem uma compreensão profunda da dinâmica social e histórica do país seria um erro grave.
A “Mão Invisível” está Amarrada
Adam Smith defendia que a riqueza das nações não estava na acumulação de ouro e prata, como pregavam os mercantilistas, mas sim no trabalho produtivo e na livre concorrência. Segundo ele, uma “Mão Invisível” guiaria o mercado, garantindo que, sem interferências excessivas do Estado, a economia se autorregularia e traria prosperidade para todos.
No entanto, se essa lógica fosse aplicada rigidamente à realidade angolana, os resultados seriam, no mínimo, catastróficos. O país enfrenta desafios estruturais que impedem que a simples abertura dos mercados seja suficiente para impulsionar o crescimento e o desenvolvimento. A dependência extrema do petróleo, a fragilidade da produção nacional e a persistente burocracia criam um ambiente onde a competição não é justa e a livre iniciativa torna-se um conceito abstracto.
A economia angolana continua excessivamente dependente do sector petrolífero, que representa a maior parte das receitas do Estado e das exportações. O discurso sobre diversificação económica já se arrasta há anos, mas o progresso é lento. Pequenos e médios empresários enfrentam desafios diários, desde a dificuldade de acesso ao crédito até à falta de infra-estruturas adequadas para escoar a produção. Se o livre mercado fosse suficiente para garantir o crescimento, Angola já teria desenvolvido um sector industrial competitivo e uma agricultura robusta.
Entretanto, o que se vê é o oposto: uma economia altamente concentrada em poucas mãos, com monopólios e oligopólios que dificultam a concorrência e mantêm os preços elevados. A lógica de Smith, que pressupõe que todos os agentes económicos têm as mesmas condições de competir, simplesmente não se aplica a um mercado dominado por grupos com acesso privilegiado ao capital e ao poder.
O Estado Mínimo de Smith e a Realidade Angolana
Smith defendia que o Estado deveria limitar-se a três funções essenciais: investir em infra-estruturas, garantir a segurança e defender a soberania nacional. Em teoria, esse modelo permitiria que os mercados florescessem sem a interferência governamental. No entanto, em Angola, a infra-estrutura ainda está longe de ser um motor de crescimento. Estradas em más condições, portos sobrecarregados e um sistema de transportes ineficiente encarecem os custos de produção e distribuição, reduzindo a competitividade da produção nacional.
Na área da segurança e justiça, a situação também não inspira confiança. O alto índice de criminalidade urbana e a morosidade do sistema judicial criam um ambiente de incerteza para investidores e empreendedores. Sem segurança jurídica, é difícil atrair investimentos sustentáveis. Enquanto isso, a defesa nacional continua a ser uma prioridade, mas muitas vezes em detrimento do desenvolvimento social e económico do país.
Jean Baptiste Say e a Falácia da Oferta
Outro economista clássico, Jean Baptiste Say, afirmava que “a oferta cria a sua própria procura”, sugerindo que a simples produção de bens e serviços geraria automaticamente o consumo necessário para sustentar o crescimento económico. No entanto, essa teoria ignora realidades como o poder de compra da população e a concorrência desleal com produtos importados.
Em Angola, os bens produzidos localmente enfrentam altos custos de produção e dificuldades logísticas, tornando-se menos competitivos em comparação com os produtos importados. A consequência? Os mercados são inundados por produtos estrangeiros, enquanto a produção nacional luta para sobreviver. Se Say estivesse certo, a simples existência de uma oferta nacional seria suficiente para impulsionar o consumo, mas a realidade angolana mostra que, sem políticas de incentivo à produção e ao consumo local, a dependência externa continuará a crescer.
Thomas Malthus e o Desafio Populacional
Thomas Malthus, por sua vez, alertava que o crescimento populacional tende a superar a capacidade de produção de alimentos, resultando em fome e miséria. Infelizmente, essa previsão encaixa-se em muitos aspectos na realidade angolana. O país possui uma população jovem e em rápido crescimento, mas a agricultura nacional não acompanha essa evolução.
A falta de investimento em tecnologia agrícola, o acesso limitado a crédito para pequenos agricultores e a dependência de importações tornam o sector vulnerável a crises externas. A inflação nos preços dos alimentos impacta directamente a qualidade de vida da população, tornando cada vez mais difícil garantir a segurança alimentar. Malthus argumentava que, sem controlo populacional ou aumento da produção agrícola, a pobreza tornar-se-ia inevitável. E, de facto, em Angola, a elevada taxa de natalidade combinada com uma produção agrícola insuficiente cria um cenário de instabilidade social e económica.
O Livre Mercado Não Resolve Tudo
A teoria económica clássica trouxe contribuições inegáveis para a compreensão dos mercados, mas acreditar que a simples desregulação e abertura comercial seriam suficientes para transformar Angola num modelo de prosperidade é uma ilusão. O país enfrenta desafios estruturais profundos que exigem soluções concretas e adaptadas à sua realidade.
A competitividade real só pode ser alcançada com investimento em educação, inovação tecnológica, infra-estruturas eficientes e políticas que incentivem a produção nacional sem comprometer a livre iniciativa. O Estado não pode ser apenas um espectador na economia, como sugeria Smith, mas sim um facilitador do desenvolvimento.
Portanto, a crença cega no livre mercado como solução universal ignora realidades fundamentais da economia angolana. A ideia de que a “Mão Invisível” corrigiria todas as distorções do mercado esbarra na falta de infra-estruturas, na baixa competitividade da produção nacional e na desigualdade no acesso a oportunidades.
Sem uma política económica eficaz, que equilibre o incentivo ao sector privado com a necessidade de intervenção estatal estratégica, o desenvolvimento sustentável continuará a ser um sonho distante. No fim das contas, se Adam Smith estivesse vivo e tentasse aplicar as suas ideias em Angola, provavelmente perceberia que a sua famosa “Mão Invisível” estaria, na verdade, completamente atada.