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A ‘falha’ dos países que exigem a criação de um Estado palestino
Movimento a favor da oficialização da Palestina como uma Nação soberana ganha mais um aliado de peso: o Presidente angolano João Lourenço, que a partir de Portugal, sugeriu para que o mundo deixasse de olhar ao lado em relação ao sofrimento dos palestinos.
Multiplica-se o número de países, chefes de Estados e de governos, que defendem a constituição e o reconhecimento da Palestina como um Estado soberano e com presença na maior arena de política internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU).
Infelizmente, para lá das críticas a Israel, as abordagens da necessidade de transformação da Palestina como um Estado não têm sido acompanhadas com propostas concretas, concebidas tendo em conta à realidade contextual. Limitam-se apenas a dizer que se deve voltar às fronteiras de 1967.
As fronteiras de 1967 referem-se às linhas do armistício estabelecidas após a Guerra dos Seis Dias, que opôs Israel e seus vizinhos. Essas fronteiras incluíam partes da Cisjordânia, Jerusalém Oriental, Faixa de Gaza e as Colinas de Golan.
O imbróglio entre judeus e palestinos é uma história velha, mas agravou-se assim que Israel proclamou a sua independência a 14 de Maio de 1948.
Antes dessa data, os judeus, a tribo que personifica o Estado israelita, não só foram os povos mais marginalizados do mundo, mas também os únicos que não tinham terra. Vaguearam pela Europa e América, após longos anos de terem sido arrancados do Médio Oriente.
E foi pela mão do diplomata brasileiro Osvaldo Euclides de Sousa, então presidente da ONU, o órgão reitor da política internacional, que em 1947, a entidade aprovou a Resolução 181, que validou a divisão do território palestino em dois Estados, um árabe, palestino, e um judeu.
Nessa divisão decidida pela ONU, Israel ficaria com 55% do território, e a Palestina com 45%. Entretanto, os palestinos e todo o mundo árabe recusaram a decisão.
Israel proclamou a sua independência em 1948, precisamente um dia antes do fim do mandato do Império Britânico, que governava o território.
Os palestinos e a comunidade árabe, ao invés de investirem para a constituição de um Estado palestino, com infra-estruturas governativas, académicas, habitações, e de defesa e segurança, deixaram-se tomar pelo ódio que nutrem pelos judeus, e, formando uma coligação militar extensiva e poderosa, atacaram os israelitas a 15 de Maio daquele ano, apenas um dia depois desse pequeno Estado ter proclamado sua independência.
Para a guerra, que visava anular a criação de Israel como Estado e expulsar os judeus daquela circunscrição, partiram o Egipto, Jordânia, Síria, Líbano, Iraque e os árabes palestinos. Entretanto, foram todos derrotados, um facto que levou a expulsão em massa de palestinos, levando Israel a estender seu domínio territorial.
Em 1967, Israel, na posse de informações de que estava iminente novamente um ataque contra o seu território, realizou um ataque surpresa contra o Egipto, Jordânia e a Síria. A guerra durou seis dias, tendo sido Israel novamente vitorioso. Com efeito, ocupou mais algumas áreas, como a Península do Sinai, Faixa de Gaza, as Colinas de Golã, Cisjordânia e toda a cidade de Jerusalém.
Portanto, quando os chefes de Estados e de governos exigem a criação de um Estado palestino, devem lembrar-se de factos históricos, a sensibilidade dos grupos envolvidos, e não limitarem-se a forçar a concepção.
O movimento que exige o reconhecimento da Palestina na ONU e a sua consequente aceitação geral como uma nação independente e soberana, começa a ganhar corpo. São já vários países nessa linha, desde alguns do continente europeu, americano, e africano. Mas recentemente as autoridades angolanas também passaram a fazer parte desse movimento.
A partir de Portugal, de onde foi convidado para participar das celebrações dos 50 anos desde o 25 de Abril de 1974, o presidente angolano João Lourenço sublinhou ter “chegado o momento de se exigir o fim desta guerra [Israelo-palestino iniciado a 7 de Outubro de 2023, com um ataque palestino] e começarmos a dar, sem mais demora, os passos concretos e necessários para a criação de facto do Estado da Palestina, como determinam as várias Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que considera esta a única forma segura e duradoura de solução deste velho conflito, no interesse de ambos os povos, o judeu e o palestino, de Israel e da Palestina”.
Entre outras coisas, o Chefe de Estado angolano, uma das mais importantes potências da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), referiu que o “mundo não pode permitir que, com o argumento da necessidade da eliminação do Hamas [grupo palestino tido como terrorista pelo Ocidente e Israel], o povo palestiniano seja exterminado não só pela acção das bombas, como também pela negação imposta pela força ao mais elementar direito humanitário, o do acesso aos alimentos, à água e assistência médica e medicamentosa”.
As declarações de João Lourenço foram bem acolhidas por diferentes Estados e organizações civis. Entretanto, o que falta é os países pensarem objectivamente num modelo de criação da Palestina como Estado, que não represente uma ameaça existencial de Israel.
O que se deve levar em conta antes da criação da Palestina como um Estado?
No processo de concepção da Palestina a que os chefes de Estado e de governo estão agora empenhados, deve-se antes perceber o objectivo mais intrínseco dos palestinos, pois não se pode criar um Estado criando condições para a extinção de outro já existente.
Deve-se sentar com os palestinos, através de suas organizações administrativas, visando o abandono do ódio e o desejo da eliminação de Israel enquanto Estado, numa perspectiva de construção de reconciliação e paz douradora.
Por exemplo, para concepção de uma relação de confiança entre os dois povos, o Hamas, o grupo que governa a Faixa de Gaza, deve alterar o seu estatuto, o documento reitor de sua existência, que espelha o seu objectivo real e existencial.
No documento, o Hamas considera nula a Resolução 181 da ONU, que determinou a divisão da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe (Israel e Palestina), em 1947, e reafirma, ainda no documento, numa clara alusão da necessidade de eliminação de Israel como uma Nação, de que a terra palestiniana ocupa toda extensão do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo, uma área geográfica que actualmente alberga o Estado de Israel, e a zona da Palestina.
“São considerados nulos e sem efeito: a Declaração Balfour, o Documento do Mandato Britânico, a Resolução da ONU sobre a Divisão da Palestina e quaisquer resoluções e medidas que deles derivem ou que sejam semelhantes a eles. O estabelecimento de “Israel” [aspas colocadas no documento] é totalmente ilegal e viola os direitos inalienáveis do povo palestino e vai contra a sua vontade e a vontade da Ummah; é também uma violação dos direitos humanos que são garantidos por convenções internacionais, o principal deles é o direito à autodeterminação”, lê-se no artigo 18.º do Estatuto do Hamas.
No artigo 20.º do seu estatuto, o grupo liderado agora por Yahya Sinwar adverte: “nenhuma parte da terra da Palestina será comprometida ou concedida, independentemente das causas, das circunstâncias e das pressões. E não importa quanto tempo dure a ocupação [de Israel]. O Hamas rejeita qualquer alternativa à libertação total e completa da Palestina, do rio ao mar. No entanto, sem comprometer a rejeição da entidade sionista [Israel] e sem renunciar a quaisquer direitos palestinos, o Hamas considera o estabelecimento de um Estado palestino totalmente soberano e independente, com Jerusalém como sua capital (…)”, lê-se.
Actualmente, face às investidas de Israel contra o Hamas, uma acção com consequências para todos os palestinos da zona, multiplicaram-se as manifestações em todo o mundo contra Israel. As manifestações que estão a fazer manchetes em jornais são as que têm sido realizadas em campus universitários norte-americanos por jovens árabes descendentes, nas quais a palavra de ordem tem sido a eliminação de Israel, com a canção de que a Palestina será erguida a partir do rio até ao mar.
Este sentimento de ódio passado de geração à geração deve ser tido em conta na hora em que se pretende forçar Israel a aceitar a criação, junto de suas fronteiras, de Estado que represente uma ameaça real.