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Opinião

A Epopeia do subdesenvolvimento – O caso IVA

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Em 2012, ainda em plena fase de boon económico angolano, chefiei uma importante delegação de carácter privado, que foi enviada para o Dubai, com intuito de analisar com a EMAAR ( uma das maiores promotoras Imobiliarias do Dubai e do mundo ) a possibilidade deste gigante do médio oriente entrar, com investidores angolanos, na construção e promoção imobiliária na zona da marginal de Luanda. Talvez pelas similitudes (aterro da marginal foi inspirado no aterro da ilhas da Palmeira Jumeirah do Dubai), nós, os angolanos, ousados, motivados e com o nosso ego inflamado pelo repentino agigantar do PIB nacional (graça aos petro-dólares em alta ) , estávamos convencidos que o nosso minúsculo aterro da marginal de Luanda pudesse interessar ao mais avançado e próspero país do aterro marítimo ( sem desprimor para os Países Baixos). Fomos bem recebidos. Mister Mohamed Alabbar, Chairman da EMAAR, brindou-nos com a arte de bem receber e custeou a nossa estadia de dois dias. Eu, como responsável da delegação, tive o privilégio de ficar hospedado no luxuoso Address Hotel ( Este Hotel veio a incendiar-se parcialmente na passagem de ano de 2014-2015 ) em downtown, frente a torre Khalifa ( torre mais alta do mundo) e o resto da delegação, composta por mais cinco membros, foram acomodados num hotel mais modesto, todavia , de bom nível e a escassos metros do coração do Dubai. Para além dos encontros de trabalho, o primeiro foi na residência de Mr. Alabbar, fomos ainda brindados com um almoço no Restaurante At. Mosphere Gril & Lounge ( um dos mais alto do mundo, fica no andar 123 da torre Khalifa) e agraciados ainda com brindes – cristal da réplica da torre Khalifa, oferecido pela EMAAR. A residência do Mr. Alabbar fica na ilha Palmeira Jumeirah, uma sumptuosa mansão de estilo árabe. Na chegada, fomos recebidos pelo próprio Mr. Alabbar , vestido no rigor árabe, túnica branca e turbante a condizer, mas com uma sofisticação que deixaria os beduínos do século VI orgulhosos dos avanços que os seus descendentes ostentam actualmente. Durante o encontro, Mr. Alabbar disse-nos algo que me marcou para sempre – “nós não somos uma república, nem somos uma democracia e só aceitamos do ocidente aquilo que não põe em causa a nossa cultura, ou a nossa religião””! Lá está, um árabe vestido como trajavam os seus ancestrais há 15 séculos atrás, mas nós angolanos de fatos de alta costura, pisando inevitavelmente os tapetes persas que sumptuosamente embelezavam a sala nababesca !

Mas porque esta descrição?

Ela serve, sobretudo, para tirar duas conclusões: a primeira é que os países árabes mais desenvolvidos não cedem cegamente as imposições ocidentais, conservando aspectos culturais que são determinantes no fortalecimento das suas economias e para o bem estar das suas populações. A segunda, prende-se com a falta de planeamento estratégico do desenvolvimento sócio económico de Angola.

Em boa verdade, Angola desde os primórdios da sua existência cedeu sempre as imposições do ocidente: foi assim com a colonização e não tem sido diferente nos 44 anos de independência. Sem desprimor para os efeitos da guerra, ela própria também com forte influência estrangeira, a epopeia de subdesenvolvimento do nosso país é fortemente marcado pela importação de modelos, imitações desastrosas e inércia das autoridades face o ascendente do que vem de fora. Senti-me mal na casa do Mr. Alabbar, pois eu, naquele encontro, não levava nada que era nacional, excepto a nacionalidade. E mais : estava a propor ao culto dignatário árabe algo que também nada tinha a haver com a nossa cultura ! A cidade financeira que sugerimos no encontro ( sugerimos construir uma cidade financeira no aterro próximo do Porto de Luanda) não era uma invenção nacional, era uma cópia de outros centros financeiros pelo mundo a fora. Todavia, o mais deprimente foi constatar que na conversa mantida nada era nacional. Mr. Alabbar brindo-nos ainda com uma visita guiada a Torre Khalifa. No alto da sua hospitalidade irrepreensível, orgulhosamente disse-nos que os engenheiros ingleses , que ergueram o monumento mundial, foram coadjuvados pelos engenheiros árabes e na construção do monstruoso edifício tiveram em conta os aspectos da cultura árabe. A ilustração por fotos da construção da Burj Khalifa, nas várias etapas, e , por fim , a explicação que recebemos da troca do nome foi lapidar: a Torre inicialmente iria chamar-se “ torre do Dubai”, mas a sua construção, que custou bilhões de dólares, foi afectada pela crise financeira mundial de 2008. Para sua conclusão, os promotores locais do Emirados do Dubai pediram ajuda ao Presidente do seu país (Emirados Árabes Unidos) , o Sheikh Khalifa bin Sultan Al Nahayan, simultaneamente emir de Abu Dhabi e este emprestou dos seus fundos privados, alguns bilhões que faltavam para a terminar o edifício mais alto do mundo. Em sua homenagem, tanto os promotores como o principal impulsionador, emir do Dubai, o Sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum, propuseram e foi aceite que o edifício passa-se a chamar-se “ torre Khalifa”.

Em Angola, sendo uma República, tal não aconteceria ! Mas isso é outra discussão.

O que tem isso haver com o IVA perguntar -me – ião ?

Os Emirados Árabes Unidos ( Dubai) tal como a Arábia Saudia, dois dos países mais prósperos do Médio Oriente, introduziram o IVA o ano passado, por recomendação do FMI. Como se vê, até as nações árabes mais aguerridas nas suas convicções nacionais, cedem perante evidências econômicas. Na verdade, a crise do preço do petróleo ocorrida em 2014, que afectou Angola, prejudicou igualmente outras economias dependentes da indústria petrolífera, mesmo sendo mais robustas do que a nossa. Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, bem como outros países da região, designadamente o Kuwait, Bahrain e Quatar ( que estão a introduzir o IVA este ano) foram de certo modos impelidos a introduzir o IVA para diversificar as fontes de financiamento dos orçamentos nacionais . Os dois países do Golfo Pérsico, Emirados Árabes Unidos ( onde o Dubai é o Emirado mais conhecido ), e a Arábia Saudita introduziram o IVA a 1 de janeiro de 2018. Foi aplicada uma taxa de 5% sobre a generalidade de bens e serviços. Os dois países decidiram aplicar essa taxa sobre a maioria dos bens e serviços transacionados nas suas economias, tais como petróleo, alimentos, roupas e hotéis, etc. Contudo, os transportes públicos, o sistema nacional de saúde, e a banca ficaram isentas de IVA. Mais de 90 % das receitas orçamentais da Arábia Saudita provinham da indústria ligada ao sector petrolífero e no caso dos Emirados era cerda de 80 %. Não percamos de vista que não há tributação do rendimento de trabalho nestes dois países.

Contudo, Angola não é semelhante a estes dois países do Golfo Pérsico, a não ser no peso que o petróleo tem na economia. Aqui trazidos, a questão que se coloca é a de saber se devemos seguir os passos destas nações e mais uma vez imitar, ainda que sejam bons exemplos? Pensamos que os paradigmas e teorias económicas devem ser os mesmos, uma vez que a ciência é universal, mas a oportunidade e a forma de aplicar deve ter em conta as especificidades de cada país. Pensamos que o IVA a 14 % é muito elevado e não deve abranger áreas como a educação, transportes públicos, saúde, nem a banca para não onerar mais o cidadão nacional e a iniciativa privada já empobrecida com crise de 2014. Penso que deve haver uma política fiscal mais atrativa para o investimento de modo a catapultar Angola para o patamar de desenvolvimento. A pesada carga fiscal nos países em vias de desenvolvimento é um dos obstáculos ao seu crescimento económico e social. Na verdade, nações , como Angola, estão num ciclo vicioso de endividamento e de elevada carga fiscal que não permitem crescimento económico. Há que quebrar este ciclo. Embora o Emirados Árabes Unidos produzam mais do dobro da produção nacional e a Arábia Saudita extrai sete vezes mais petróleo do que Angola, mas sendo economias baseadas na dependência do petróleo, podemos nos inspirar nas saídas que estas duas nações encontram para tornarem-se economias robustas e prósperas ! Foi seguramente o investimento, na educação, infra-estruturas, na importação de tecnologia de ponta, no turismo entre outros sectores que estão na base do sucesso destas nações. Mas há um denominador comum incontornável do sucesso destas nações – não cederam ao ocidente cegamente e encontram saídas com cunhos nacionais.

Na saída do Dubai, olhei do avião a ilha das palmeiras feitas no mar e pensei o quão Angola está distante dos progressos do Dubai, mas sai com a lição estudada: contribui para que encontremos o caminho do desenvolvimento alinhado à ciência e tecnologias de ponta, a nossa cultura, a idiossincrasia dos angolanos. Mas ficou adiado o projecto da cidade financeira na marginal ( a EMAAR não avançou e eu sai do projecto) e adiado está também a entrada IVA. Mas permanece o sonho de um dia , para breve , em plena marginal ou numa aldeia como a de Camela Amões, quiçá vestido pela Nadir Tati, ou trajando Samakaka, olhando do alto de uma torre moderna de 22 andares, ou num jango, comendo funge com quizaca, ou pirão com mucacu e lombi, ouvindo a dicanza num dia da festa da ilha, ou num ritual “ Ekwenje” em Quilegues, conversarei com um árabe sobre investimentos em Angola, em retribuição ao gesto inolvidável do Mr. Alabbar. Nesta altura, espero , que o IVA ( se baixar) já não será um estorvo ao crescimento de Angola.

Por agora, mais não digo …

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1 Comment

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  1. Tomás Pedro Chimunga

    10/07/2019 at 7:50 am

    Gosto muito de ler as publicações do Dr. Lazarino.

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