Opinião
A epopeia de Gilgamesh no contexto político angolano
Por: Prof. Moisés Kambundi
Durante alguns anos, Angola, esteve mergulhada em várias fases de conquistas, conseguidas com revoluções culminando com muito sangue derramado. A nossa independência não foi conseguida de forma fácil e dócil, teve todas as dores e perdas possíveis para que tenhamos o país que temos hoje. Assumiu-se o comunismo, economia planificada, mas em 1987, começou a ver necessidade de descentralizar a economia, reformar o sistema financeiro, foi assim que surge o Pacote SEF (saneamento económico financeiro), dando liberdade a iniciativa privada, um modelo de economia de mercado.
Tivemos de nos readaptar. O curioso é que esta medida era inconstitucional, porque a nossa lei constitucional revista de 1978, não previa tais disposições normativas, vindo a materializar-se com a nova lei constitucional de 1992. Tivemos outros processos de conflitos difíceis, culminando com a paz em 2002, e mesmo assim, não foi suficiente para atingirmos o pódio enquanto país, pelo menos na região, pois, esteve mergulhada em actos nefastos como a corrupção, nepotismo, roubos do erário do público, temos um caminho grande pela frente para dirimirmos estes males, difícil inverter este quadro mas temos de começar. Quem conhece as entranhas do mal deve as combater, e mesmo com toda a imperfeição possível o PR João Lourenço tem tido algum sucesso.
Após esta introdução, vamos ao artigo.
Os grandes pensadores e cientistas políticos, afirmam que é preciso um Estado, uma lei, para resolver conflitos de interesses, contendo a violência e impor que os comandos normativos vinquem, não permitir a anomia.
Jonh Locke diz: onde não haver lei não há liberdade.
No entanto, nós os angolanos, reclamamos que queremos mais, o que é legítimo, se há condições para termos mais devemos ter, porque temos problemas endémicos que perduram há décadas e precisam de ser sanados.
Gilgamesh, era o rei de Uruk, provavelmente a primeira cidade mundo, situada no sul do actual Iraque, agora num seco canal do rio Eufrates. A mitologia diz que Gilgamesh criou uma cidade notável, com serviços públicos, comércio, e seus habitantes estavam satisfeitos. Tinham palácios, templos, lojas, mercados, as casas e as praças públicas, um lugar bonito e verde, muralhas brilhavam ao sol como cobre.
Mas perfeição não existe.
A cidade estava em posse de Gilgamesh, arrogava-se como sua pertença, e espezinhava os seus cidadãos, porque é o todo soberano, faz o que quer, ninguém se atrevia a opor-se-lhe, esmagava os filhos e usava as mulheres.
Gilgamesh estava fora de controlo, tinha excesso de poder. Quem era como Gilgamesh em Angola?
O desespero fez o povo bradar aos céus a Anu, o deus do Céu, a principal divindade dos sumérios, rogaram-lhe:
Pai celestial, Gilgamesh ultrapassou todos os limites, o povo sofre com a sua tirania… é assim que queres que o teu rei governe? Deverá um pastor atacar o seu próprio rebanho?
Anu ouviu, e pediu a Aruru, mãe da criação, para criar um duplo de Gilgamesh, o seu segundo eu, o seu oposto, mas, que igualasse a sua força e coragem, para criar um novo herói, para que equilibrasse perfeitamente, para que Uruk tivesse paz.
Anu pensou nesta solução, o que foi considerado pelos autores Daron Acemoglu e James Robinson “O Problema de Gilgamesh”. A pretensão é que a nova criação, Unkidu, pudesse contê-lo, havendo um equilíbrio entre coisas boas e más, peso e contra peso. É este o problema que tínhamos em Angola e que aos bocados se vai decepando, se os tendenciosos dizem que hoje ainda temos os mesmos problemas de abusos, imaginemos no antanho.
O primeiro encontro entre os dois acontece, quando Gilgamesh tentava arrebatar uma nova esposa, Enkidu bloqueia-lhe a passagem. Lutam, Gilgamesh vence, tinha mais experiência, conhecia melhor o terreno, e tinha mais apoiantes pelo tempo que governava. Logo, não resolveu o problema, Enkidu e Gilgamesh, abraçaram-se, sabiam que vinham do mesmo plano celestial, e que tinham de conviver juntos. Qualquer semelhança com Angola é mera coincidência, uns unidos para com o passado, outros com o presente.
Se é categórico que Angola saia das lazeiras, tem de ter instituições fortes, dando-lhes a competência e atribuições que lhe são devidas, com leis realistas, e mais importante, devemos submeter a nossa vontade ao Estado, e o próprio Estado deve emanar meios para ser supervisionado nas suas actividades com leis, com inclusão, é o caminho.
O problema de Angola, é falta de Disciplina e Comprometimento de alguns gestores públicos, tal como a cidade de Uruk, não era propriamente Gilgamesh, era ausência de Estado, de normas, Gilgamesh era a lei, e isto o tornou absoluto, mas no caso de Angola temos o Estado, temos as leis, carece de se atribuir poderes à todas instituições como é recomendável.